Chegara o dia da viagem para Dublin. João estava pronto para viajar. Tinha pedido a Jorge para lhe dar boleia até ao Aeroporto da Portela. Como já esperava que fosse acontecer, tinha dúvida sobre a opção de viajar até à Irlanda. “O que vais fazer?”, perguntava a si mesmo. “Andas a dizer ás pessoas que precisas desta viagem e do descanso quando na verdade tens a secreta esperança de encontrar a Sophia”, respondia a si mesmo em voz alta, tal e qual como se fosse um diálogo com outra pessoa.
“Estás preparado para a desilusão de não encontrar ninguém? E se regressas de lá ainda mais triste e descrente do que partiste?”, insistia. “Que se lixe tudo isso. Pelo menos tentei algo”, respondia às vozes que ouvia na sua cabeça enquanto acabava de arrumar a mala. “Seja como for, o Jorge fez questão de pagar as viagens. Por isso, tenho de ir. Não existe espaço nem tempo para arrependimentos”, dizia. Até que o seu raciocínio foi interrompido pelo barulho do seu telemóvel. Era uma mensagem. “Estou á porta do teu prédio. Desce”, era o conteúdo da mensagem enviada pelo seu melhor amigo.
“Anda Bauer”, disse para chamar o buldogue francês, que reagiu como se fosse dar um passeio à rua. “Não vais à rua. Vais uns dias para casa do tio Jorge. Vais poder brincar com a Inês”, explicou ao cão como quem fala com uma criança. Sendo que nesse momento, Bauer mudou a sua postura, como se estivesse a perceber o que lhe ia acontecer. “Boas! Obrigado pela boleia até ao aeroporto”, disse a Jorge enquanto entrava no seu carro. “Não tens de agradecer”, respondeu.
“Só quero que me digas uma coisa. Tens a certeza disto?”, perguntou Jorge. “Mesmo que não tivesse já pagaste as viagens. Por isso, resta-me viajar”, gracejou João. “Não é pelo dinheiro. Até porque só se perde o de uma viagem. A outra ainda devolvem”, referiu Jorge com um ar mais sério. “Mas eu quero viajar. Vai fazer-me bem, mesmo sem saber o que vou encontrar. Preciso desta viagem e destes momentos a sós”, explicou João. “Estou convencido”, disse Jorge.
“Sobe o volume do rádio que adoro esta malha”, pediu João ao perceber que estava a começar a música Hold my Hand, de Jess Glynne. “Standing in a crowded room, and I can't see your face
Put your arms around me, tell me everything's ok. In my mind, I'm running round a cold and empty space. Just put your arms around me, tell me everything's ok”, cantarolava João. “Break my bones but you won't see me fall, oh. The rising tide will rise against them all, oh”, acrescentou num tom de voz diferente enquanto Jorge se ria com o espectáculo protagonizado pelo amigo.
“Estamos a chegar. Queres que pare o carro no parque e que vá contigo lá dentro?”, perguntou Jorge. “Esquece lá isso. Encostas e saio. Não quero uma despedida muito sentimental”, respondeu João. “Tu mandas”, disse Jorge, dirigindo-se para a zona de partidas. “Estás entregue”, acrescentou. “Obrigado por tudo. És o meu melhor amigo e nunca esquecerei o que tens feito por mim”, referiu João, dando um apertado e sentido abraço ao amigo. “Já não se fazem pessoas como tu”, disse. “Bauer, toma conta deste gajo”, afirmou, fazendo uma festa ao seu cão antes de sair do carro.
Ao entrar no aeroporto deparou-se com o monitor onde apareciam as partidas. O check-in para o seu voo estava aberto e começava no balcão 23. “Tanto número e tinha logo de começar num que é especial para mim. Gosto destas coincidências”, pensou. Chegado ao respectivo balcão deparou-se com uma pequena fila. “Porreiro. O avião não deve ter muitas pessoas”, foi a ideia que lhe veio à cabeça. Chegada a sua vez, tratou de tudo até que lhe foi feita uma pergunta. “Tem preferência por janela ou coxia?”, perguntou a hospedeira de terra. “Aquilo de que gosto mesmo são daqueles lugares onde dá para esticar as pernas. Depois disso, aprecio um lugar à janela”, respondeu, entre risos. “Vou ver o que consigo fazer”, respondeu a funcionária sem evitar um sorriso às palavras de João.
Quando recebeu o bilhete, olhou para o mesmo e notou que ia ficar na fila 23, lugar A. “Outro 23? Já começa a ser coincidência a mais”, pensou. João encaminhou-se para a zona das partidas. Mostrou o bilhete de avião e seguiu para a porte de embarque número 12, não sem antes parar numa das lojas para comprar dois pacotes de Skittles, algo que não dispensa nas viagens de avião. Isso e música. Enquanto se encaminhava para a porta pensava em duas coisas. Primeiro, que a porta de embarque fosse com manga de acesso ao avião pois detesta esperar pelos autocarros. A segunda, que não ficasse sentado perto de nenhuma mulher que o pudesse distrair.
Enquanto se encaminhava para a porta de embarque percebeu que o seu primeiro desejo estava concedido. Como tinha demorado algum tempo, quando lá chegou já o embarque tinha começado. Restava saber se o seu segundo desejo seria satisfeito. Mostrou novamente os documentos e encaminhou-se para o avião. “Olá!”, disse às hospedeiras que recebiam os passageiros, a quem mostrou o bilhete. “Fila 23, do seu lado direito”, disse-lhe. “Espero que não esteja lá ninguém ou que seja um homem a ficar perto de mim. Não quero distracções”, pensava e desejava com todas as suas forças. Até que chegou à sua fila. Onde, estava uma linda morena, sentada no lugar B da fila 23.