Os dias foram passando. Na cabeça dele
ecoam as palavras dela. Sem que consiga esquecer o desprezo com que
lhe disse que não sabia se queria voltar a falar com ele. E que se
ia embora com a certeza de que não queria voltar a olhar para a cara
dela. É certo que os dias passavam quase sempre de forma tranquila.
As largas horas passadas no emprego ajudam a que esqueça o resto. Há
muito que andava farto daquele trabalho. Do seu cargo. Mas é certo
que nesta altura todas as rotinas lhe sabiam bem. Nem sequer se
importava de ouvir o chato do colega a fazer piadas de futebol sobre
o seu clube. Nem os lamentos da Ana que passava a vida a falar mal de
meia empresa, dos amigos e até do marido. Com quem não sabia
explicar porque estava casada. Sempre fugiu daquilo tudo. Agora, é
diferente. Agora deseja que aqueles momentos aconteçam o maior
número de vezes possível de modo a que se esqueça dela.
O pior é quando chega a casa. Assim
que roda a chave dá início a um processo doloroso. Do qual não
consegue fugir. Nem quer fugir, por mais estranho que pareça. Durante a noite, o seu melhor amigo é
o whisky. A cada trago que bebe recorda o último encontro de ambos.
É certo que as memórias não são as melhores mas o consumo exagerado de álcool faz com que consiga separar a imagem dela das suas
palavras. E isso faz com que se centre apenas na sua beleza.
Sobretudo nos lábios carnudos e nos olhos de que tanto gosta e aos
quais não consegue resistir. De dia impera a rotina laboral. De
noite, os processos são semelhantes. Ainda vestido, senta-se no
sofá. Onde se entrega à bebida e a uma ou duas séries que tem
gravadas na box. Ocasionalmente janta. Mas nunca come mais do que uma
sandes com uma coisa qualquer que tenha no frigorífico e que combine
bem com duas fatias de pão de centeio escuro.
Foi em mais uma destas noites que o seu
telemóvel tocou. O seu velhinho Nokia 3310 tinha dado sinal de
mensagem. Porém, ele não se mexeu. “Caguei para o telemóvel.
Deve ser o chato do Carlos a perguntar pela terceira vez se quero ir
com ele ao estádio no fim-de-semana. Já não posso com ele”,
disse, enquanto vazava mais um copo de whisky. “Até já falo
sozinho. Estou mesmo no fundo do poço”, disse, soltando um sorriso tímido.
Enquanto assistia a mais um episódio de Dexter foi interrompido por
uma música que vinha do apartamento do lado. Barry White, era o que
se ouvia. Os vizinhos, um casal na casa dos trinta anos, costumavam
meter o best of do cantor a tocar com o som um pouco alto sempre que
pretendia fazer sexo. Acreditavam, em vão, que isso impedia que se
ouvissem os gemidos de ambos. Mas, as paredes finas tornavam o som
bem audível. Mais do que ele desejava. “Não mereço
isto. É a prova de que é possível ir ainda mais fundo”, pensou.
Subiu o som da televisão e acabou por se deixar dormir enquanto o
serial killer acabava com a vida de mais uma das suas vítimas.
Na manhã seguinte acordou todo dorido.
Enquanto caminhava para a casa-de-banho pegou no telemóvel para
responder ao amigo, que fazia os possíveis para o manter ocupado.
Abriu as mensagens e, para seu espanto, a que estava por ler não era
de Carlos. “Gostava que fosses ao café hoje. Preciso de falar
contigo”, foi o que leu. A mensagem era dela. E tinha sido ignorada
por ele. “Desculpa. Estava a dormir. Pode ser hoje?”, foi aquilo
que se lembrou de responder. Tomou um duche rápido de água fria.
Quando saiu do mesmo foi a correr olhar para o telemóvel. “Sim”,
era o que dizia a mensagem dela. Despachou-se. Tomou o pequeno-almoço
e foi trabalhar.
Por momentos, sentiu que a sua vida
tinha mudado. As piadas do colega voltaram a ser chatas. E os
lamentos da Ana tornaram-se novamente insuportáveis. O dia passou
mais depressa do que o habitual. E nem o facto de olhar para o
relógio de hora a hora lhe deu a sensação de que o tempo passava
devagar. As horas foram passando. O dia de trabalho acabou. E ele foi
a correr para casa. Olhou-se ao espelho. Detestou as olheiras fundas.
A sua cara era um espelho dos dias de merda que tinha vivido. Tomou
um duche. Foi ao roupeiro escolher a última tshirt que ela lhe tinha
dado. Mas rapidamente a despiu com medo de que ela visse nisso um
acto de desespero. Pegou noutra. Vestiu-a. Já tinha os jeans
vestidos. Calçou os all-star pretos, borrifou-se com Hugo Boss e foi
para o café.
Quando lá chegou ela já lá estava. A
medo, aproximou-se. Não sabia o que ela poderia dizer. “Será que
quer apenas confirmar que nunca mais me quer ver?”, pensou enquanto caminhava
para ela. Hesitante, deu-lhe dois beijos e sentou-se a seu lado.
“Tudo bem? Desculpa mas deixei-me dormir. Não pretendi
ignorar-te”, disse-lhe. “Tudo bem. Não pensava isso de ti. Se
não te importas, queria falar contigo noutro sítio. Começo a achar
que as nossas conversas aqui têm muitos olhos e ouvidos.” “Tudo
bem. Onde queres ir?”, perguntou ele. “Quero sair daqui”,
respondeu ela.
Já fora do café ele voltou a
insistir. “Onde queres ir?”, perguntou. “Onde tens o carro?”,
inquiriu ela. “Parei no sítio do costume. Na rua das traseiras,
onde há sempre lugar”, disse ele. “Então está mais perto do
que o meu. Vamos dar uma volta e conversamos”, pediu ela. Enquanto
caminharam para o carro não trocaram uma única palavra. Pareciam
duas pessoas que mal se conheciam e que pouco tinham para dizer. Chegaram
ao carro. Um Peugeot cinzento. Ela entrou. Depois ele. “Onde
va...”, disse ele, sendo interrompido por ela. “Beija-me. Não me
digas nada. Beija-me”, foi o que ela pediu. Ou exigiu. E assim foi. Sem
qualquer dúvida ou hesitação aproximou-se dela e beijou-a. Num
beijo que parecia não ter fim.
Os beijos continuaram. “Queria tanto
isto. Todas as vezes que te disse que não te queria ver só te
queria agarrar e beijar”, disse-lhe enquanto lhe despiu a tshirt. Naquele
momento ele nem sequer pensou que estavam na rua. É certo que eram
as traseiras de uns prédios. Mas não era tarde e ainda existiam
muitas luzes acesas. Ao ritmo dela também ele a despiu. Em pouco tempo
estavam praticamente nus no carro. Sendo que a nudez dentro de um
carro é relativa. Beijos. Carícias. Sexo. A sequência foi esta.
Pareciam dois namorados que tinham relações no carro pela primeira vez. E
que se deixaram vencer pelo desejo sem que se lembrem que estão na
rua. As palavras foram poucas. Aliás, nenhumas. Só beijos. Mãos atrevidas. E sexo. Os vidros embaciaram. O que fazia com que se
sentissem protegidos dos olhares alheios. Mas receosos de uma
eventual e embaraçosa interrupção.
Quando tudo acabou, vestiram-se. À
mesma velocidade com que perderam a roupa. Já vestidos, ele quis
falar com ela. “O que fizemos...” e foi interrompido por ela que
lhe meteu os dedos nos lábios, unindo os mesmo como quem fecha uma
pequena caixa. “Não me digas nada. Não me julgues. Só quero que
me dês um abraço. Bem forte. Como tu sabes e como eu tanto adoro.
De resto não me digas mais nada. Por favor”, disse-lhe. E ele
assim fez. É certo que não falou. É igualmente verdade que não
tinha imaginado aquela noite. Aquele desfecho. Mas sentia que havia
muito para dizer. “O que será que representa esta noite?” era
aquilo em que conseguia pensar.
rsrsrsrs...Voilá....Esta agora...Aposto que surpreendeste todo mundo, incluindo Ele...melhor capítulo 4 impossível!
ResponderEliminarVamos ver no que isto dá...
EliminarMuito bom! Gostei :)
ResponderEliminarCada capitulo se torna mais interessante!
Almofada
Fico feliz por isso :)
EliminarMuito bom! Gostei :)
ResponderEliminarCada capitulo se torna mais interessante!
Almofada
Well done!!!! Expectante pelo próximo capitulo, sê breve e não nos deixes a cozinhar em lume brando, eles foram rápidos
ResponderEliminarVamos ver qual o rumo destes dois...
Eliminar"Cyborg"
ResponderEliminarAbsolutamente fenomenal! Surreal e tão verdadeiro, bolas, acertaste em cheio. Próximo capitulo provavelmente há-de surpreender mais e o desfecho é outro, há duas hipóteses. Não sei, é o meu palpite...!
Vamos ver...
EliminarAmazing :)
ResponderEliminarMas tenho impressao que esta historia ainda vai ter muitos momentos altos e baixos! Porque se comecarem a ser so altos... vao perder a expectativa!
Acho que estes dois têm muito para contar...
EliminarBruno, estás a deixar-me impaciente... Se é para comprar o livro, então eu compro já... :$ que se passa com estes dois? *.*
ResponderEliminarJá somos 2!
EliminarEstou a ver que ainda se vão dar muitas voltas... e não é um livro em que se possa voltar a página e continuar a ler...
ai ai ai...
Beijinho e que o próximo capitulo "saia" depressa!
Isto não tem talento para livro. Mas vamos ver no que dá...
EliminarNão esperava esta reviravolta, pelo menos desta forma! Cada vez mais interessante :)
ResponderEliminarAinda bem que gostas Inês :)
EliminarSurpreendente! Mas boa reviravolta.
ResponderEliminarAs seguintes passagens são "muito eu" em determinadas alturas. São coisas que se encaixam em determinadas fases da minha vida :S
"É certo que os dias passavam quase sempre de forma tranquila. As largas horas passadas no emprego ajudam a que esqueça o resto. Há muito que andava farto daquele trabalho. Do seu cargo. Mas é certo que nesta altura todas as rotinas lhe sabiam bem."
"O pior é quando chega a casa. Assim que roda a chave dá início a um processo doloroso. Do qual não consegue fugir. Nem quer fugir, por mais estranho que pareça. Durante a noite, o seu melhor amigo é o whisky. A cada trago que bebe recorda o último encontro de ambos. É certo que as memórias não são as melhores mas o consumo exagerado de álcool faz com que consiga separar a imagem dela das suas palavras."
"Pegou noutra. Vestiu-a. Já tinha os jeans vestidos. Calçou os all-star pretos, borrifou-se com Hugo Boss e foi para o café."
Fico feliz por gostares. Posso dizer-te que há "muito" de mim no texto. Em pequenos detalhes.
Eliminarexcelente texto, de apertar o coração! :)
ResponderEliminarestá de parabéns pelo excelente blog :) diariamente visito-o, sempre com coisas novas para ler, mas parece que me escaparam os outros capítulos, como os posso encontrar?
Obrigada,
Manuela Costa
Ainda bem que gostaste Manuela. Fico feliz. No topo do post tens os links para os primeiros capítulos.
EliminarObrigado