7.10.15

sou de outra geração e fui muito mais feliz

Tenho 34 anos. Feitos em Maio deste ano. Sou de uma geração diferente. E ainda bem que assim é. Vivi, até sair de casa para ir viver com a minha mulher, sempre na mesma casa, na mesma zona, numa praceta na Margem Sul do Tejo. Nasci e cresci numa altura em que o arrendamento de casas não era muito popular. Tal como, pelo menos na minha zona, as pessoas não mudavam de casa com muita frequência. E os meus amigos que o fizeram não mudaram para longe. Como tal, cresci com os mesmos amigos de sempre. Aliás, parte deles acompanharam-me na escola, desde a primária até ao ensino secundário.

Sou de uma geração diferente. Em que se brincava na rua sem que os pais estivessem com medo do que acontecia. Sem que tivessem medo que alguém nos fizesse mal. Tirando um caso ou outro, os pais apareciam à janela para chamar os filhos para jantar. Por isso, passei muito tempo na rua a jogar ao mata. A brincar às escondidas. Em batalhas de canudos. Ou de balões de água. A jogar às cinco pedras. A jogar às cartas. Ou a outro qualquer jogo de tabuleiro. A jogar futebol com caricas. Ou apenas a andar de bicicleta ou a conversar na rua. Sou de uma geração em que o real dominava claramente o virtual, sem ignorar que os tempos eram outros.

Tendo um ringue perto de casa também joguei muitos jogos de futebol. Ou na mata que existia perto da casa dos meus pais. Isto quando nos apetecia jogar em relva e com mais jogadores. Como vivia numa praceta também joguei futebol na praceta. Quer fosse na zona onde existiam árvores e quatro bancos de jardim ou mesmo numa das quatro rectas da praceta. Quando era na zona das árvores e jardins chegávamos a jogar quatro ao mesmo tempo. Os bancos eram as balizas e quem sofria golo era eliminado até restar apenas o vencedor. Também chegámos a improvisar balizas quando queríamos ocupar toda a zona interior da praceta. E, por mais que não quiséssemos, acabávamos por acertar algumas vezes com a bola nos carros. Mas nunca se estragou nenhum.

Também cheguei a jogar basebol no interior da praceta. As árvores eram as bases, o tabo era um pedaço de madeira e as bolas eram de ténis. E tínhamos duas opções. Bater as bolas para os prédios - cheguei a acertar nos últimos andares (cada prédio tem sete andares) - ou para a única parte da praceta que não tem prédios. Duas opções bastante divertidas. Também sou de uma geração que pregava partidas aos vizinhos. Sobretudo aqueles de quem não se gostava muito. Sou da geração dos palitos nas campainhas, das chamadas anónimas e de tantas outras coisas. E sou de uma geração que também festejava os Santos Populares na rua com os vizinhos a contribuírem com comida, aparelhagens e com a malta mais nova a tratar da decoração. Esta é a minha geração.

Com isto não pretendo dizer que as crianças de hoje desconhecem isto. É um facto que desconhecem mas os motivos podem ser muitos. Desde o receio dos pais. Desde as vidas dos progenitores. Desde os vizinhos não falarem uns com os outros. Ou até porque os pais não incentivam estes convívios preferindo ter os filhos à mercê das diversas realidade virtuais. Mas não é isto que pretendo discutir. O tema é outro. É que naquela altura também existiam vizinhos que nos viam como uma espécie de vândalos. Ou porque fazíamos barulho nas entradas dos prédios. Ou porque a bola tocava no carro que estava lavadinho. Ou por outro motivo qualquer como não gostarem de crianças.

O que sei e posso dizer é que naquela altura a praceta dos meus pais estava impecável. Jogávamos à bola nos bancos mas nenhum - nem quando eram de madeira nem depois quando foram mudados para outro material - estava estragado. Jogávamos basebol mas as seis árvores estavam sempre lindas. A rua estava sempre arranjada. Os prédios estavam sempre limpos. E nunca existia confusão na praceta. Ou muito raramente sem que me recorde de algo mais do que discussões entre vizinhos dados ao espectáculo e protagonismo.

E sempre que vou a casa dos meus pais (algo que aconteceu hoje) recordo-me de tudo isto que acabei de descrever. A praceta é uma mera sombra do que foi. Os bancos estão riscados e partidos. As árvores são três, se não me engano. A rua está com um aspecto degradado. Não conheço a maioria das pessoas dos nove prédios quando conhecia praticamente todos. Os prédios têm um aspecto que em nada se compara com o tempo que lá brinquei. E raramente vejo crianças a brincar naquela praceta onde fui tão feliz e onde me diverti tanto na companhia dos meus amigos.

Felizmente tenho esta imagem e posso dizer que é uma sombra do que foi. Felizmente tenho memórias melhores do que aquilo que os meus olhos observam. Felizmente sou de um tempo diferente. De uma geração diferente. E acho que não erro quando digo que eram tempos mais felizes do que aqueles que as crianças vivem hoje. E posso recordar tudo isto com um sorriso.

17 comentários:

  1. A culpa é dos pais e também um pouco já da nossa geração, tenho a mesma idade que tu. Não sei em que momento passou a ser parolo fazer convívios, festas e arraiais. Fazer um piquenique ou fazer uma festa em casa caiu em desuso, as pessoas passaram a ir para restaurantes, quanto mais caros melhor e isso levou a que se afastassem, diferenças de posses.
    Levar marmita para qualquer local era visto como sinal de poucas posses, andar na rua a jogar à bola passou a ser encarado como abandono infantil ou sinal de não ter consola de jogos em casa.
    Começamos a viver de aparências e para as aparências.
    A marmita e os piqueniques voltaram a estar na moda devido à crise e também a hábitos mais saudáveis, jantares em casa também, embora muito boa gente não os queira fazer porque dão muito trabalho, suja-se a casa e até se parte louça, mais uma vez é mais importante ter a casa embonecada do que viver nela.
    As crianças preferem mil vezes correr na rua do que jogar uma consola, o problema não é delas é apenas nosso que não queremos que se sujem, que caiam, que não temos tempo para brincar com elas.
    Vivemos num mundo egoísta cheio de pessoas egocêntricas que só querem os amigos para partilharem selfies nas redes sociais…

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    1. Existem muitas culpas. Mas nem foi por aí que escrevi o texto. Foi porque a rua era um espectáculo, nós andávamos por ali sempre na brincadeira e algumas pessoas criticavam. Agora, essas pessoas ainda por lá andam e a rua está uma lástima.

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    2. Porque essas mesmas pessoas deixaram de valorizar as pracetas e os jardins e de fazer delas locais de convívio.

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  2. Tens toda a razão, por acaso também me lembro desses tempos da mesma forma, e sem dúvida que hoje tudo é diferente, infelizmente, muito diferente.

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    1. Infelizmente diferente. Felizmente vivemos esses bons momentos.

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  3. Sou da mesma geração do que tu e passei por momentos muito semelhantes. Não havia a tecnologia que temos hoje mas éramos imensamente felizes na mesma! Tive uma infância muito feliz com os meus amigos, com o Agora Escolha, com o Scooby e com tantas outras brincadeiras e jogos que recordo com carinho.
    Abraço

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    1. Eram outros tempos. Outras brincadeiras. E era tão bom.

      Abraço

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  4. Ainda está semana fui a casa da minha avó e comentei isso com a minha mãe! Há 20 anos era uma aldeia com muita vida, hoje não se vê ninguém na rua e os vizinhos continuam os mesmos!

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  5. Olá boa noite!
    Se me permite, parece estar com alguma nostálgia d sua infância. As crianças que brincavam na sua praceta já cresceram... As crianças de hoje também brincam. Talvez não tanto na rua, mas não é por culpa dos pais como alguém comentou. Os tempos são outros, as mães e os pais trabalham e as cidades tornaram-se espaços perigosos, pois a relação de vizinhança a que se refere tem (infelizmente) tido tendência a desaparecer. Restam outras soluções, pois brincar é sempre brincar. Os miúdos, sobretudo os rapazes para jogar à bola têm muitas vezes de se inscrever em clubes ou coletividades e acabam por estar permanentemente supervisionados, é certo, mas no fundo estão a brincar, como no seu tempo. Pelo menos com os meus filhos tem acontecido assim.

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  6. Olá boa noite!
    Se me permite, parece estar com alguma nostálgia d sua infância. As crianças que brincavam na sua praceta já cresceram... As crianças de hoje também brincam. Talvez não tanto na rua, mas não é por culpa dos pais como alguém comentou. Os tempos são outros, as mães e os pais trabalham e as cidades tornaram-se espaços perigosos, pois a relação de vizinhança a que se refere tem (infelizmente) tido tendência a desaparecer. Restam outras soluções, pois brincar é sempre brincar. Os miúdos, sobretudo os rapazes para jogar à bola têm muitas vezes de se inscrever em clubes ou coletividades e acabam por estar permanentemente supervisionados, é certo, mas no fundo estão a brincar, como no seu tempo. Pelo menos com os meus filhos tem acontecido assim.

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    1. Olá! Bom dia!

      Prefiro ser tratado por tu, pode ser?

      Quando vou à casa dos meus pais recordo a infância. E sempre com saudade e com um sorriso nos lábios. Mas o que motivou este texto não foi a minha infância mas o facto de uma praceta que era muito bonita e tinha muita vida hoje ter perdido parte da sua beleza e raramente ser o palco de brincadeiras. É isso que lamento. Quando era criança e a praceta estava cheia de crianças estava sempre impecável. Hoje não.

      Acho que existem diversas culpas. Por exemplo, acho que poucos são os pais que incentivam brincadeiras nas ruas. E isto pode ter a ver com diversos factores que vão desde a falta de segurança até ao facto de nos dias que correm os vizinhos mal falarem uns com os outros. E aqui cada pai sabe de si. Até porque nos dias que correm as pessoas também mudam de casa com uma frequência muito maior.

      Muitas pessoas referem com frequência o facto de os pais trabalharem. Os meus pais sempre trabalharam. E isso não teve influência nas brincadeiras na rua. É certo que tudo é diferente. Até os mercados de trabalho e talvez tudo isto acabe por resultar num maior desgaste e falta de paciência.

      Talvez hoje essa assim para se jogar futebol. E é pena. No meu tempo íamos para o ringue da escola primária. Quando estava fechado saltávamos a rede para ir jogar. Nunca ninguém se aleijou mas provavelmente os pais hoje em dia ficariam escandalizados com isto.

      Fico feliz por referires que os teus filhos brincam. E não sou contra as tecnologias porque aos 34 anos tenho playstation e adoro jogar. Mas acho que é necessário um equilíbrio entre essas brincadeiras e aquelas na rua em que se suja a roupa.

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  7. Olá Bruno...
    Somos da mesma idade, e do mesmo mês... Tivemos infâncias em zonas diferentes, em pracetas diferentes, mas tudo o que referes é válido...
    Com os meus filhos, tento ir mais vezes com eles ao parque... ou leva-los a casa dos avós que têm quintal, e deixo-os brincar com a terra... normalmente mudam de cor... eles a a roupa... Mas gostam e eu gosto que assim seja... Durante a semana já têm muitos jogos de tabuleiro e já estão muito tempo "presos" em casa...
    Sei que para alguns deixar brincar na terra e sujar-se é muito mau... Mas fui muito feliz assim, e eles também gostam... e no fim, é a máquina que lava a roupa... e mesmo que estivesse menos suja o destino da roupa era a mesma, certo?

    Beijinho

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    1. Gosto de pais que são assim em vez daqueles que criticam logo os filhos porque se sujaram a brincar. Ainda bem que és assim :)

      Beijos

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  8. Esta história é tão velha. Ok, jogavas na rua. Eu na minha rua não podia jogar e agora posso. Dantes estava tudo partido e agora está melhor. E depois? Tinha amigos meus que jogavam à bola e eu também ia jogar, enquanto eles não se lembravam de gozar comigo e a piada ia-se embora. E de que é que me valeu essa época? Nada. Agora é a mesma coisa. Uns fazem coisas e outros ficam em casa. Uns partem e outros preservam. Compreendo a nostalgia mas não compreendo o porquê de nos sentirmos superiores por termos vivido nesse tempo.

    Eu já escrevi sobre isto aqui:
    http://thetasteoforange.blogspot.pt/2015/09/o-inexistente-conflito-de-geracoes.html
    http://thetasteoforange.blogspot.pt/2015/09/o-inexistente-conflito-de-geracoes_4.html
    http://thetasteoforange.blogspot.pt/2015/09/o-inexistente-conflito-de-geracoes_3.html

    Num âmbito diferente mas dentro do mesmo assunto.

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    1. Eu nem sempre podia jogar na minha rua. Quando não podia ia para o ringue da escola. Quando não dava aí também ia para o mato. Ou improvisava campos onde dava. Claro que havia piadas. E eu também era alvo delas. Mas na hora de brincar todos se davam. Tirando as crianças que não gostavam, porque também existiam, de estar na rua. Mais, muitas vezes nós (fazia parta da geração do meio, existia uma mais velha e outra mais nova) fazíamos "frente" aos mais velhos nos jogos de futebol. Eles brincavam connosco e tiravam partido de ser mais velhos e nós ganhávamos respeito no campo quando lhes ganhávamos.

      Eu não acho que agora seja a mesma coisa. Acredito que a maioria das crianças hoje não sabe brincar com um pião, não sabe jogar ao berlinde, não sabe jogar ao espeta, não sabe fazer um canudo nem cartuchos nem sequer uma fisga. Não sabem o que é o 35 nem o mata, entre muitas outras coisas. Por outro lado, conhecem as redes sociais todas, já têm telemóveis e conhecem os jogos todos das consolas onde jogam melhor que os adultos. Isto pode ser um reflexo dos tempos mas também é um facto que muitos pais, seja por que motivo for, não incentivam as brincadeiras na rua.

      Os tempos eram diferentes. E com isto não quero dizer que sou, ou que a minha geração é, melhor do que as crianças de hoje. Somos apenas diferentes. E como conheço a sensação de passar horas de volta de uma consola e como conheço a sensação de passar largas horas na rua com amigos, posso dizer que fui muito mais feliz com as brincadeiras que mencionei no texto.

      De resto, a nostalgia é mesmo porque a rua é uma sombra do que era.

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