16.5.13

démodé and the new black


Ela estava sentada no chão. Encostada a uma parede. Com a roupa suja. Repleta de buracos. As unhas destacavam-se pelo negro. Parecia que tinha passado horas a cavar com as mãos. As mãos evidenciavam a ausência de qualquer tratamento ou uso regular de creme que as mantivessem com um ar sedoso e cuidado. Como devem ser as mãos de uma mulher. Estava também descalça. Os pés estavam ligeiramente cobertos por aquilo que em tempos foram umas meias e que agora parecem retalhos de tecido amontoados para impedir que o frio seja sentido com maior intensidade.

Porém, ela não pede esmola. Não tem um cartaz a pedir dinheiro, comida, trabalho ou o que quer que seja. E, apesar do ar pesado e destruído que carrega no rosto, não tem aspecto de alguém que vive na rua. Estranhamente, também não tem ar de quem desistiu de viver. Tudo isto, torna enigmático o facto de estar aparentemente abandonada a uma canto, numa rua suja, feia, húmida e onde o sol brilha apenas durante duas horas no período da manhã.

As pessoas passam. Reparam nela. Mas anda tudo a correr. E ninguém tem tempo para parar e perguntar o que faz ali. Os motivos que a impedem de pedir ajuda. Porque não diz uma palavra. Ou mesmo aquilo que a impede de levantar-se e seguir o seu caminho. Até que ele se aproxima. Ao contrário dos outros, ele volta para trás. Apesar da sujidade que lhe cobre o rosto, ele sabe que a conhece de algum lado. Depois de passar por ela, volta. Baixa-se. Olha atentamente para o seu rosto. “Conheço-te”, diz-lhe.

Mas ela não reage. Nem sequer levanta os olhos para o fitar. “Já tivemos algo. Não te lembras?”, pergunta-lhe. Porém, ela mantém-se imóvel. “Eu sabia que este dia ia chegar”, refere com orgulho. Depois destas palavras que não foram mais do que um monólogo, ele começa a rir-se na cara dela. Aponta-lhe o dedo enquanto solta sonoras gargalhadas. Por sua vez, ela mantém-se na mesma posição. Chega a parecer uma estátua.

“Eu disse-te que este dia ia chegar”, insiste. “Tu já eras. E dá-me prazer ver-te nesse estado”, prossegue. “Estás démodé. Passaste de moda. Já ninguém quer saber de ti. Por isso é que estás aí abandonada”, diz. Sem obter resposta da parte dela, continua a sua conversa. “Sei que não vais perguntar como estou. Sei que não vais olhar para mim para perceber que triunfei mas não precisas de o fazer. Estares aí nesse estado faz com que perceba que sabes que estou bem. Sabes que sou a nova tendência da moda. Que sou o novo preto e que todos me desejam”, conclui.

Depois destas palavras, ele seguiu caminho. Triunfante e de peito aberto. Como se fosse o senhor do mundo. Quanto a ela, ficou ali caída. Não por falta de forças. Mas porque espera pelo momento certo para se reerguer. E acredita que esse momento irá chegar. Até lá, permanecerá assim. Imóvel. Enquanto, lamentavelmente, vê aquele homem triunfar. Sem que nada possa fazer para o derrotar. Só falta dizer quem ela é. Diz que em tempos foi a mais bonita do mundo. Era muito desejada. E o seu nome é amizade. Já ele, é uma nova moda. Como tal, existem milhões por aí espalhados. E tem o nome de interesse.

34 comentários:

  1. Permites-me dizer uma asneira no teu blog? :$ só uma...

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  2. GRANDE TEXTO!!!
    Tens o dom da escrita :)

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    1. Isso é um grande exagero mas fico feliz por gostares :) É um grande selo de qualidade.

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    2. O que eu falava há dias: o dom da escrita! (tu tens)

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  3. Que bem que tu escreves...limpo, certeiro e verdadeiro ! sou tua fã ( já te tinha dito..) vais longe miúdo !! beijos

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    1. Que exagero. Nem sei que te diga. És minha amiga que isso do fã soa a esquisito :)

      Vou longe todos os dias pois faço por norma 80 quilómetros de carro ;)

      beijos

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  4. Fuodasse HsB...Lindo pah!! ;)

    Ate mereces um beijinho...

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  5. este tema é muito recorrente no teu blogue! só por curiosidade, isso é pq a ti te aparecem mts "falsos amigos" ou pq essa atitude te incomoda mesmo muito?

    gostei muito do texto...boa escrita a tua! =)

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    1. Vou ser sincero contigo. É um tema que mexe muito comigo porque entendo que a amizade entre duas pessoas é o mais belo que pode existir. Além disso, sou uma pessoa que por natureza confia em quem se aproxima. Nas pessoas que nos abordam e que metem conversa connosco. Mais tarde, algumas dessas pessoas acabam por se tornar amigas por uma série de factores comuns às vidas de todos. E nós vamos acreditando nelas.

      Até que descobrimos a sua verdadeira essência e aquilo que são. Isso tem acontecido com algumas pessoas muito próximas de mim. Fico de rastos com isso mas aprendi a cortar o mal pela raiz. E excluo essas pessoas da minha vida. Simples.

      Obrigado MartaM. Espero ter sido claro.

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  6. Nem sei o que hei-de dizer.Estou estupefacta com este texto delicioso com que nos brindaste.
    Estás cansado de saber o que penso acerca deste assunto, e não mudo uma vírgula.
    AMIZADE é para mim a palavra que mais me diz, e à qual eu dou mais valor!
    És grande e nunca deixes que ng te diga o contrário.
    Beijooooooooo

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    1. Obrigado pelas tuas palavras Patrícia. Muito obrigado :)

      Amizade é o sentimento mais belo de todos. É a pedra basilar da vida de cada um de nós. É a amizade que sustenta tudo.

      Obrigado :)

      beijos

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  7. Excelente texto.
    E também eu estou démodé, porque valorizo a amizade acima de tudo

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    1. Obrigado Roger.

      Prefiro sentar-me ao lado dela na rua do que andar ao lado dele.

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  8. Adorei. que bom. A sério. Quanto ao interesse, infelizmente, é mesmo o que está na moda, a amizade está a perder-se.

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    1. Ainda bem :)

      O interesse é uma moda. Mas só a segue quem quer. E isso diz muito das pessoas.

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  9. Muito bom!
    A verdade pura e crua, infelizmente.

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  10. Eu gostei e identifiquei-me com o texto.

    Infelizmente, eu já tive amigos interesseiros... Claro que quando abri os olhos e vi a realidade, mandei-os à m***a!!! Mas entretanto senti-me (e fui) usada e não me agradou nada.

    Mas os tempos actuais são tempos de falta de valores... :-(

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    1. Então sabes aquilo que sinto. Mas acredita que aprendi a que essas pessoas pouco ou nada interfiram na minha vida.

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  11. Aqui, pouquinhos mas bons, que os outros não os quero! :)

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  12. Muito bom... :)

    É pena que muitos optem pelo interesse em detrimento da amizade... Na minha opinião, amizades verdadeiras já não existem... Talvez tenha sido demasiadas vezes decepcionada e tenha esta visão mais pessimista. Tenho muitos colegas e conhecidos... Só isso...
    Parabéns mais uma vez pelo texto...

    Beijinho
    Mariana

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    1. Eu acredito que existem. Por isso é que as valorizo tanto. Mas cada vez mais existem pessoas interesseiras.

      Obrigado Mariana
      beijos

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