23.10.13

is this love? (capítulo sete)


Acabava de ser escoltado pelos seguranças até à saída do aeroporto. O desespero que revelava, e que facilmente se percebia ser real pois nem o melhor dos actores do mundo conseguiria reproduzir, de forma falseada, tal sentimento e frustração, ajudou a que os seguranças se limitassem a acompanha-lo até à porta do aeroporto. Noutras condições, estaria à espera da polícia para resolver um problema tão delicado como a invasão a uma zona de acesso condicionado. A que se junta a desobediência. Porém, os seguranças perceberam que não havia pior castigo do que deixa-lo ir à sua vida.

Com o corpo pesado, arrastava-se lentamente pela multidão de pessoas que se amontoavam à porta do aeroporto. As suas lágrimas e tristeza passavam despercebidas. Porque aquele local é mágico no que às emoções diz respeito. O seu choro era apenas mais um, no meio de outros tantos. O seu aspecto lastimável era apenas mais um, no meio de tantas pessoas que se despedem de alguém especial e de quem gostam. Em muitos outros locais, seria o centro das atenções. Provavelmente uma alma caridosa até lhe iria perguntar se estava tudo bem. Mas não ali. No aeroporto ninguém estranha as emoções. Conseguiam passar por ele, bater-lhe no ombro sem sequer prestar à atenção às suas lágrimas. Não por descuido. Mas por ser algo normal ali.

Num dos poucos momentos em que levantou a cabeça reparou que chovia copiosamente. Nesse instante percebeu que esse era o motivo pelo qual tantas pessoas se aglomeravam à porta do aeroporto. Mesmo assim, continuou em direcção ao carro. Num passo lento. O carro não estava muito longe. Mas a lentidão a que se movimentava era suficiente para que a chuva o deixasse encharcado até aos ossos. E ainda mais pesado. O que tornava o passo ainda mais lento. Num raro momento de lucidez, chegou a desejar que toda aquela água lhe lavasse a alma. Em vão. A tristeza teimava em domina-lo. Além disso, culpava-se de tudo. Sobretudo de não ter tentado impedir a viagem dela mais cedo.

Chegado ao carro reparou que tinha uma multa no vidro. Dentro de um daqueles sacos de plástico que impedem que o papel se desfaça com a chuva. “Tudo a ajudar”, foi o que pensou. Se bem que aqueles sessenta euros eram a menor das suas dores de cabeça. Foi a pensar nela. E na forte hipótese de nunca mais a ver que deixou o corpo deslizar pelo carro. Acabando sentado no alcatrão. Encostado à roda dianteira direita do seu carro. Nesse momento já era o centro das atenções. Não pela sua tristeza. Mas por estar à chuva como quem está na praia num dos mais bonitos dias de Sol de sempre.

Com a roupa colada ao corpo e com os all-star vermelhos ensopados ali ficou. E ainda com a multa, já fora do saco que a protegia, nas mãos. Enquanto o papel se ia desfazendo à velocidade das fortes gotas que a molhavam ele pensava nela. No seu sorriso. Nos erros que cometeu. E no erro crasso de ter deixado partir, para bem longe, o seu grande amor. Aliás, o seu único amor. Num gesto infrutífero passou com a mão esquerda no rosto para limpar a água. A chuva era tanta que antes de retirar a mão da face já estava novamente molhado. Ainda mais molhado do que se tivesse acabado de tomar um duche.

Porém, ao passar com a mão no rosto notou que várias pessoas olhavam para si. Tinham os olhos fixados em si. Sem que ele percebesse porquê. Para ele, não havia motivo para que olhassem para si. Não tinha o discernimento necessário para perceber que estava há vários minutos sentado no chão debaixo de uma forte chuvada que assustava a maior parte das pessoas que se refugiava da água à porta do aeroporto. Ao reparar no grupo de pessoas que tinha à sua frente notou que algumas olhavam noutra direcção. Existiam os que o observavam. E aqueles que olhavam noutro sentido.

Curioso, moveu a cara ligeiramente para a sua esquerda. Sem levantar o rosto, pouco mais observava do que o pavimento. Os seus olhos não observavam nada fora do normal. Não conseguia perceber para onde olhavam as pessoas. Até que notou algo diferente. Duas malas pousadas no chão. Onde a chuva batia como uma onda que morre numa rocha, fazendo nascer um vasto número de salpicos. Entre elas, umas lindas pernas. Que pareciam imunes a toda aquela água. E uns lindos sapatos vermelhos. Que começavam a mudar de tonalidade tal era a água aglomerada nos mesmos.

Subiu um pouco a cabeça. E os olhos puderam observar tudo. Era ela. Que tal como ele estava ali à chuva. Era mais uma pessoa que o observava. Com a diferença que tinha o cabelo completamente colado à cabeça, algo motivado pela chuva. Tal como ele, tinha as roupas coladas ao corpo. Algo que definia uma linda silhueta. Capaz de encantar qualquer homem. No rosto, destacava-se o negro. Da maquilhagem que tinha sido estragada pelas gotas de água. Ela chorava. Mas ele não conseguia distinguir as lágrimas da chuva.

Descrente no que via e pensando ser um truque da sua mente, olhou no sentido oposto. Contou até três. E voltou a olhar para o local onde julgava que a tinha visto. E lá estava ela. Nesse momento percebeu que não se tratava de uma ilusão. Era real. Ela estava ali. Não tinha entrado no avião. Lentamente, levantou-se. E caminhou na direcção dela. Com o medo de alguém que está perdido num deserto e acredita ter visto um oásis. Quando chegou perto dela colocou as suas mãos nas dela. E só aí teve mesmo a certeza de que tudo aquilo era real. “O que estás aqui a fazer?”, perguntou-lhe. “Fui incapaz de entrar no avião”, respondeu ela. “Porquê?”, insistiu ele. “Porque...”

18 comentários:

  1. :D e quando leio cada um destes capitulos não consigo deixar de pensar "E agora?"... mas este deixou-me feliz, e pela primeira vez "acertei" no que vinha a seguir...

    Beijinho!

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  2. Olá, estou a adorar a história!!!Mais para breve...please!!
    É que um livro lê-se quando se quer, mas assim é uma inquietação...:)

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  3. Este método é muito bom, porque, ao contrário do livro, ao ler um capítulo novo, obrigo-me a fazer uma viagem temporal na cabeça para recordar toda a história... A cada capítulo estás a melhorar a capacidade narrativa, a torná-la mais madura e atraente... Muitos parabéns!

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    1. Muito obrigado pelas tuas simpáticas palavras. E ainda bem que gostas :)

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  4. LINDO!!! Esta história está cada vez melhor... estou em pulgas para ler o próximo capítulo!

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  5. Fantástico! É muito bom quando consegues provocar sentimentos com a escrita, em alguns capítulos ficamos, na duvida, até "tristes", neste fizeste com que sorrisse,sou muito atenta a pormenores...é só uma "história" ou é a história de alguém? All Star Vermelhos...

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    1. Ainda bem que gostas. Confesso que transporto coisas minhas para o personagem masculino. Roupas e perfume, por exemplo. Mas a história não é de ninguém, que conheça. Só certos traços da mesma.

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  6. Adooooorrrrreeeeiiiiiii...mas agora estou ansiosa pelo próximo capítulo...A história está a prender... ;)

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