Quando quero escrever sobre futebol, sobre o meu futebol e aquilo que vivi enquanto corria atrás de uma bola, temo sempre que não exista nada para contar. Mas, basta pensar no tema e surgem na minha cabeça dezenas de histórias novas que me marcaram ao longo dos anos. Acho que é uma consequência natural de algo que marcou (e ainda marca) a minha vida.
assassino e amigo
No final de um jogo contra o Sesimbra fui ameaçado de morte por um jogador. Isto, num Sábado à tarde. Nessa noite fui à Bolina, a discoteca mais afamada de Sesimbra. No meio da diversão cruzei-me precisamente com o rapaz que tinha revelado o desejo de acabar com a minha vida. “Tu aqui?”, disse-me. “Se quisesse, não saías daqui”, acrescentou. Porém, o rapaz acabou por se revelar uma pessoa diferente daquilo que era dentro de campo e desde então somos bons amigos.
pan pan, quejo quejo
Tenho boas recordações da maior parte dos treinadores com quem trabalhei. Mas, destaco o Mister Martins. Por ter sido um dos primeiros. Por me ter colocado a defesa-central, posição que me valeu os melhores momentos da carreira e por ser muito castiço. O homem gritava que se fartava. Estava sempre de pé no banco e dava gritos que acordavam a aldeia de Paio Pires e arredores. Aliás, aposto que se ele gritasse agora, qualquer pessoa ia ouvir a sua voz. Além disso, usava uma expressão que nunca mais esqueci. “Cómigo, é assim! Pan Pan, quejo quejo. Quér, quér, nã quér, nã quér” (Escrevo assim para passar a entoação das suas palavras da melhor forma possível). Gostava muito deste homem, até porque não gosto de treinadores que estão no banco calados o jogo inteiro.
a bela cigana
Em todas as equipas existe um grito que é proferido por todos antes de se entrar em campo. Uns mais elaborados, outros mais simples mas cada um com o seu significado. No meu último clube, tive um dos gritos mais especiais, que se seguia às palavras de incentivo de um dos capitães de equipa. Todavia, além disto, existia a bela cigana. Era uma música que falava de uma bela cigana. Esta tocava sempre antes dos jogos. Nessa altura cantava-se, dançava-se e batia-se palmas. Acima de tudo, servia de motivação para o jogo. Tenho pena que nunca tenha sido filmado. Era um momento delicioso.
avaria na noite
Nas camadas jovens é muito raro jogar de noite. A mim, aconteceu uma vez, quando estava no Paio Pires. O jogo contra o Sesimbra, na vila piscatória, foi interrompido por causa da chuva. Faltava cerca de meia hora para acabar o jogo e por decisão da Associação de Setúbal tivemos que ir a Sesimbra, durante a semana e à noite, jogar o tempo que faltava. Isto, quando tinha 13 anos. Jogámos e no final do jogo começou a chover como se o mundo fosse acabar. No regresso, quase à saída do estádio, numa subida íngreme, a carrinha avariou no meio da estrada. Como se isso não bastasse, os pára brisas ganharam vida própria. Cada um funcionava para o seu lado até que foram literalmente cuspidos da carrinha.
a teoria da porrada
Tive o prazer de jogar com duas pessoas maravilhosas em clubes diferentes. Curiosamente, um era tio do outro. Quando joguei com o tio, no Beira Mar de Almada, ele já tinha 40 anos. Antes do jogo começar, dizia-nos sempre o mesmo. “Pessoal, nos primeiros quinze minutos é para dar nas pernas deles. Sempre! Isto é o distrital e os árbitros só avisam nos primeiros minutos de jogo. Nunca dão cartão e assim eles ficam com medo de nós.” Esta era a teoria da porrada. E devo confessar que está certa.
queimar alguém
Uma das coisas mais fáceis de fazer no futebol é “queimar” um jogador de quem não se gosta ou mesmo um treinador. E vivi isso em vários clubes. Quanto aos jogadores, é muito fácil. Basta o núcleo duro da equipa não gostar dele. Depois, é fazer com que jogue sempre mal. Como? Passando-lhe mal a bola, de forma que aparentemente a culpa seja dele. Parece complicado mas é fácil. Quanto ao treinador, é ainda mais fácil. Basta que a equipa não goste dele. Em menos de um mês é corrido da equipa. Vi vários jogadores serem queimados sem conseguir fazer nada para os ajudar e vi vários treinadores serem afastados por culpa dos jogadores. Uns sem mérito nenhum para treinar e outro, uma pessoa muito especial que não merecia o que lhe fizeram.
o maluco da preparação física
Em alguns anos tive direito a preparador físico na equipa técnica. Na maior parte das vezes é o treinador que faz tudo. Foi no Amora e o homem era louco. No aquecimento antes do jogo deixava a equipa de rastos. O treinador começava aos gritos a dizer que os jogadores tinham de recolher ao balneário para a última palestra e ele queria mais dez sprints! Era um louco.
treinador igual ao computador
No Beira Mar de Almada apanhei um dos piores treinadores de sempre. Aliás, foi por causa dele que decidi deixar de jogar durante alguns anos. Era mesmo mau e não percebia nada daquilo. A equipa perdia quase sempre porque ele deixava os melhores jogadores de fora para colocar os amigos dele a jogar. Num dos jogos, um colega meu estava a meu lado no banco. Estavamos a perder e ele diz ao treinador: “Até eu, a jogar no manager do pc já tinha feito substituições!”
a dança dos números
Quando era novo não existiam tantos números como hoje. Jogava-se de 1 a 11. Era sempre assim. Como as equipas não se conheciam, era normal achar que o 2 era defesa-direito. O 4 central e o 9 ponta-de-lança. Contudo, tinha um treinador que trocava os números todos. Um defesa podia jogar com o 9 e um avançado com o 2. Tinha piada ver o ar de espanto da equipa adversária nos primeiros minutos de jogo.
Ficava horas a escrever as memórias que vão aparecendo na minha cabeça à medida que revelo mais um episódio.
Vai escrevendo. Vai postando. Quando chegares ao "o meu mundo redondo e feito de gomos #5000" pode ser que já tenhas menos memórias :)
ResponderEliminarEra bom sinal que assim fosse :)
EliminarPois...o Paulo Bento foi "queimado" assim...
ResponderEliminarHá tantos casos desses!
Eliminar"e desde então somos bons amigos". Foi por isto que esperei? Really? Nem umas palavras menos simpáticas??? Toda a gente sabe que o povo português é dado à tragédia.
ResponderEliminarhttp://alguemquemecale.blogspot.pt/
Ele voltou a ameaçar-me mas depois acalmou, para meu bem :)
EliminarSeria melhor que no teu mundo existissem era GNOMOS!!!
ResponderEliminarE existem alguns!
EliminarGosto muito:) Continua a contar-nos mais sobre esse teu mundo redondo e feito de gomos:)
ResponderEliminarObrigado Sunshine :)
EliminarMais uma vez um gozo "ouvir-te" contar estas e outras "estórias". Ao ler recordei-me de algo que nunca percebi muito bem. Num outro comentário referi que acompanhei sempre o meu filho nas camadas jovens e uma coisa que me deixava "chumbada" nos jogos era ouvir pais a insultarem os miúdos e muitas vezes a incentivarem a violência no campo. O meu filho participou no MUPC em 2006 (o Boavista foi apurado em Lisboa e em Praga tendo ido ao torneio final em Manchester) e pude assistir à final em Old Trafford que se disputou entre o Arsenal e o Chivas de Guadalajara. Foi um jogo limpo, cordial, cheio de fair play e bonito de se ver. Ganhou o Chivas e foi uma festa de todos. Assim fosse sempre.
ResponderEliminarUm beijo
Alexandra Anjos