Falar de cinema e de um filme específico depende sempre de diversos factores. De conhecer o realizador e o seu estilo. Analisar o personagem. O que o actor empresta ao personagem. Aquilo que o personagem exige. E muitas outras coisas. Depende também sempre dos olhos de quem vê porque um filme não é um conta matemática em que só um resultado está certo. E esta é uma das magias do cinema. Quando se trata de James Bond tudo isto é elevado para outro patamar. São 24 filmes. São seis actores que dão vida ao famoso agente secreto. E isto torna impossível que não existam comparações. Há sempre tendência a comparar. Neste ciclo mais recente é normal comparar o trabalho de Daniel Craig em Casino Royale, Quantum of Solace, Skyfall e Spectre.
Recordo-me de Skyfall (2012) ter sido anunciado como o melhor James Bond de sempre. Criei expectactivas e fiquei desiludido por considerar que o filme estava longe de ser o melhor. Com Spectre voltou a acontecer o mesmo. "É o melhor", li. "Daniel Craig como nunca", li também. E voltei a criar muitas expectactivas. Para começar posso dizer que Spectre está muitos patamares acima de Skyfall. Digo também que é um filme que não desilude nenhum dos fãs desta saga cinematográfica. E menciono também que é daqueles filmes que devem ser vistos no cinema e revistos em casa.
Spectre entra a matar. Entra com tudo. A parte inicial do filme é brilhante, algo que já tinha acontecido com Skyfall, ambos realizados por Sam Mendes. E estas entradas prometem tanto que é impossível não esperar um filme brilhante. Este é o perigo de inícios assim. Daniel Craig está bem no papel de James Bond sendo que tem um humor mais apurado (ou mais evidente e presente) neste filme. O actor não desilude mas nota-se que começa a tornar-se impossível (e isto já foi referido por si) dar algo novo, que o público ainda não conheça, ao personagem. Christoph Waltz, um actor brilhante, dá vida a um vilão discreto mas muito bem interpretado, com importância e relevo na história (não apenas deste filme mas da vida de James Bond) mas com pouca presença física no filme. Monica Belucci, a bond girl mais velha de sempre, aparece poucos minutos no filme mas com tempo suficiente para marcar com a sua sedução. Neste caso, uma nota de destaque. Daniel Craig e Monica Belucci protagonizam aquele que é para mim o melhor momento de sempre em que são ditas as seguintes palavras: "My name is Bond, James Bond."
A estes junta-se Léa Seydoux, a bond girl de maior destaque e com impacto forte junto de James Bond, algo que não aconteceu com nenhuma mulher em Skyfall. E ainda Ralph Fiennes, o novo M, Ben Wishaw, como Q, Naomie Harris, na pele de Moneypenny e Dave Bautista. Este último nome é para reter. Já o conhecia do wrestling. Fiquei fã do seu talento enquanto actor quando deu vida a Drax em Os Guardiões da Galáxia. Em Spectre está perfeito na pele do vilão Hinx que não prima pelas palavras mas que se destaca pela presença física. Este actor é um diamante por lapidar para determinados papéis como é o caso deste Hinx.
Como referi, não saí desiludido da sala de cinema. O início do filme, no México, é fenomenal. As cenas de acção em Itália são igualmente boas. A ligação ao passado de James Bond está muito bem feita em especial com o vilão interpretado por Cristoph Waltz. O mistério em torno do futuro – soa a adeus de Daniel Craig – tem o dom de nos deixar a pensar no que aí vem. O romantismo e sedução estão lá, ainda que de forma suave mas superior a Skyfall. Por isso é um filme muito bom da saga 007. Muito superior a Skyfall que o precede. Destaco ainda a música de Sam Smith e o genérico inicial, algo que não se ignora quando se trata de um filme de James Bond.
Mas, tendo em conta apenas os filmes de Daniel Craig, continuo a preferir Casino Royale, curiosamente o seu primeiro. É um filme que tem tudo isto e muito mais. Tem acção brilhante no início (e sempre ao longo do filme). Tem uma sedução mais elaborada. Tem uma história de amor que deixa marcas nos filmes que se seguem como é visível em Spectre. Tem Le Chiffre, que considero o melhor vilão de todos. Tem Daniel Craig num patamar superior (talvez por ter sido o seu primeiro filme e por ter sido muito criticado no momento da escolha). E, num registo diferente, tem Chris Cornell a cantar You Know My Name, aquela que considero a melhor música de sempre destes filmes. Curiosamente, fui comparar os dois filmes no IMDB e Spectre tem uma cotação de 7,7 enquanto Casino Royale está nos 8,0. Depois de ter visto este filme e depois de ter lido a entrevista de Daniel Craig considero que este deverá ter sido o seu último filme e acredito que aqui pode residir o factor que fará o próximo filme destacar-se dos últimos. Isto não quer dizer que Daniel Craig é mau actor, porque não é. É muito bom e tem vestido muito bem a pele de James Bond, Quer dizer apenas que será complicado dar algo novo ao agente secreto mais famoso do mundo depois de quatro filmes.
Concluindo, Spectre é um filme muito bom. Muito melhor do que Skyfall. Merece ser visto no cinema. Merece ser revisto em casa. E acredito que não irá desiludir os fãs da saga. Mas quando comparado com Casino Royale torna impossível, na minha humilde opinião, que se diga que este é o melhor de sempre e que este é também o melhor desempenho de sempre de Daniel Craig. É certo que neste "you´re a kite dancing in a hurricane, mr. Bond" - frase que marca o filme – mas continuo a preferir Casino Royale no momento de escolher o melhor de sempre.