Ela acorda como se tivesse chegado a
hora de sair da cama e enfrentar mais um dia de trabalho. Sente-se
desperta como sempre acontece. E saberá que não voltará a adormecer.
Porém, o relógio marca apenas 3:23 da madrugada. No mesmo prédio e
no andar de cima, mora ele. Neste aspecto são diferentes. Ele dorme
a noite toda que nem uma pedra. E tem três despertadores diferentes,
com sons completamente distintos de modo a levantar-se na hora que
estipulou para que nunca se atrase. Vizinhos. Diferentes no sono. E
com muito mais em comum do que imaginam...
Ao saber que não voltará a dormir,
ela entrega-se às constantes rotinas de meio da noite. Calmamente,
para não incomodar os vizinhos, desloca-se até à sala. Este curto
percurso de pouco mais de dez passos é pautado pelo som que os seus
pés fazem quando pisam os papéis (que embrulham os chocolates) que
estão espalhado pela casa. Sem conseguir dormir, senta-se no sofá.
Tapa-se com a manta que tem há anos. E liga a televisão. Após um
rápido zapping não encontra nenhum programa que capte a sua
atenção. Como tal, e num gesto tão comum que nem se apercebe, liga
o leitor de dvd. Lá dentro, está o Diário de Bridget Jones – o
primeiro, de 2001 pois só gosta desse. Que arranca sempre na mesma
parte. No momento em que Renée Zellweger bebe vinho, fuma um cigarro
enquanto assiste, sozinha no sofá, a uma série e canta All by
Myself. Nesse momento, ela percebe que a sua vida é bastante
semelhante ao filme. E chora à mesma velocidade que o peso aumenta
devido aos chocolates e gelados que fazem parte da sua deficiente alimentação
diária.
Já ele é diferente. Dorme bem de
noite. Tem um emprego estável numa grande empresa e com um bom
ordenado. Além disso ainda tem direito a carro da empresa e cartão
de crédito com um plafond de dois mil euros que podem ser gastos naquilo que bem entender. Tal como ela, ele também tem rotinas. Vai
diariamente ao ginásio após mais um dia de trabalho. Como não sabe
cozinhar e vive sozinho, janta sempre no mesmo restaurante perto de
casa. Aliás, já tem o seu lugar reservado. Tem sempre a sua mesa
com apenas uma cadeira. Apesar da boa relação com o dono do
restaurante, este nunca teve coragem de lhe perguntar porque vai ali
há anos sempre sozinho. Quando acaba o jantar, na sua maior parte da
vezes um bitoque, vai ao bar do costume. Assim que chega ao balcão já
tem à sua espera o whisky, da marca do costume, com duas pedras de
gelo. Boa noite e obrigado são as únicas coisas que saem da sua
boca. Paga a bebida, deixa sempre dinheiro a mais, e segue até à
próxima paragem. Aqui, a rotina não entra, pois escolhe sempre ao
acaso o bar de strip onde vai.
Contudo, aquilo que acontece lá dentro
é sempre igual. Sendo bem parecido e com um corpo atlético,
rapidamente tem uma stipper ao seu lado. Pouco mais de um minuto é o
tempo necessário para que sigam para o privado. Nesse momento, faz
sempre o mesmo. Tenta convencer a stripper a acabar a noite em sua
casa. Umas dizem que não. Outras dizem que queriam mas que não
podem. E existem aquelas que dizem o preço da aventura ao domicílio.
E não há noite em que não encontre uma destas, não fosse esse o seu único objectivo. Já em sua casa,
seguem-se cerca de trinta minutos do chamado amor de 200 euros, o
preço que habitualmente paga pelos minutos de sexo. No final, cai sempre a máscara de
homem forte sem sentimentos. E pergunta quase sempre se querem
ficar o resto da noite com ele. As respostas são sempre iguais. “Não
posso” ou “fico se me deres mais 200 euros.” A última rotina
do seu dia, que acontece por volta das 01h23 da manhã, não se altera. E passa por chorar até adormecer.
Mais do que partilhar o prédio, ela e
ele partilham a visão que têm do amor. Ambos foram magoados na
única relação séria que tiveram. E ambos disseram que tal não
voltaria a acontecer. Como resultado dessa decisão, fecharam o coração ao mundo. Ela entrega o seu amor aos filmes e músicas lamechas
enquanto devora chocolates como se o mundo fosse acabar em poucos
minutos e só sobrevivesse quem tivesse ingerido mais doces. Ele,
entregou o seu amor a mulheres que não o magoam e que não fazem
perguntas. Mas há mais coincidências. Para eles, o amor (ou a
hipótese de tentar a felicidade) esteve sempre ali. Ela sempre
gostou dele. Diz, quer dizer, pensa que ele é o homem mais charmoso
que alguma vez viu. Mas nunca o convidou para sair. Acha que ele não
gosta dela e que a acha gorda. Além disso, pensa que ele deve ser um
cabrão igual ao ex-namorado. Por sua vez, ele sonha com ela pois
nunca viu uma mulher tão bela e sexy em toda a sua vida. Mas,
nunca a convidou para sair. Porque acha que ela certamente já terá
reparado nas diferentes mulheres que com ele chegam ao prédio. Mais.
Ela de certeza que é igual à cabra com quem namorou vários anos.
Para ambos, uma hipótese de felicidade, mesmo que remota, está separada apenas por
alguns metros. Mas a descrença no amor é tanta que estão cegos e não conseguem reparar nela.
Já sigo o teu blog há muito tempo, já aqui li de tudo e mais um bocado, mas neste momento consigo afirmar com toda a certeza que este foi um dos posts que mais gostei.
ResponderEliminarMuito obrigado start :)
EliminarObrigado pelas simpáticas palavras.
Muito bem escrito...e fugiste ao estereotipo dos finais felizes, e assim cada leitor pode imaginar ou descrever aqui o final que gostariam ou achariam q iria acontecer!
ResponderEliminarNo meu caso acho que provavelmente ele vai apanhar alguma doença venerea e ela diabetes ou obesidade morbida...mas isto sou eu que tenho problemas xD
Abraço
Eu acho é que são duas pessoas muito comuns na sociedade. E não quero dizer que todas as pessoas comem chocolates ou recorrem à prostituição.
EliminarAbraço
Deve ser meio triste não sentir o coração a bater mais forte por outra pessoa.
ResponderEliminarNão será ainda mais triste fazer tudo para que ele não bata?
EliminarHSB, é. Mas por vezes é mais simples parar de sentir.
EliminarPrefiro a dor do desgosto à dor da ausência de amor.
EliminarNum dia normal e por acaso do destino falam. Dessa conversa vem um jantar. Desse jantar vem algo mais. Quando finalmente estão a baixar a guarda e a preparar-se para voltar a amar, um deles morre tragicamente.
ResponderEliminarÉ isto...
Ou não morrem e redescobrem o amor e que sabem amar...
EliminarForte ...
ResponderEliminarReal...
Eliminar...e por isso mesmo, intenso...dá que pensar!
EliminarAinda bem :)
Eliminare este texto deixou-me colada até à última palavra! Parabéns! Adorei!!!
ResponderEliminarObrigado Orquídea :)
Eliminaruma história de desencontros...
ResponderEliminarcom tanto em comum entre os mesmos.
adorei. :)
E com tanto em comum com tantas pessoas que conheço :)
EliminarE quanto dificil se torna encontrar, de novo, o caminho do amor...
ResponderEliminarO mais complicado é quando a pessoa não quer redescobrir o caminho...
EliminarGostei muito deste texto!
ResponderEliminarObrigado!
EliminarQuando se realmente se ama é muito dificil voltar a actreditar...Infelizmente ainda tenho esta visão.
ResponderEliminarAdorei o texto. Revela muito a vivência de muito de nós, do nosso quotidiano e das nossas relações interpessoais...
Mas a vida não faz uma pausa. E há oportunidades que não voltam...
EliminarEste texto está brilhante...infelizmente descreve a vida de muita gente! Tenho pena que tanta gente deixe de acreditar no amor!
ResponderEliminarDescreve mesmo a vida de muita gente. Ninguém deve deixar de acreditar no amor.
EliminarGostei muito muito deste texto! Parabéns!
ResponderEliminarMuito obrigado!
EliminarBem, uma relação entre vizinhos tem as suas vantagens. Não se apanha transito...não há desculpas para chegar atrasado... pelo cheiro dos cozinhados que emana pelo prédio fora já conhecem os seus pratos preferidos... a expressão "na tua casa ou na minha" ganha novo sentido e se zangarem de madrugada é só subir/descer as escadas. :P
ResponderEliminarAgora a sério: após o fim de uma relação é normal haver aquele período de "luto" em que não se quer ver/ouvir falar do sexo oposto...depois com o tempo as feridas curam...não se deve fechar a porta ao amor mas também não há qualquer problema em se estar sozinho por algum tempo...antes só que mal acompanhado.
Gosto desse prós e contras :)
EliminarConcordo com esse luto desde que a pessoa não se deixe controlar por ele.
Tá lindo, dá-me vontade de ter perguntar a morada das personagens, para ir a correr contar-lhes ;)
ResponderEliminarObgda
De certeza que conheces personagens destas mesmo que não comam chocolates nem frequentes bares de strip ;)
EliminarObrigado eu.
Eu também já tive uma fase de descrença no amor. E nessa fase, fui sem dúvida uma pessoa pior, mais vazia, descrente em tudo e em todos. Fiz coisas de que não me orgulho, mas das quais não me arrependo, pelo simples facto de me terem feito crescer.
ResponderEliminarHoje, voltei a encontrar o amor e sou feliz :)
O caminho é esse Roger. E que tem a humildade de dizer aquilo que disseste é porque vai no bom caminho.
EliminarBelíssimo enredo, muito bem (d)escrito.
ResponderEliminarObrigado :)
Eliminar"Simples" e tão brilhante!
ResponderEliminarFico feliz por teres gostado :)
EliminarAcho que há pessoas "desencontradas" na vida, não sei se por falta de coragem, se por teimosia ou porque as feridas nunca sararem.Fecham a porta ao amor porque nunca desculparam a si próprios, aos outros,à vida, sei lá.. O perdão às vezes é bálsamo nunca encontrado por uns ou por medo ou por orgulho. Enclausuram-se na própria rigidez. Sinceramente foi isto que achei ao ler esta história tão bem contada, qualquer que seja o desfecho. Que sirva de reflexão para muitos que assim passam pela vida sem viverem, por desacreditarem a certa altura no amor ao outros, até nas relações interpessoais, até penso que essencialmente desacreditam no amor a eles próprios e vão sobrevivendo.
ResponderEliminarParabéns mais uma vez por este excelente texto.
Acho que dizes tudo aquilo que me passou pela cabeça antes e durante a escrita do texto.
EliminarJá não me agarravas assim a um texto teu há uns dias!
ResponderEliminar5*! Muito bem escrito. Fizeste-me recuar aos meus 22 anos, ao meu luto, de abandono de mim, de falta de vontade de existir,ao momento em que eu disse para mim mesma que não queria voltar a amar, para não voltar a sofrer.
Foram quase dois anos. Aos 24 conheci MorMeu que também se encontrava de luto, depois vivemos um periodo muito "engraçado" juntos, com os dois sempre a negar aquilo que estavamos a sentir. Até hoje ainda não me arrependi de ter dado uma oportunidade ao meu coração de voltar a amar, só que desta vez totalmente correspondida e isso sim para mim era a novidade, ser amada. Até então nunca ninguém me tinha explicado que era preciso que eu aprende-se a gostar de mim. MorMeu mostrou-me o caminho e ainda hoje não me larga a mão e sempre que tendo a esquecer-me de mim, é ele que me segura o queixo e me faz erguer a cabeça, olhando o caminho de frente.
jinhossss
Ainda bem que ficaste presa.
EliminarAinda bem que te fiz recuar no tempo. E, melhor do que isso, é o facto de teres passado por algo semelhante e por seres o exemplo de que vale a pena acreditar no amor.
Parabéns aos dois, pela vossa história de amor.
beijos
Amei, amei, amei este texto! ;-)
ResponderEliminarFico feliz por isso :)
EliminarHá algum tempo que sigo o teu blog e este foi talvez o texto de que mais gostei. Infelizmente é a realidade para algumas pessoas... eu incluida...
ResponderEliminarQuando se fecha o coração ao mundo é mt dificil voltar a abri-lo.
Parabéns, adorei
Muito obrigado pelas tuas palavras.
EliminarE, neste caso, espero que te ajude a abrir o coração ao tal "vizinho" com quem te cruzas :)
:-) este post arrancou-me um sorriso. A minha história acabou um "bocadinho" diferente com o vizinho :-D Linkei-o, espero que não te importes.
ResponderEliminarBeijo
Não há problema nenhum com o link. Obrigado.
EliminarAinda bem que a tua história é diferente.
beijos
por vezes, o amor é, mesmo, um lugar estranho ...
ResponderEliminarMuito estranho.
EliminarSó para contrariar acho péssimo o teu texto. Só assim... porque me apeteceu.
ResponderEliminarÉ uma opinião tão válida como qualquer outra aqui deixada.
EliminarObrigado-
Completamente fascinada!
ResponderEliminarUm beijo
É bom saber. É o melhor "prémio" que posso ter.
Eliminarbeijos
Fiquei parada a ler o texto, não consegui tirar os olhos dele... Está fantástico.
ResponderEliminarUm retrato tao cru e duro, de uma realidade tão frágil e verdadeira na nossa sociedade. Por vezes não é deixar de acreditar no amor... é não querer percorrer uma caminhada longa e dolorosa, é fugir do amor com medo desse percurso e acreditar que um dia ele aparece e simplesmente tudo acontece sem magoar e voltamos a ter borboletas no estomago.
Eu acredito que um dia as borboletas vão regressar ao meu.
Tens muita razão naquilo que dizes.
EliminarE se tu acreditas, eu tenho a certeza :)
wow!
ResponderEliminarEstou maravilhada. E com um sorriso parvo à meia hora.
Parabéns ;)
* romântica que sou, para mim, eles conseguiram sair da zona de conforto e acabaram juntos.
É bom saber que te deixei a sorrir. É muito bom mesmo.
EliminarObrigado Andreia :)
E tal como tu, acredito em finais felizes.
Acreditem em finais felizes, acreditem porque eles existem... :-)
ResponderEliminarEstou à espera...
Eliminareu ainda ando desacreditada......
ResponderEliminarbelo texto*