3.10.13

is this love? (capítulo quatro)


Os dias foram passando. Na cabeça dele ecoam as palavras dela. Sem que consiga esquecer o desprezo com que lhe disse que não sabia se queria voltar a falar com ele. E que se ia embora com a certeza de que não queria voltar a olhar para a cara dela. É certo que os dias passavam quase sempre de forma tranquila. As largas horas passadas no emprego ajudam a que esqueça o resto. Há muito que andava farto daquele trabalho. Do seu cargo. Mas é certo que nesta altura todas as rotinas lhe sabiam bem. Nem sequer se importava de ouvir o chato do colega a fazer piadas de futebol sobre o seu clube. Nem os lamentos da Ana que passava a vida a falar mal de meia empresa, dos amigos e até do marido. Com quem não sabia explicar porque estava casada. Sempre fugiu daquilo tudo. Agora, é diferente. Agora deseja que aqueles momentos aconteçam o maior número de vezes possível de modo a que se esqueça dela.

O pior é quando chega a casa. Assim que roda a chave dá início a um processo doloroso. Do qual não consegue fugir. Nem quer fugir, por mais estranho que pareça. Durante a noite, o seu melhor amigo é o whisky. A cada trago que bebe recorda o último encontro de ambos. É certo que as memórias não são as melhores mas o consumo exagerado de álcool faz com que consiga separar a imagem dela das suas palavras. E isso faz com que se centre apenas na sua beleza. Sobretudo nos lábios carnudos e nos olhos de que tanto gosta e aos quais não consegue resistir. De dia impera a rotina laboral. De noite, os processos são semelhantes. Ainda vestido, senta-se no sofá. Onde se entrega à bebida e a uma ou duas séries que tem gravadas na box. Ocasionalmente janta. Mas nunca come mais do que uma sandes com uma coisa qualquer que tenha no frigorífico e que combine bem com duas fatias de pão de centeio escuro.

Foi em mais uma destas noites que o seu telemóvel tocou. O seu velhinho Nokia 3310 tinha dado sinal de mensagem. Porém, ele não se mexeu. “Caguei para o telemóvel. Deve ser o chato do Carlos a perguntar pela terceira vez se quero ir com ele ao estádio no fim-de-semana. Já não posso com ele”, disse, enquanto vazava mais um copo de whisky. “Até já falo sozinho. Estou mesmo no fundo do poço”, disse, soltando um sorriso tímido. Enquanto assistia a mais um episódio de Dexter foi interrompido por uma música que vinha do apartamento do lado. Barry White, era o que se ouvia. Os vizinhos, um casal na casa dos trinta anos, costumavam meter o best of do cantor a tocar com o som um pouco alto sempre que pretendia fazer sexo. Acreditavam, em vão, que isso impedia que se ouvissem os gemidos de ambos. Mas, as paredes finas tornavam o som bem audível. Mais do que ele desejava. “Não mereço isto. É a prova de que é possível ir ainda mais fundo”, pensou. Subiu o som da televisão e acabou por se deixar dormir enquanto o serial killer acabava com a vida de mais uma das suas vítimas.

Na manhã seguinte acordou todo dorido. Enquanto caminhava para a casa-de-banho pegou no telemóvel para responder ao amigo, que fazia os possíveis para o manter ocupado. Abriu as mensagens e, para seu espanto, a que estava por ler não era de Carlos. “Gostava que fosses ao café hoje. Preciso de falar contigo”, foi o que leu. A mensagem era dela. E tinha sido ignorada por ele. “Desculpa. Estava a dormir. Pode ser hoje?”, foi aquilo que se lembrou de responder. Tomou um duche rápido de água fria. Quando saiu do mesmo foi a correr olhar para o telemóvel. “Sim”, era o que dizia a mensagem dela. Despachou-se. Tomou o pequeno-almoço e foi trabalhar.

Por momentos, sentiu que a sua vida tinha mudado. As piadas do colega voltaram a ser chatas. E os lamentos da Ana tornaram-se novamente insuportáveis. O dia passou mais depressa do que o habitual. E nem o facto de olhar para o relógio de hora a hora lhe deu a sensação de que o tempo passava devagar. As horas foram passando. O dia de trabalho acabou. E ele foi a correr para casa. Olhou-se ao espelho. Detestou as olheiras fundas. A sua cara era um espelho dos dias de merda que tinha vivido. Tomou um duche. Foi ao roupeiro escolher a última tshirt que ela lhe tinha dado. Mas rapidamente a despiu com medo de que ela visse nisso um acto de desespero. Pegou noutra. Vestiu-a. Já tinha os jeans vestidos. Calçou os all-star pretos, borrifou-se com Hugo Boss e foi para o café.

Quando lá chegou ela já lá estava. A medo, aproximou-se. Não sabia o que ela poderia dizer. “Será que quer apenas confirmar que nunca mais me quer ver?”, pensou enquanto caminhava para ela. Hesitante, deu-lhe dois beijos e sentou-se a seu lado. “Tudo bem? Desculpa mas deixei-me dormir. Não pretendi ignorar-te”, disse-lhe. “Tudo bem. Não pensava isso de ti. Se não te importas, queria falar contigo noutro sítio. Começo a achar que as nossas conversas aqui têm muitos olhos e ouvidos.” “Tudo bem. Onde queres ir?”, perguntou ele. “Quero sair daqui”, respondeu ela.

Já fora do café ele voltou a insistir. “Onde queres ir?”, perguntou. “Onde tens o carro?”, inquiriu ela. “Parei no sítio do costume. Na rua das traseiras, onde há sempre lugar”, disse ele. “Então está mais perto do que o meu. Vamos dar uma volta e conversamos”, pediu ela. Enquanto caminharam para o carro não trocaram uma única palavra. Pareciam duas pessoas que mal se conheciam e que pouco tinham para dizer. Chegaram ao carro. Um Peugeot cinzento. Ela entrou. Depois ele. “Onde va...”, disse ele, sendo interrompido por ela. “Beija-me. Não me digas nada. Beija-me”, foi o que ela pediu. Ou exigiu. E assim foi. Sem qualquer dúvida ou hesitação aproximou-se dela e beijou-a. Num beijo que parecia não ter fim.

Os beijos continuaram. “Queria tanto isto. Todas as vezes que te disse que não te queria ver só te queria agarrar e beijar”, disse-lhe enquanto lhe despiu a tshirt. Naquele momento ele nem sequer pensou que estavam na rua. É certo que eram as traseiras de uns prédios. Mas não era tarde e ainda existiam muitas luzes acesas. Ao ritmo dela também ele a despiu. Em pouco tempo estavam praticamente nus no carro. Sendo que a nudez dentro de um carro é relativa. Beijos. Carícias. Sexo. A sequência foi esta. Pareciam dois namorados que tinham relações no carro pela primeira vez. E que se deixaram vencer pelo desejo sem que se lembrem que estão na rua. As palavras foram poucas. Aliás, nenhumas. Só beijos. Mãos atrevidas. E sexo. Os vidros embaciaram. O que fazia com que se sentissem protegidos dos olhares alheios. Mas receosos de uma eventual e embaraçosa interrupção.

Quando tudo acabou, vestiram-se. À mesma velocidade com que perderam a roupa. Já vestidos, ele quis falar com ela. “O que fizemos...” e foi interrompido por ela que lhe meteu os dedos nos lábios, unindo os mesmo como quem fecha uma pequena caixa. “Não me digas nada. Não me julgues. Só quero que me dês um abraço. Bem forte. Como tu sabes e como eu tanto adoro. De resto não me digas mais nada. Por favor”, disse-lhe. E ele assim fez. É certo que não falou. É igualmente verdade que não tinha imaginado aquela noite. Aquele desfecho. Mas sentia que havia muito para dizer. “O que será que representa esta noite?” era aquilo em que conseguia pensar.   

20 comentários:

  1. rsrsrsrs...Voilá....Esta agora...Aposto que surpreendeste todo mundo, incluindo Ele...melhor capítulo 4 impossível!

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  2. Muito bom! Gostei :)
    Cada capitulo se torna mais interessante!

    Almofada

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  3. Muito bom! Gostei :)
    Cada capitulo se torna mais interessante!

    Almofada

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  4. Well done!!!! Expectante pelo próximo capitulo, sê breve e não nos deixes a cozinhar em lume brando, eles foram rápidos

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  5. "Cyborg"

    Absolutamente fenomenal! Surreal e tão verdadeiro, bolas, acertaste em cheio. Próximo capitulo provavelmente há-de surpreender mais e o desfecho é outro, há duas hipóteses. Não sei, é o meu palpite...!

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  6. Amazing :)
    Mas tenho impressao que esta historia ainda vai ter muitos momentos altos e baixos! Porque se comecarem a ser so altos... vao perder a expectativa!

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  7. Bruno, estás a deixar-me impaciente... Se é para comprar o livro, então eu compro já... :$ que se passa com estes dois? *.*

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    1. Já somos 2!
      Estou a ver que ainda se vão dar muitas voltas... e não é um livro em que se possa voltar a página e continuar a ler...
      ai ai ai...
      Beijinho e que o próximo capitulo "saia" depressa!

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    2. Isto não tem talento para livro. Mas vamos ver no que dá...

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  8. Não esperava esta reviravolta, pelo menos desta forma! Cada vez mais interessante :)

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  9. Surpreendente! Mas boa reviravolta.

    As seguintes passagens são "muito eu" em determinadas alturas. São coisas que se encaixam em determinadas fases da minha vida :S

    "É certo que os dias passavam quase sempre de forma tranquila. As largas horas passadas no emprego ajudam a que esqueça o resto. Há muito que andava farto daquele trabalho. Do seu cargo. Mas é certo que nesta altura todas as rotinas lhe sabiam bem."

    "O pior é quando chega a casa. Assim que roda a chave dá início a um processo doloroso. Do qual não consegue fugir. Nem quer fugir, por mais estranho que pareça. Durante a noite, o seu melhor amigo é o whisky. A cada trago que bebe recorda o último encontro de ambos. É certo que as memórias não são as melhores mas o consumo exagerado de álcool faz com que consiga separar a imagem dela das suas palavras."

    "Pegou noutra. Vestiu-a. Já tinha os jeans vestidos. Calçou os all-star pretos, borrifou-se com Hugo Boss e foi para o café."

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    1. Fico feliz por gostares. Posso dizer-te que há "muito" de mim no texto. Em pequenos detalhes.

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  10. excelente texto, de apertar o coração! :)
    está de parabéns pelo excelente blog :) diariamente visito-o, sempre com coisas novas para ler, mas parece que me escaparam os outros capítulos, como os posso encontrar?
    Obrigada,
    Manuela Costa

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    1. Ainda bem que gostaste Manuela. Fico feliz. No topo do post tens os links para os primeiros capítulos.

      Obrigado

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