As novas medidas de austeridade têm dois efeitos em mim. O primeiro, e imediato, resume-se às contas de matemática (sobretudo de subtrair) que começo logo a fazer. Quanto dinheiro vou ter a menos no final do mês (e do ano) e o efeito dessa mesma quebra no meu orçamento. Após as contas monetárias, dou por mim a pensar no impacto que as mesmas têm nos meus planos de vida. Nesse momento, a tristeza apodera-se de mim, em grande parte por não ter qualquer esperança num futuro melhor e em coisas tão simples como a aquisição de uma casa, algo que sempre desejei, para dar apenas um exemplo.
O outro efeito da austeridade é deixar-me a pensar no meu percurso de vida e nas opções tomadas em grande parte dela. Começando pelo curso. Comunicação Social não foi a minha primeira opção. Pretendia seguir desporto mas não fui a tempo de efectuar as provas físicas. Não querendo ficar um ano parado, optei por algo que também gostava, e que hoje amo incondicionalmente: a comunicação, o dever de informar e a força das palavras. Tal como no desporto, a escolha da comunicação foi passional e não económica ou ainda tendo como base o sucesso profissional das últimas fornadas de alunos.
Foi assim que fui ensinado. Foi assim que decidi e voltaria a fazer o mesmo. Sabia que, independentemente da minha escolha, o mercado seria complicado e teria que lutar muito por uma vaga profissional. Foi o que fiz e, felizmente, antes de terminar a vida académica já estava a estagiar, acabando por ser contratado.
Apesar da vida académica ter corrido bem, há algo em que penso bastante quando a austeridade aperta. No meu segundo ano de curso (se não estou enganado) surgiu uma hipótese de emprego em Angola. Um salário elevado (muitas centenas de contos), casa, motorista e comida. Hesitei, como julgo que qualquer pessoa hesitaria. Ponderei. Muito. Só que, nessa altura acreditei no meu país e naquilo que estava a construir para mim. Esqueci a proposta, e não fosse o governo que tenho, raramente pensaria ter sido estúpido por recusar uma oferta bastante aliciante.
Além da vida académica, a austeridade faz-me pensar nos empregos que tive antes e durante a vida estudantil, e naquele que tenho hoje. Trabalhar desde cedo - mais ou menos desde os 15 anos - fez com que conhecesse diversos mercados profissionais. Quando o cinto aperta, dou por mim a pensar em alguns deles. Durante umas férias de Verão, fui carteiro interno do Aeroporto de Lisboa. Nessa altura tive dois horários, um em que acabava o meu turno às 23 horas e outro em que trabalhava toda a noite. Posso dizer que, nessa altura ganhava - comparativamente - melhor do que nos dias de hoje. E refiro-me ao ordenado a trabalhar até às 23 pois um mês a trabalhar de noite quase que duplicava o salário.
Além deste emprego, recordo-me dos tempos em que vendi roupa em duas lojas: uma de uma marca e outra, de diversas marcas, ambas do mesmo patrão. É verdade que este tipo de emprego faz com que se trabalhe ao fim-de-semana (só tinha um em casa mês e meio) mas, na altura compensava. Além de fazer algo que adorava - vestir uma pessoa que tem dificuldade em encontrar modelos adequados é uma sensação muito boa - tinha prémios individuais e colectivos para as vendas. Mais uma vez, o ordenado era melhor do que nos dias de hoje.
O que me deixa.... diria que triste mais do que irritado é que em ambos os empregos, não era necessária qualquer competência académica. Estudava, mas não era formado. Existia motivação nos empregos e esperança num futuro melhor, após largos anos dedicados aos livros. Tudo não passou de uma ilusão e aquilo que verifico actualmente é que vive-se a chamada geração mil euros. As pessoas passa parte da vida a estudar com o objectivo de ganhar apenas mil euros por mês.
É certo, e sei bem disso, que uma boa parte dos portugueses nem este valor leva para casa, mas a verdade é que mil euros é um ordenado de merda, e peço desculpa pelo termo mas não tenho outro para aplicar. Comparativamente aos ordenados que recebi quando tinha 17, 18 e 20 anos, os valores praticados hoje em dia são muito, mas mesmo, muito baixos. E, mais uma vez, não se vislumbra uma esperança de que estas medidas ou o estilo de vida que obrigam os portugueses a seguir, sejam temporárias. Tem sido assim, está a ser assim e será, provavelmente, ainda pior.
Apesar de tudo isto, olho para o meu passado, para as conversas em família, e tenho orgulho nas minhas decisões. Se voltasse atrás, faria tudo igual. Porque podem tirar-me dinheiro, podem aumentar impostos e até matar a esperança que vive em mim mas mudar aquilo que sou... lamento, nunca vão conseguir.
Nem de propósito estava a falar com um grande amigo meu sobre isto. A injustiça. Tenho 32 anos, estou prestes a terminar um curso superior no qual entrei há 4 anos. Foi opção minha. Comecei a trabalhar com 18 anos, a estudar em simultâneo. Já fiz ene coisas das quais me orgulho. Todas elas me ensinaram e em nenhuma delas precisei de um curso superior. Hoje ganho menos do que ganhava há anos atrás. Bem menos. E sinto uma vergonha imensa pelo que nos estão a fazer. Eu sou daquelas a que não posso fugir a nada. E gostei imenso da tua frase, podem tirar-nos tudo, inclusivé matar-nos a esperança, mas a nossa essência essa ninguém nos poderá levar.
ResponderEliminarTenho a certeza absoluta de que, enquanto não se der uma desgraça daquelas bem grandes, tudo permanecerá praticamente inalterado. Chamem-me os nomes que quiserem, mas enquanto não se cortar naquilo que é realmente supérfluo, nada fará a considerável diferença.
E olha, já me alarguei nas palavras, mas ando realmente revoltada com isto. E fico muito triste que as pessoas que têm Voz, tratem assim as nossas pessoas. Aquelas que arregaçam mangas, porque continua a haver por aí muita gente que não sabe dar valor a nada. Os papás proporcionaram tudo e se começarem a trabalhar antes dos 30 é uma sorte.
Acabem com os cargos de assessoria, carros de serviço e tudo o que está inerente, vejam bem os largos milhares que poupam...
Se isto não mudar, os jovens vão começar a fugir de Portugal por não terem outra opção...
EliminarConcordo com tudo o que escreveste.
ResponderEliminarÉ realmente muito triste e todos os dias penso se não será melhor sair daqui enquanto é tempo.
Neste momento, acho que a uma oferta aliciante lá fora, nem pensava 2 vezes.
A vida precária e o salário dos portugueses não tem fim à vista!
http://mefrancesca.blogspot.com
O pior é isso mesmo... não haver uma luz ao fundo do túnel.
EliminarSó há luz ao fundo do túnel se for de dia... xD
EliminarPS: Com tanta merd@ a acontecer-nos, resta-nos o bom humor para lutar contra as vicissitudes que aí virão.
Que o humor não nos falte :)
EliminarQuando terminei o curso tambem tive uma proposta para Angola, ponderei seriamente ir, não pela diferença salarial mas pelo desafio de entrar numa economia com tantas potencialidades, numa sociedade com tanto para fazer.
ResponderEliminarEste ano voltou a surgir a oportunidade, escrevias há dias sobre o que o mês de setembro significa, é bem provável que o meu Novembro seja marcado pela mudança de continente.
O curioso é que quando equacionei a primeira vez, todos diziam ser louca. Agora quando comento com amigos quase todos perguntam se não sei de uma vaga para eles...
Conheço muita gente que está a tentar a sorte em Angola e noutros mercados do género.
EliminarQuero fugir daquiiiiiiiiiiiii!
ResponderEliminarEu estou tentado a fazer o mesmo!
EliminarNão consigo ver um fim a esta situação, e muito honestamente não sei até onde é que isto vai e nem como vai parar.
ResponderEliminarTambém temo não poder ter projectos e todos os meses ter de contar tostões, mas o que me causa ira é pensar que para estes senhores andarem a viver como se não houvesse crise, tantas familias estão em desespero já!
O Pedro, no facebook, dizia que também era pai mas estava apenas a gozar com os portugueses. Como se os filhos dele estivessem a passar alguma dificuldade. Irrita-me que falem como se fossem uns coitadinhos afectados pela crise quando, na realidade, crise é algo que desconhecem. A crise deles mede-se apenas e só pelo número de votos que perdem e pelo medo de não ter o Orçamento de Estado aprovado.
EliminarQual é a crise dele....Ele está a fazer o papel de político!!..queixa-se para o povinho aguentar!!Que hipocrisia!! Que raiva!!:(
EliminarJá nem tenho palavras para um homem que se esconde nas atitudes que toma querendo parecer o homem mais forte do mundo...
EliminarUi, nem me fales... Eu, se pudesse voltar atrás, faria tudo completamente diferente... Mas tudo mesmo!
ResponderEliminarEu mantinha as decisões :)
EliminarConcordo que 1000 eur/mês é uma grandessissima merd*.
ResponderEliminarMas é o "ordenado de sonho" desta geração :(
EliminarO pior mesmo é conhecer muitos pais de familia que perderam o emprego e tendo cerca de 40-45 anos já não conseguem emprego lá fora.. também está dificil para os mais novos !!!
ResponderEliminarCusta-me tanto dizer isto, deixar de ter esperança no meu País!!!. Pensar que todos os que partiam o faziam temporariamente e afinal já nem conseguem sair!!!
Tem de haver forma de enviesar esta situação .. cortar, cortar ordenados em prol de nada, não consigo ficar passiva!!:((
Esse é outro grande problema actual. Uma pessoa com quarenta anos começa a ser velha para ser contratada :(
EliminarBelo texto!
ResponderEliminarDá que pensar ... Por cá é o do costume: os boys e os outros, mas em Espanha ainda é pior e, parece-me que esses tempos nunca mais voltarão, qualquer que seja o país da Europa.
Isto não quer dizer cruzar os braços - é mais pensar "o que é que eu posso fazer para mudar esta situação?".
E acreditar.
Acreditar em quê abre.latas? talvez possamos contestar não? mostrar a força de um povo contra aquilo que não está bem!!
Eliminaro seu nome é abre.letras desculpe o engano..
EliminarUma coisa é certa, ninguém consegue fazer com que deixe de acreditar em mim e naquilo que consigo e quero fazer. Nenhum governo vai fazer-me pensar que o problema é meu. Isso, nunca!
EliminarTudo bem - tb abro umas latas de vez em quando:)
EliminarAcreditar em nós claro!! Mas também perceber que a culpa não está na Troika: estará talvez na "nacional porreirice" que ajudou a eleger e reeleger sempre os mesmos vezes sem conta...
Isto está mesmo complicado! E uma pessoa tenta contrariar o mau estar e pessimismo, mas acho que chegamos a um ponto de saturação! Em 2 anos vi basicamente reduzir o meu poder de compra de uma forma que sei que dificilmente voltarei a recuperar...corte mensal no salário, -2 subsidios, aumento IVA, etc etc....mas uma pessoa vai dizendo, enquanto temos emprego nada mal! mas que apetece fugir apetece! Enfim...
ResponderEliminarO pior é que ainda não batemos no fundo...
EliminarRevejo-me no teu texto.
ResponderEliminarComecei desde muito cedo a trabalhar nas férias, ajudar cunhado e irmã (parte de vendas), trabalhei em loja de roupa de marca, fazia ponto cruz para vender, fazia embrulhos no Natal no "Continente", trabalhei num café... E sei que o dinheiro dava para tudo e conseguia comprar imensas coisas, também com a ajuda dos meus pais, apesar de o meu pai ter parado de trabalhar aos 44 anos por doença. Mas sempre lutei para ter o pretendia.
Licenciei-me, tirei vários cursos extra-curriculares para um dia ter futuro, possuo pós-graduação, possuo experiência em vários ramos e encontro-me desempregada e sem saber o que fazer. Não sei o que é subsídio de férias, já trabalhei e não me pagaram... Não sei o q são ordenados de 1000€.
Trabalhei desde nova, investi em estudos, tenho experiência profissional, estou cansada de tantas entrevistas.
Queria ajudar o meu país crescer, porque sou uma pessoa capacitada para trabalhar. Mas com as medidas que querem tomar, não me interessa ficar em Portugal. Custa muito dizer isto, mas se puder saio... E onde penso ir, é mesmo Brasil. A Europa não se vai erguer tão depressa...
Compreendo o que dizes. E, como já tenho dito, as pessoas vão começar a sair de Portugal. E quem tiver uma boa oportunidade, só tem que a aproveitar.
EliminarÉ o que sinto...
ResponderEliminartotalmente de acordo
ResponderEliminare quando olho para os meus pais (pessoas com empregos normalíssimos, classe média), penso que jamais conseguirei atingir o valor dos salários deles. E agora que já estão reformados, nem pensar na possibilidade de algum dia ter sequer direito a uma reforma digna :S
e depois, a tendência devia ser no sentido de as pessoas irem melhorando as suas vidas: os filhos irem tendo melhores condições que os pais tiveram, mas não, é uma total inversão...
xo
MJ
Muito triste...
EliminarEstou na mesma situação.
ResponderEliminarÉ muito fácil dizer que se houver uma oportunidade é ir embora….
ResponderEliminarAs coisas não são assim tão lineares, se aqui está mau lá fora não está melhor, aqui ainda és Português para o bem ou mal, lá fora és estrangeiro e és tratado como tal.
Depois não é só o dinheiro que conta existem outras coisas no meu caso existe a minha família, o meu pai a minha mãe, a minha filha eu ia-me embora e ia deixa-los, eles não estão mais novos e deixa-los agora era abandonar o melhor que eu tenho.
Assim estaremos juntos para o que vier.
O meu pai têm uma frase sábia que usa nestas situações “Há-de faltar primeiro a boca do que a sopa”
Ir embora para mim não é solução.
Sinto uma profunda desilusão....
Sou sincero, se estou em Portugal é por ser ligado à família. Essa é a razão.
EliminarGosto muito deste texto! Mostra muita coisa mas, quanto a mim, que tenho apenas 20 anos, fez-me pensar no quão estou a ser "roubada", em qualquer dos aspectos da vida. Sinto que me estão a roubar a juventude, a altura da vida em que é suposto aproveitarmos ao máximo, em que devemos passear, estar com os amigos, sair, ir aos bares, às discotecas, fazer férias... Não há carteira que suporte isto. Mesmo pensando no futuro - que não imagino que seja melhor nos próximos 18238910 anos - sinto que não vamos poder fazer a vida com que sempre sonhámos. Eu já nem digo uma grande casa, um bom carro ou férias no Dubai. Mas ter um bom trabalho, concretizar 5 anos de um curso numa profissão recompensadora e grata. Ter filhos! É tão triste pensar isto tudo... Que impotência. Mas, no meu caso, nada me prende aqui...
ResponderEliminarSei bem o que sentes. Luta pela tua felicidade!
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