Aquilo que aconteceu com Moussa Marega, jogador do Porto que abandonou o campo depois de ter sido alvo de cânticos racistas, deu origem às mais diversas opiniões. Já expressei a minha opinião sobre o tema. Mas neste texto, vou direccionar o debate para o campo do desporto. Onde, na minha modesta opinião, existe uma linha muito ténue que separa o racismo da estupidez momentânea de adeptos que não sabem estar num estádio de futebol.
Qualquer pessoa que vá a um estádio já terá ouvido alguém gritar algo como “preto do car****”, “macaco de merda” e por aí fora. Tudo palavras dirigidas a jogadores adversários. Sendo que as pessoas que dizem isto são as mesmas que aplaudem os jogadores pretos da sua equipa. E peço desculpa se a palavra preto ofender alguém. Mas acho muito mais positivo preto do que negro. E basta pensar que associamos preto a tudo o que é bom e negro a tudo o que é mau. Daí optar por preto.
Adiante, e não querendo desculpar quem o faz, expressões como aquelas que referi são, na sua grande parte, momentos de estupidez de pessoas que não sabem estar. É o mesmo que chamar filho da p*** ao árbitro. Chamar paneleiro a um jogador. Mandar alguém para a c*** da mãe e por aí fora. Coloco tudo isto no mesmo pacote. No pacote das pessoas que não sabem estar num campo e que dizem toda a merda que lhes vem à boca em momentos adversos.
Por outro lado, existem casos que são diferentes destes. Por exemplo, a claque do Zenit (clube russo) é contra a contratação de jogadores negros para o clube. É uma postura racista que é disfarçada com a suposta identidade do clube. Veja-se o caso de Malcom, jogador brasileiro que foi brindado com tarjas racistas quando se estreou pela equipa. E que desde então praticamente não joga pelo clube.
Posso também falar da minha experiência enquanto jogador de futebol. Comecei a jogar aos 12 anos e parei já depois dos 30. Joguei também em torneios de escola e participei em muitos outros. A diferença da minha experiência é que não joguei em campos com 60 mil pessoas. Tinha menos público a ver os jogos e em muitos campos ouvia perfeitamente tudo aquilo que era dito. Sendo que em quase todos os jogos só eram necessários dois polícias para que o jogo se realizasse. Não sei se esta lei mudou.
Isto para dizer que passei a minha vida desportiva a ser ofendido. A ouvir coisas piores do que o Marega ouviu, dirigidas a colegas meus. A ser ofendido com outro tipo de palavras. E sofrer ameaças de agressões físicas no final do jogo. A ser cuspido, uma das coisas mais nojentas que alguém pode fazer a outra pessoa. A ser prejudicado por árbitros porque simplesmente tinham medo dos adeptos (do clube da casa) que os ameaçavam. E por aí fora. Posso até dar um exemplo de um caso específico que aconteceu num determinado jogo e de que nunca me esqueci.
Numa equipa que joguei (era defesa central) tinha ao meu lado um lateral esquerdo preto. Que a meio do jogo começa a discutir com o extremo direito da equipa adversária, também ele preto. E a conversa deles foi mais ou menos assim:
- “Ó preto do c******”, diz o jogador adversário.
- “Preto és tu”, responde o meu colega de equipa.
- “Eu sou castanho, tu é que és preto”, acrescentou.
No meu caso específico, sempre gostei de jogar em ambientes adversos. Sempre lidei bem com ofensas, ameaças e por aí. Era algo que me motivava. E também assumo que tive os meus momentos em que reagi às provocações. E assumo que me arrependi desses momentos. Dei sempre razão a que estava mal, descendo ao mesmo nível. Mas recordo-me de colegas que iam ter com o treinador a queixar-se do que ouviam, dizendo ser complicado jogar assim. “O jogador de futebol é como uma senhora, não tem ouvidos”, dizia o mister.
O texto já vai longo e o meu objectivo é dar a conhecer uma realidade que (acredito) ainda existe em palcos desportivos pouco mediáticos. Onde existe muita estupidez e, certamente racismo. Mas que se misturam de tal forma que fica complicado separar um do outro. Sendo evidente que ambos estão a mais em qualquer evento desportivo.
Como já fiz saber, sou contra todos os actos de racismo. Tal como sou contra o ódio e ofensas que dominam o desporto, especialmente nas camadas jovens, onde os atletas são pessoas em crescimento e formação. Espero que o caso Marega sirva para que se mude tudo aquilo que está mal. Do racismo ao ódio. Que todas as pessoas metam a mão na consciência e percebam que existe mesmo muito para mudar. Quer seja no desporto como na sociedade. E a mudança começa em cada um de nós. Esta será sempre a mudança mais fácil.