20.1.14

esse estranho culto do mau

Existem pessoas que têm por hábito criticar aquilo que consideram ser a existência excessiva de centros comerciais. “Antigamente é que era bom, quando as compras eram feitas no comércio de rua. Aí é que eu gostava de fazer compras”, dizem. Cerca de dez minutos depois, estas mesmas pessoas são aquelas que dizem algo do género: “Tenho de ir comprar uma coisa. Vens comigo ao shopping?”

Depois, existem aquelas pessoas que são contra os conteúdos televisivos, que consideram ser um verdadeiro lixo. “A televisão só dá porcaria. Tenho saudades daqueles tempos em que não existiam reality shows e em que davam programas bons em horário nobre na televisão”, referem. Minutos mais tarde, estas mesmas pessoas são aquelas que perguntam algo do género: “Viste a Casa dos Segredos ontem? Aquelas duas a discutirem e a chamarem cabra uma à outra. Estava a ver que andavam à porrada uma com a outra.”

E, para dar apenas mais um exemplo, existem aquelas pessoas que criticam todo o tipo de leitura que está ao seu alcance. “Tenho saudades de escrita da boa. Agora, toda a gente escreve mas ninguém tem jeito para o fazer. Toda a gente lança livros que não prestam, os jornais são maus e os blogues ainda piores. Não se aproveita nada”, dizem. Estas pessoas são aquelas que, quando revelam os seus hábitos de leitura, dizem coisas do género: “Adoro ler aquele jornal que só tem escândalos da capa até à página 23 e que parece ser escrito com os pés”, “estou viciado(a) naquele livro do gajo(a) que nem sabe escrever mas que incrivelmente lançou um livro” e “não passo um dia sem ler aquele blogue que não tem conteúdos nenhuns de jeito.”

Podia dar mais exemplos mas fico-me por estes três. Acho que chegam para espelhar bem esse estranho culto do mau que existe nos dias que correm. As boas lojas de rua não deixaram de existir. Estão no sítio do costume, com o horário de sempre. Basta ir lá caso os centros comerciais sejam maus demais. A televisão tem cada vez mais canais. Alguns deles – e aqui depende do gosto de cada um – passam programas muito bons. Basta pegar no comando e seleccionar o canal desejado. Estão disponíveis, em formato papel ou na edição online, jornais muito bem escritos e com notícias que interessam (mais uma vez, isto depende dos interesses de cada um). Tal como existem livros muito bons. E o mesmo se aplica aos blogues e a tantas outras coisas. As boas opções estão ao alcance de todos. Basta querer. E isso é que parece ser o grande problema.

É mais fácil criticar e detestar tudo aquilo que nos rodeia, na esperança de que, ao ver mal em tudo para onde olhamos, isso faça de nós pessoas diferentes e superiores. Querer que o mundo mude, que volte ao antigamente, sem ter que fazer uma mudança é uma missão um pouco complicada. Para não dizer impossível. Se tanto criticamos mas acabamos por fazer aquilo que detestamos, isso não quererá dizer que os nossos gostos pessoais são duvidosos? Não quererá dizer que algo está errado connosco? É tão fácil ceder ao culto do mau como ao culto do bom. É uma questão de opção. Nada mais simples do que isso.

8 comentários:

  1. Tanta razão que tu tens... afinal a escolha é nossa!

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    1. Nada mais simples do que optar pelo que consideramos ser bom.

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  2. Como sempre, muito bom!
    Tenho um shopping aqui a 2m de casa e passam-se meses que não entro num. Sou pelo comércio tradicional e vou ao comércio tradicional. :) Programas de TV, realmente o que não falta por aí são escolhas. Vi o primeiro big brother do principio ao fim, achei o máximo, comecei a ver o 2º mas desisti porque perdeu a piada, deixou de ser "natural?". Livros, ultimamente até tenho lido alguns bons, a meu ver, outros de índole duvidosa, o que está na mesa de cabeceira neste momento é "Mourinho, a descoberta guiada", por Luis Lourenço. E pronto já mandei o meu "bitaite". Acho que faço parte do culto do bom, não?

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    1. O culto do bom é pessoal. O que me faz confusão, porque não percebo, é o culto do mal. Pessoalmente, gosto das tuas opções.

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  3. De facto irritam-me as pessoas que só estão bem a criticar. Infelizmente conheço algumas. Assim de repente lembro-me de duas para quem nunca há música boa, nunca há filmes bons, para quem o futebol estupidifica as pessoas, etc etc. Mas pronto, lá têm os seus gostos pessoais. O que mais me irrita é criticarem (de forma pouco bonita e elegante) quem discorda deles e tentarem impingir as suas cenas...

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    1. Também podia ter dado o exemplo da música. Falam mal mas estão sempre de volta daquilo que entendem ser mau. Será que afinal é bom?

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  4. As pessoas já não estão habituadas a duas coisas: estar bem e falar bem de algo. Se calhar é um ciclo vicioso: as pessoas estão mal (porque nunca estão bem, é dado adquirido no nosso país) e por isso mais vale falar do que está mal. Mas como tudo está mal, elas ficam mal também.
    O que interessa é ser consciente. Saber que todo o resto do mundo está mal e que temos a capacidade fantástica de criticar negativamente tudo o que nos aparece à frente. Procurar coisas boas dá demasiado trabalho... e estamos todos demasiado cansados para isso porque estamos todos mal.

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    1. Mas a verdade é que muitos estão mal e rodeiam-se do mau porque assim o desejam. Depois fingem ter saudades do que é bom quando só procuram aquilo que definem como mau.

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