18.4.13

apenas vergonha #8


Ao longo da minha vida passei por vários momentos de vergonha. Uns protagonizados por mim. Outros, por pessoas que me são especiais. E em alguns fiz apenas de figurante por estar no sítio errado à hora errada. E, para mim, esses são os piores. Como é o caso que vou relato hoje.

Há alguns anos fiz parte de um mega projecto da EDP que tinha por objectivo fazer o levantamento informático da rede eléctrica nacional que existia apenas em papel. Andava com um computador e nele desenhava os postos de transformação. Para quem não sabe são aquelas casinhas da EDP que se encontram nas ruas. Depois existem algumas debaixo do solo e ainda umas mais pequenas que são umas caixas que podem ser vistas em diversos postes. Gostei imenso de fazer parte deste projecto.

Além do computador andava munido com um mapa que assinalava os PT´s. Os mais pequenos estão muitas vezes no meio do mato e até em propriedades privadas. Algo que complica o acesso aos mesmos. Certo dia, andava para os lados de Setúbal à procura de um. Como não o conseguia encontrar pelo mapa, escolhi a opção mais segura. Olhei para os cabos de média tensão. E fui seguindo os mesmos com a carrinha.

O caminho levou-me para o mato. Para uma zona mais reservada. Fui seguindo o meu caminho, sempre com os olhos nos cabos. Até que me cruzo com uma viatura que estava parada de porta aberta. No banco estava uma prostituta. Fora do carro, em pé, estava um senhor de meia idade com as calças para baixo.

Não parei. Segui o meu caminho. Mas os breves segundos em que nos cruzámos foram suficientes para o referido homem mudar de cor dez vezes antes de ficar no branco mais pálido que alguma vez vi. Quanto à prostituta, essa manteve a postura de quem está num café e viu entrar mais um homem que vai pedir um café ao balcão. Ou seja, tranquila e serena.

Segui o caminho. E acabei por dar com o posto de transformação. Infelizmente, estava dentro de uma propriedade privada, o que me impossibilitou de fazer o respectivo esquema. Dei meia volta e segui para o próximo. Ao voltar à estrada, tive de me cruzar novamente com a dupla. Se ela se mantinha igual, ele estava mais calmo. Disfarçado com um boné e uns óculos escuros e com as calças para cima. Olhou-me fixamente como quem temia que eu fosse alguém contratado para o seguir. Acrescento que estava numa carrinha devidamente identificada com a empresa.

A situação não me dizia nada. Não a conhecia a ela. Nem a ele. Mas consigo recordar o “quadro” detalhadamente como se o estivesse a ver enquanto escrevo este texto. Não sei se ela tinha marido e filhos. Se estava naquela vida por necessidade. Para sustentar vícios. Ou por outro motivo qualquer. Quanto ao homem. Não sei se era marido, pai e avô. Não sei se era alguém eternamente rejeitado que procurava amor a troco de uns euros oferecidos a uma prostituta. Não sei o que os juntou.

Aquilo que sei é que senti vergonha. Não me cabe julgar os motivos daquelas pessoas ou de quem leva aquele estilo de vida. Sei que sinto pena delas. Sobretudo quando vejo miúdas novas a venderem o corpo na berma de uma nacional qualquer. E sei que sinto repulsa quando vejo os homens (por norma mais velhos) pararem o carro e olharem para elas como quem olha para um pedaço de carne enquanto as questionam sobre os preços dos pratos carnais.

Habitualmente, é isto que sinto quando observo esta situação de prostituição. Naquele dia senti vergonha. Tive o azar de estar no sítio errado à hora errada. E é isto. Apenas vergonha.

20 comentários:

  1. Por um lado, obrigaste a prostituta a trabalho extra, porque o homem deve ter esmorecido; por outro, deves ter deixado a prostituta a pensar que perdeu algo melhor...LOL

    Estas situações também me incomadam...

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    1. Acho que o homem esteve à beira de um ataque cardíaco.

      É muito feio de ver.

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  2. Muito bem escrito. Mas o sentimento parece mais de pudor do que de vergonha, ou seja, nós sabemos que existem certas situações, mas quando nos deparamos com elas de repente, sentimos verdadeiro incómodo. Infelizmente existem pessoas que acham que só têm carne para oferecer; nunca ninguém talvez as fez sentir que são muito mais que isso, que existem outros caminhos...e há pessoas que só gostam de carne, não conseguem ver mais do que isso.
    Já tive pena, continuo a ter pena de quem se compra e de quem se vende, mas vai continuar a ser assim. Infelizmente. De qualquer das formas deve ter sido uma situação deveras "electrizante"!

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    1. Foi uma situação muito constrangedora apesar de não ter nada a ver comigo.

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  3. Pensaria o mesmo se eu me deparasse com alguma situação parecida. Ficaria mais curioso do que constrangido. Gosto de pensar o que exatamente leva as pessoas a fazerem o que fazem, seja uma prostituta ou não.

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  4. Que situação. Vergonha alheia... também pode ser doloroso.

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  5. Há uma estrada interior que tenho de fazer, não poucas vezes, na Hungria e nessa estrada são tantas, mas tantas as meninas que se vendem!
    E tantos mas tantos carros de homens parados na berma!
    E eu sinto tanta vergonha...

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    1. Quando vejo as miúdas novas e giras fico sem saber o que pensar. Podiam estar em tanto sítio. Porquê numa beira de estrada?

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  6. A prostituição... dava pano para mangas. A mim não me deixa com vergonha, deixa-me a pensar...

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  7. É por estas e por outras que eu sou a favor da legalização da prostituição. Não seria preciso assistir a cenas dessas nas ruas porque estariam confinadas a locais próprios onde só vai quem quer. E, de certeza, que não havia tanta transmissão de doenças, porque ao serem profissionalizados, os profissionais destas áreas teriam de ter cuidados especiais e teriam de ter seguimento médico.

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  8. Entendo-te...fico com vergonha e triste pelo cenario decadente...:(

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  9. Nao sei se essa é a situaçao pior. Ja passei por algo do genero mas a pessoa em causa era a mae de uma colega de faculdade, de joelhos com um colega nosso!! Na altura fiquei a modos que frozen in time ate que decidi olhar novamente pa ter a certeza ( ai sim fiquei constrangido lool ) e segui caminho o mais rapido q consegui!!

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