O que queres ser quando fores grande?
Esta é “A” pergunta que se faz a todas as crianças. Muitas
vezes, esta questão traz água no bico. Porque alguns adultos têm
vontade de influenciar a resposta, esperando que os petizes digam que
querem ser médicos ou engenheiros. Porém, a melhor resposta que
pode ser dada é “quero ser feliz.” Afinal, a felicidade é a
base de tudo. Como a Célia Mateus explica muito bem neste texto
fantástico que traz de volta a rubrica Agora Escrevo Eu. Recordo que
esta iniciativa não tem data limite para acabar. Os interessados podem continuar
a enviar os textos para homemsemblogue@gmail.com com agora escrevo eu
no título.
“O que queres ser quando fores
grande? Eu? Eu quero ser Feliz!
Lembro-me bem de em pequena ser
bombardeada pela minha família com a mesma pergunta: “O que queres
ser quando fores grande?” Esta pergunta cansava, principalmente
porque a minha família era grande demais, primos demais, tios demais
e todos se encontravam ano após ano, no Natal, na Páscoa, pelos
anos da avó, pelos anos do avô, pela matança de um porco, para
vindimarem juntos, enfim sempre.
Depois de pensar seriamente sobre o
assunto, achei que com 9 ou 10 anos ainda não sabia bem o que queria
da vida. Mas tinha uma certeza absoluta e inquestionável: queria ser
feliz, arranjar alguém que me amasse e ter filhos para amar e
cuidar. Isso para mim já era o auge da felicidade. O resto viria por
acréscimo. Não pensava na profissão, certamente arranjaria algum
trabalho que gostasse, havia tanta coisa para fazer, também nunca
fui muito ambiciosa e não desejava ganhar rodos de dinheiro para
comprar tudo e mais alguma coisa.
Ao contrário de mim, a minha prima
mais velha tinha as suas ambições e prioridades bem definidas desde
cedo. Queria ser advogada, queria poder mostrar aos outros o quanto
tinha chegado longe na vida. Um marido? Se fosse rico ou estivesse no
bom caminho para o ser. E sonhava com aquilo que o dinheiro lhe podia
comprar, uma bela casa, uma casa de férias, viagens pelo mundo
inteiro.
Assim, nas alturas do Natal e da
Páscoa, lá vinham as visitas intermináveis e a fatídica pergunta:
“O que queres ser quando fores grande?” A minha prima muito
pronta a saltar, para fazer sobressair a sua determinação, dizia
num ápice - “Advogada”. “Muito bem”, respondiam-lhe, “Vais
ser certamente uma brilhante advogada. E tu Célia?” Eu? Eu quero
ser Feliz, pensava, mas não ousava dizer esta frase, pensariam que
era uma cabeça oca, que não sabia o que queria da vida e respondia
então com um tímido “Eu ainda não sei.” Devo dizer que os
olhares acusadores que me lançavam diziam tudo, tipo, esta tonta não
há-de ser ninguém na vida, enquanto a outra tem futuro.
E a mesma lenga lenga continuou pela
minha vida fora e eu na minha indecisão, excepto na minha certeza
inabalável de ser feliz. Ainda eu não tinha concluído o 9º ano e
já andava metida em testes psicotécnicos, que os meus pais teimavam
em fazer para descobrir ali uma profissão de futuro, que pudesse
rivalizar com a da minha prima. Mas os testes revelavam aquilo que
sou, uma alma sensível, pouco dada a conflitos, muito voltada para
as artes, para as letras. Recordo-me da tristeza dos meus pais, por
acharem que eu nunca seria alguém na vida. Mas ter um trabalho
honesto, não me meter em drogas, casar com um homem de bem, não
seria suficiente? Bem, para os meus pais não era, mas
conformaram-se. Voltaram-se para o meu irmão, queriam que ele fosse
Oficial da Marinha e ele seguiu Engenharia Química. Mais uma vez,
conformaram-se, “é a vida diziam eles”. Esta atitude dos pais
quererem viver a vida pelos filhos e dar-lhes a melhor vida possível
é compreensível, mas muito desgastante para os filhos.
Acabei por tirar o curso de Ciências
da Comunicação e especializei-me em Relações Públicas e fui
sempre feliz nas minhas escolhas ao longo da vida (umas mais outras
menos, claro), casei com um homem maravilhoso e tenho um filho lindo.
É verdade que não tenho muito dinheiro, não tenho casas de férias,
nem carros de luxo e não faço viagens de sonho porque o dinheiro
não estica, mas sinto-me muito feliz com a minha família e a minha
vida.
Sinceramente, acho que até fui muito
ambiciosa, porque encontrar alguém que nos ame, com os nossos
defeitos e qualidades, ter um filho com saúde e ter prazer em viver
a vida ao lado deles, seja no nosso jardim ou no outro lado do mundo,
acredito que é uma ambição que nem todos conseguem alcançar.
Por isso não tenham medo de ser
felizes e de estar bem com quem estimam e gostem. Afinal e vida não
é isso, amar e viver?
PS: Curiosamente eu e a minha prima
tivemos apenas um filho cada. Eu tive um rapaz, imagine-se,
determinado, sabe muito bem o que quer e que desde os 4 anos tem a
ideia fixa de ser piloto de aviões, mas sei que quando mudar de
ideias vai ser tão convicto como agora. A minha prima teve uma
filha, doce, querida, sensível, mais voltada para as artes e que
ainda não escolheu o seu caminho. A vida tem destas voltas e a
genética familiar é mesmo muito forte não é?”
Célia Mateus
Texto muito interessante :) Eu penso o mesmo... e há quem diga que sou pouco ambiciosa...
ResponderEliminarSe queres ser feliz tem a ambição certa :)
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