9.9.13

is this love?

Ele é apenas um ano mais velho do que ela. Os pais de ambos eram amigos. Viviam na mesma rua. Até era frequente combinarem os mais diferentes planos em cada uma das casas. Isto aproximou-os ainda mais. Era normal andarem sempre juntos. Ele fazia parte das brincadeiras dela e das suas amigas. E ela era muitas vezes protagonista das brincadeiras dele e dos seus amigos. O que ela gostava de participar nos jogos de futebol de rua onde chegava a destacar-se mais do que qualquer rapaz. Tal como ele tinha jeito para brincar às casinhas. Apesar de preferir não o fazer.

Os anos iam passando. E eles sempre juntos. As amizades iam mudando com o tempo mas a deles permanecia igual. Como se fosse algo de nascença que ninguém conseguiria alterar. Até que chegou a altura dela ir para a escola. A mesma onde ele já andava. Nessa altura passavam o tempo livre sempre juntos. Com o passar dos anos e baralhados com as conversas que ouviam dos adultos, diziam-se namorados. Era habitual vê-lo desenhar um coração no braço, com a caneta vermelha. Tentava copiar aqueles que via nos braços dos homens sem perceber que tinham sido feitos durante uma guerra. Já ela, gostava de desenhar na mão, com a caneta dele, o símbolo do infinito. Algo que facilmente aprendeu em casa, por ser igual ao número oito mas deitado. Desconheciam o que era amor. Mas diziam sentir isso um pelo outro. Não sabiam o significado de paixão. Mas juravam estar apaixonados um pelo outro. Não conseguiam perspectivar um futuro a dez anos mas garantiam que estariam eternamente juntos. Diziam que aquilo que sentiam era tão especial que até chegavam a trocar alguns beijos que duravam centésimos de segundo e que terminavam de forma tímida e envergonhada.

Os anos continuavam a passar. Ele ia mudando. Não apenas fisicamente. Tal como acontecia com ela. Sobretudo na altura em que mudavam de escola. Foi assim quando foram para a escola preparatória. E isso notou-se ainda mais quando foram para a escola secundária. Apesar das mudanças continuavam a dizer-se namorados. Aliás, os amigos até já os viam como exemplo de casal. Coisas de adolescentes, diziam ambos, um pouco mais conscientes sobre aquilo que é o amor. Ocasionalmente, recordavam os corações nos braços, os símbolos do infinito e até algumas cartas de amor. O tempo continuava a passar. Até que ele foi para a universidade. Para o curso de comunicação. Com a média um pouco baixa, não teve outra opção. Teve de ir estudar à noite, para uma privada, que pagava com o ordenado do emprego que tinha arranjado. Um ano depois, foi a vez dela. Aluna exemplar, seguiu o mesmo curso dele. Mas na universidade pública que sempre desejou.

E tudo mudou. O emprego dele, a faculdade à noite e as novas rotinas trouxeram novas amizades. A vida estudantil exemplar dela não lhe deu margem para grandes aventuras longe dos livros. Costumava dizer que temia perder o fio à meada. Com isto, a distância entre ambos cresceu. Sem parar. Ele até chegou a tatuar o símbolo do infinito no pulso esquerdo. Tatuagem que oculta com o relógio. Até ela a ver, ele nem sequer se lembrava de que era o que ela costumava desenhar nos tempos em que se diziam namorados. Ela já tem namorado. Que em nada se parece com ele. De vez em quando cruzam-se no café. Ela e o seu namorado. E ele. Que de vez em quando está acompanhado pela amiga com quem dorme ocasionalmente naquilo que é o mais próximo que tem de uma relação amorosa.

Não existem constrangimentos. De parte a parte. Mas também nunca perderam tempo a falar sobre o passado. Algo que até evitam partilhar com o namorado dela e com a amiga dele. O que existe para recordar é feito pelos olhares de ambos, que se cruzam o tempo suficiente para que alguns momentos sejam recordados com saudade. Mas, de uma coisa estão certos. Nunca se amaram. Nem tão pouco são os melhores amigos. Ele tem a certeza de que ainda não sabe o que é amar. Já ela. Que encontrou o amor. Sabe que nunca o viveu com ele.

35 comentários:

  1. Obrigada pela partilha. O amor está em Alta hoje, também eu coloquei uma história (real) marcante.
    Boa semana!!!

    http://saladosilenciocorderosa.blogspot.pt

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  2. Eu acredito que possam ter se amado. (à sua maneira)

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  3. Há diferentes formas de amar. A deles foi uma forma bem especial. :)
    beijinho

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  4. Tão bonito o texto. Lindamente escrito.

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  5. É Amor é... a different kind of Love... mas não duvides que é amor..

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  6. Pareceu-me que li a minha história. Ainda bem que também entendes que não é (apenas) um passado inocente que consubstancia uma grande amizade no presente.

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  7. :) Gostei do texto...
    Mas fiquei com uma sensação agridoce no fim... O que não é mau, é apenas diferente...

    Beijinho

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    1. Nem todos os finais são felizes. Ou até são, mas de forma diferente do que se pensa. :)

      beijos

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. O final cheira a agridoce, especialmente porque, aparentemente, o jovem (embora não seja liquido) não esta nas sete quintas da felicidade. O passado, bom ou mau, glorioso ou bastardo, só é amargo quando o presente assim o é também. O mesmo se aplica a todos os fins de relacionamentos...O que custa, sempre, é a perda, é saber que não se tem o que já se teve, é a falta. Mas não há insubstituíveis nem nada que o tempo não cure, desde que deixemos a feridas sarar.

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  9. Maravilhosamente escrita esta pequena grande história. Há muitas formas de amor, e conforta-me acreditar que também eles se amaram, de um modo muito especial... típico de uma idade que não volta!

    Tenho acompanhado o blog sem me manifestar até hoje, mas hoje não consegui ficar "calada"! Muito bom!

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    1. Obrigado Vannya. Acredito que eles tiveram o seu amor. E que talvez a história deles não fique por aqui :)

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  10. É verdade nem todos os finais são felizes, mesmo quando o amor é verdadeiro e sólido, basta algo para mudar tudo mudar. Emigrar quebra o laço.

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  11. Fantástico :) O amor não se explica ... acima de tudo sente-se :)

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  12. Nunca se deve voltar onde (com quem, acrescento eu...) já se foi feliz... é uma daquelas verdades universais, já muito "batidas", mas é tão verdadeira (passo a redundância) que dói entendê-la. Mesmo que mal resolvida, nunca voltar a uma mesma estória.

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  13. Não vai continuar?
    eu fiquei com vontade de saber mais,

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  14. que historia envolvente. gostei imenso do fim :)

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  15. Brilhante...confesso-me rendida ao enredo que criaste...e pergunto, esta "raiva" dela não terá contornos mais profundos?
    Por o ter deixado partir...por não ter lutado por ele? porque no fundo se apercebe que ela também é um fantasma dela mesma, pois não consegui seguir em frente...Porque ele,a lembrança dele sempre a acompanhou?
    Por favor não pares agora de escrever ;)

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