18.10.12

estou em vias de extinção (não contem a ninguém)

Desde miúdo que tenho um encanto especial pelo jornalismo. Apesar de não sonhar ser jornalista desde que me lembro de mim, sempre gostei dos senhores que traziam as boas novas. É um facto que tenho apenas 31 anos mas naquela altura os jornalistas, que tanto admirava, costumam ser simpáticos nas palavras. A distância temporal não é longa mas as mudanças são gigantescas, no que ao conteúdo diz respeito.

Como em criança sonhava ser um Yuran (alguém se lembra deste brilhante ponta-de-lança que passou pelo Benfica?) ligava mais aos jornalistas desportivos, sobretudo da rádio. Tinha encanto pelas suas vozes, pela forma como narravam qualquer acontecimento e por um detalhe especial que escapa à televisão e que não existe na imprensa escrita: a emoção. Apenas na rádio é que existe emoção.

Os anos foram passando. A minha vida foi mudando. A carreira enquanto atleta profissional passou a ser uma miragem até que surgiram as letras na minha vida. Nessa altura, a paixão pelo jornalismo bateu no meu coração mais forte do que nunca. Confesso que pensava que nenhuma área teria força suficiente para me fazer sentir tão vivo como fazia o desporto. Felizmente, estava enganado e o jornalismo dá-me um prazer que julgada impossível de atingir.

Recordo com saudades os quatro anos de curso. Os sonhos partilhados com os colegas. A vontade de querer escrever algo que todos devem saber mas que muitos querem esconder. O desafio de cobrir uma guerra in loco e não na varanda do hotel a fingir que estou no terreno. A ambição de ser jornalista desportivo, uma área que tanto aprecio. Estas, entre muitas outras temáticas, foram as conversas ao longo de quatro anos de grande importância na minha vida.

Curso concluído. Diploma e canudo em casa. Seguiu-se um curso de jornalismo televisivo no Cenjor e a ideia de que tinha feito a escolha acertada para a minha vida aumentava cada vez mais. Aliás, foi aqui que encontrei o anúncio onde se pedia um jornalista estagiário para uma revista. Descobri o anúncio quase no limite do prazo e concorri sem qualquer esperança de ser seleccionado. Sobretudo, quando soube que grande parte da minha turma tinha sido recusada para o cargo. O facto de alunos brilhantes terem ficado para trás, fez-me acreditar que não teria melhor sorte. Mas, aquela que foi a única entrevista (nesta área) que tive até hoje correu muito bem e terminou com a seguinte frase: “Quando podes começar o estágio?”

No dia seguinte comecei a trabalhar e desde então que sou jornalista. Pouco tempo depois passei a carregar um documento na carteira que começa a perder peso e simbolismo. Na frente diz: Press Jornalista, tem um número que me destaca de todos os outros jornalistas e ainda o nome profissional que escolhi. Nessa altura, há cerca de seis anos, ainda se podia dizer com orgulho: sou jornalista!

Passado este tempo, tudo mudou. As publicações fecham a um ritmo alucinante. Os despedimentos são o prato do dia e o jornalismo parece caminhar para a extinção. É a greve dos jornalistas da Lusa. É a guerra dos jornalistas do Público. E, quando penso que isto pode ser um problema apenas dos portugueses, fico a saber que os jornalistas do El País – para mim um dos mais importantes jornais do mundo – vão parar durante nove dias!

Tal como o país onde nasci, temo que a minha profissão caminhe para um abismo. Imagino os jornalistas a serem encaminhados para um precipício onde apenas meia dúzia deles escapam com vida. Os restantes são obrigados a fugir, com um alvo nas costas. Temo que, daqui a algum tempo (semanas, meses ou anos) tenha que levar uma pessoa para um beco para lhe sussurrar ao ouvido: “sou jornalista”, antes de começar a fugir de mim aos gritos. Resta-me agarrar ao que tenho e lutar com todas as minhas forças, algo que faço todos os dias.

33 comentários:

  1. Ainda que lhe pareça ridiculo o que lhe vo dizer, tem que ter o pensamento positivo...lembra-se da entrevista em que os melhores ficaram de lado- foi você que disse- e conseguiu o lugar...é esse o caminho acreditar no melhor de nós!

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  2. Como me disse um querido amigo um dia destes....
    temos que pensar em coisas boas!!!
    beijinho

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  3. Mas isto que falas é verdade em todas as profissões e por tão absurdo que é , não podemos deixar que aconteça. Força! E olha que eu perdi o meu emprego com as funções que adorava e que cumpria na integra porque a Empresa acabou.Recomecei, mas continuo a lutar para que as de hoje também não desapareçam. Vamos agarrar com todas as forças para lutar por aquilo que ainda temos, não podemos deixar que isso aconteça, o abismo de um País!

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  4. :( Nem sei o que dizer. Queria dizer palavras bonitas e reconfortantes, mas neste momento soar-me-iam a ocas e sem sentido. Percebo-te e entristece-me até às entranhas :(

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  5. Vais-me desculpar, sei que o que escreveste é sério e preocupante mas tenho que te confessar que ainda não parei de rir "Temo que, daqui a algum tempo... tenha que levar uma pessoa para um beco para lhe sussurrar ao ouvido: “sou jornalista”, antes de começar a fugir de mim aos gritos."

    Quando conseguir parar de imaginar a situação volto a ler... :)

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    1. A mim também me dá para rir. Assim evito chorar. Espero que a profissão nunca chegue a esse ponto.

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  6. Pergunta :
    Se é a LUSA que fornece a maioria das noticias, para que servem mesmo os 698744 orgaos de informação ? (jornais, etc)

    Assim talvez se explique a viabilidade da enorme quantidade de jornais nacionais, regionais e similares...........recebe-se da LUSA e faz-se uma especie de Copy-Paste .

    E afinal de contas qual a razão da LUSA ser financiada pelo Estado.

    Tenho pena que tal esteja a acontecer, mas também é preciso ser objectivo.

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    1. Percebo o ponto de vista que referes. É uma questão pertinente. Mas, e talvez não seja a melhor comparação, se se vendem cd´s de música, para que existem rádios?

      Posso dizer-te que não trabalho com a Lusa (só com imagens, quando necessário). A questão que colocas dava para muitas horas de conversa. Quanto ao copy paste. Mal do jornalista que faz disso uma regra profissional.

      Obrigado pelo apoio e pela questão pertinente que não deve ser esquecida.

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  7. Os politicos passam, o país vai ficar, em trapos, mas fica e é a nós que somos o país que nos cabe arregaçar as mangas e lutar até à última gota do nosso acreditar! Eu também olho por cima do ombro, sempre à espera que essa sombra (do desemprego) se abata sobre mim...lá em casa já só falto eu...
    Também já sonhei um dia, ser jornalista, o meu pai cortou-me as asas do sonho, não me deixou ir para Lisboa estudar "era o que faltava filha minha sair de casa para ir estudar". Assim a vida se fez por outro caminho. Ele cortou-me as asas, mas eu continuo a sonhar:)
    Tens de acreditar!

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    1. Eu acredito sempre e ando sempre de mangas arregaçadas (nem que seja porque passo o inverno quase todo de tshirt). Sou um lutador e ninguém me tira isso mas não há dia em que não pense: quando me calha a mim?

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  8. Se fosses só tu...
    Ai és jornalista? Muito me contas... sim senhor!

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  9. Não estás nada:) Mas percebo a tua preocupação e realmente só nos últimos dias ouviram-se notícias de fecho e cortes na tua área. Tenho uma amiga que trabalha em jornalismo na área de de tradução e ela dizia-me que a equipa dela já foi 9 pessoas e agora são 4 a fazer exactamente o mesmo ou mais trabalho! os turnos e as folgas são completamente alucinadas. E se pensarmos bem é o que está a acontecer em todo o país...os patrões cortam em RH e esperam que os que ficam façam o dobro ou o triplo!

    Resta-nos mesmo aguentar e continuar a lutar por aquilo que queremos. Tu para além de estares a trabalhar em algo que realmente te dá prazer, és também bom no que fazes. A forma como escreves aqui revela bem isso. E isso é o que conta:)

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    1. Obrigado Sunshine!

      Sei bem a realidade a que a tua amiga se refere.

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  10. Até agora eram os jornalistas/meios de comunicação que informavam sobre a situação laboral de diversas áreas e da precariedade que se vive já há algum tempo. Infelizmente, e dada a situação do país, o jornalismo começou a ser afectado e a ser notícia!

    Compreendo na perfeição o que dizes e sentes e só te posso dizer uma coisa: FORÇA! Sabes o teu valor e isso é que interessa.

    Há uma coisa que sempre me custou a perceber. Qualquer pessoa pode ser jornalista. Tu estudaste para isso. Sei que para ter carteira profissional é preciso ter primeiro a de estagiário. Um percurso normal, portanto.
    Mas, faz-me confusão que uma pessoa, desde que trabalhe dois anos (acho!) ininterruptamente com funções de jornalista, passa a ter direito à carteira profissional... Não me parece justo para quem estuda, muito sinceramente.

    ***

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    1. Obrigado pelas tuas palavras :)

      Essa situação que referes dá que pensar. Na realidade, passei quatro anos a estudar e existem jornalistas que não estudaram para tal. Não significa que sejam piores ou melhores do que eu mas sinto-me injustiçado por isso.

      A diferença é que antigamente havia espaço para todos, agora não há para quase ninguém.

      ***

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    2. Também não quis dizer que essas pessoas não são profissionais e que não sabem o que fazem. Acredito que haja bons e maus jornalistas. Com ou sem curso. Como em tudo!

      Lamento é que seja uma profissão que não é "protegida".
      E contra mim também falo, numa outra área, pois de há uns tempos para cá toda a gente é relações públicas! Aliás, o termo foi completamente banalizado.

      Resta-nos trabalhar e diferenciar dos demais :)

      ***

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    3. Percebo-te muito bem :)

      Obrigado pelo apoio e tens toda a razão. Diferenciar dos demais :)

      ***

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  11. Infelizmente estou a ver tb pessoas amigas/conhecidas a ficarem sem emprego no jornalismo.

    Como sabes tenho curso na área de Comunicação no qual tive jornalismo e ares de ciências empresariais. Na altura andava indecisa o que escolher pq adorava o jornalismo televisivo e a parte e marketing. Adorava andar na rua com microfone, câmeras, entrevistas e depois ir para estúdio e fazer a edição das peças. Mas vi que o jornalismo televisivo n estava ao alcance de todos e não me considerava uma das melhores. Depois do dilema entre escolher jornalismo e marketing,comunicação e relações públicas decidi pela última. Não me arrependo, embora o mundo do jornalismo me fascine e ter ainda alguns contactos no meio. Infelizmente já possuo além de licenciatura (um master) e muitos cursos extra-curriculares praticamente todos ligados à área que escolhi e sem emprego...

    E tb tenho um curso extra-curricular de jornalismo televisivo. ;)

    Vejo que a lei de Darwin vai ser novamente "colocada" em prática. Os mais aptos e "os melhores" serão escolhidos, não por seleção natural, mas por quem é mesmo bom.

    Ando triste com este país. Não vejo presente, quanto mais futuro...

    Bjinhos e vais conseguir o teu lugar, pq se nota que és um excelente jornalista. :)

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    1. É uma selecção de Darwin apertada ao máximo!

      Obrigado pelo apoio :)

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  12. Os meus amigos jornalistas estão receosos como tu.
    E eu um pouco receosa pelo meu canto também visto que também estou ligada à comunicação. Mas há-de correr bem! :) Vou manter-me optimista e fazer o mesmo com quem me rodeia.

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  13. Bem sei o que sentes pois sou casada com um jornalista, mas as mesmas palavras que uso para ele deixo-te também aqui.
    As pessoas irão sempre valorizar o verdadeiro jornalismo a verdadeira informação,e até pagar por isso, existe imensa informação grátis é verdade mas a maior parte dela é desinformação.
    E a reestruturação de empresas existe em todos os segmentos, não podemos deixar que isso nos retire a força de trabalhar de viver e continuar a lutar por aquilo que ainda acreditamos em (nós próprios).

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    1. Muito obrigado Marijix :)

      beijo e força ao teu marido.

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    2. Já sabes se precisares de algo é só dizer...

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  14. Infelizmente no contexto actual nao acontece so com os jornalistas mas como 95% dos profissionais em geral...Resta-nos continuar a lutar por um futuro melhor, ser-mos positivistas ( nao me enganei no termo ) e nunca pensarmos sequer em desistir.

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