quando ofender é a solução

Ao longo das últimas horas multiplicaram-se os comentários e opiniões sobre o clássico do último Sábado. Para alguns dos que ganharam, a maneira de festejar a vitória passa por ofender quem foi derrotado. Para parte dos que perderam, a forma de esquecer a derrota passa por ofender que saiu vitorioso do encontro. Para outros, que nada têm a ver com o jogo e que têm a sua casa em pantanas, a forma de esquecer os problemas passa por ofender quem perdeu. Depois, existem aqueles que, independentemente da cor clubística defendem que a solução passa por ofender os jogadores, treinador e presidente derrotados com o tradicional cântico: “Joguem à bola. Palhaços, joguem à bola. Joguem à bola. Palhaços, joguem à bola.” Isto é um apanhado do que ouvi ao longo das últimas horas.

Para os latinos, o futebol será a modalidade desportiva onde é mais complicado, senão impossível, separar a razão da paixão. Mas, do meu ponto de vista, é fundamental ter capacidade para isso. Assumo que, quando era mais novo, não sabia fazer essa distinção. Discutia de forma patética e dizia as maiores barbaridades para ficar por cima de uma discussão em torno do futebol. Felizmente, com o passar dos anos, aprendi a separar as coisas. Continuo a ser maluco por futebol. Aliás, ninguém conhecerá uma pessoa que seja mais apaixonada por um clube do que sou pelo meu. Mas esta paixão tem de ter um limite racional. E escolher o caminho fácil em que se aponta o dedo e ofende é não saber separar as coisas.

A partir do momento em que ache justo que uma derrota se resolve com cânticos ofensivos tenho que aceitar que façam o mesmo comigo. Tenho que aceitar que, assim que cometa um erro, se juntem cinquenta pessoas à minha volta a cantar: “Faz o teu trabalho. Palhaço, faz o teu trabalho. Faz o teu trabalho, palhaço, faz o teu trabalho.” E se voltar a errar, essas mesmas pessoas atiram pedras ao meu carro. E se ainda falhar, partem para a agressão física. A partir do momento em que aceitar que isto é justo e correcto para os outros, tenho que aceitar ser alvo do mesmo tratamento. Ou será que isto só é válido para os outros?

O jogo de Sábado foi muito importante. Mas foi apenas mais um dia da vida de todas as pessoas. E o futebol acaba por espelhar os tempos em que vivemos. Porque, no momento da derrota, todos apontam o dedo. Todos falam mal. Todos apontam culpados. É tudo muito fácil. O complicado é aquilo que foi feito por algumas pessoas. Indivíduos que apesar de uma derrota que pode custar um campeonato, deslocaram-se ao Estádio da Luz para incentivar os jogadores que dali a poucas horas jogam uma final europeia. E este exemplo é o que acontece na vida. Todos se queixam de que nunca recebem palavras de incentivo nos seus empregos mas todos acham bem que se ofendam jogadores que, do seu ponto de vista falharam.

Esta é apenas a minha visão. E no que ao futebol diz respeito, tenho a minha forma de actuar. Entendo que, se um jogador falhar, terá de ajustar contas com o treinador. Se este falhar, terá de responder ao presidente. Se este também falhar, terá de dar justificações aos sócios. E se o clube falhar, cabe aos sócios mudar a situação. Deixando de pagar a mensalidade de sócio e votando em outro presidente.

Vivemos numa época de memórias curtas. Onde toda a gente tem a facilidade de falar mal do outro. Onde toda a gente adopta comportamentos incorrectos. Porém, tudo isto é válido na casa dos outros. Só os outros é que podem ser vítimas deste comportamento. Porque nós, que erramos o mesmo ou mais do que aqueles que ofendemos, somos superiores a esses comportamentos que achamos justos para os outros.E isto não é apenas no futebol. É em tudo na vida.