17.10.13

is this love? (capítulo seis)


O carro continuava a desaparecer no escuro da noite. Ela permanecia imóvel. Porém, as sua lágrimas conseguiam ser muito mais velozes do que o carro dele. Nem os soluços, normais em quem chora compulsivamente, diminuíam a abundante frequência de lágrimas que nasciam nos seus olhos e que quase sempre morriam nos seus lábios. Ainda quentes dos beijos que tinham trocado minutos antes, numa altura em que nenhum deles adivinhava o desfecho da noite. O barulho do carro foi-se perdendo com a distância. Depois, a imagem. E ela imóvel. Os minutos foram passando num ritmo lento e penoso. Estava à porta do prédio há pouco tempo mas sentia que tinham passado várias horas. Sempre a chorar. Até que desistiu. Não de chorar. Mas de permanecer sozinha no vazio na noite.

Entrou no prédio. Ignorou os dois elevadores que estavam no piso zero e fez-se às escadas. E lá se arrastou pela montanha de degraus que serpenteia os elevadores do prédio onde vive. E onde se imaginava a viver com ele. O seu amor. Degrau a degrau. Lágrima a lágrima, chegou ao terceiro andar. Ao contrário dos restantes movimentos, rapidamente tirou a chave de casa da mala. O porta-chaves da Hello Kitty, de uma dimensão considerável, tinha sido comprado com o propósito de evitar os longos minutos em que uma mulher procura uma chave dentro da mala. Logo ela, que adora malas grandes.

Entrou no apartamento. Não acendeu uma única luz. Tal como um zombie, tão em voga numa das suas séries de eleição, rumou ao quarto. Ritmo lento. Coração acelerado. E lágrimas. Muitas lágrimas. Que teimavam em não parar de escorrer pelo seu lindo rosto. Chegada ao quarto, caiu na cama. Desamparada. Como uma pequena pedra que se solta de uma rocha maior, caindo sem qualquer amparo. Já deitava continuava a chorar. Até que decidiu pegar no telemóvel. Com a intenção de o demover de ideia de não querer ficar com ela. Ligou-lhe. Ouviu o sinal de chamada. Mas nenhum sinal dele. Outra chamada. Mais uma. Ainda outra. E mais umas quantas. Rendida ao adeus, enviou-lhe uma última mensagem. “Amo-te. Gostava de te ouvir ou falar contigo antes de ir embora. Não me ignores. Não mereço e dói demais”, foi aquilo que escreveu.

Os dias foram passando. Já só faltavam três para a viagem rumo a Miami. E nem sinal dele. Que nunca devolveu as chamadas. Nem sequer respondeu à mensagem. Apesar de triste, ela ocupava a mente com tudo aquilo que tinha de resolver antes de viajar em busca de um sonho que tinha contornos de pesadelo romântico. Em momentos de fraqueza, pegava no telemóvel. Entrava nos contactos e escolhia o seu nome. Mas nunca efectuava a chamada. Entendia que tinha feito o que podia. E que o resto dependia apenas dele. O tempo continuava a passar. E nada de novo. Tudo se mantinha igual em relação à sua viagem. Desistir não era uma opção para ela. Até porque isso poderia significar ter de lidar com uma nova rejeição dele. Algo insuportável para ela.

Chegara o dia da viagem. Tudo a postos. Uma última chamada. Para o taxista do costume. Amigo de longa data da família e sempre disponível para mais uma “corrida”. A viagem até ao aeroporto era curta. Mas deu-lhe tempo suficiente para pensar no que poderia acontecer. “Será que ele vai lá estar? Será que me vai impedir de embarcar?”, pensava, para segundos depois dizer a si própria que isso é algo que só acontece nos filmes. É uma eterna romântica. Apesar de ter noção de que aquilo que desejava era pouco real, preferia sonhar que era possível. O táxi chegou ao aeroporto. Tirou as malas. Despediu-se com dois beijinhos do amigo que até lhe ofereceu a viagem. “Guarda o dinheiro que bem falta te vai fazer nesta etapa da tua vida”, disse. “Depois envias-me um postal”, brincou. “Combinado”, respondeu ela, soltando o único sorriso dos últimos dias.

Olhou à sua volta. Tinha esperança de o ver. Mas, nada mais do que uma desilusão. Ele não estava ali. Cabisbaixa, começou a andar. Informou-se sobre a zona do check in. Tudo feito. Era altura de passar aquela zona limitada aos viajantes e funcionários do aeroporto. Quando lá chegou, voltou a olhar para trás. Nova desilusão. Ele não estava lá. Nesta altura faltavam cerca de vinte minutos para o embarque.

Em casa, ele olhava para a mensagem dela. A última que tinha recebido e à qual não tinha respondido. “O que estás a fazer? Vai atrás dela”, era o que uma voz lhe dizia. Porém, outra queria o inverso. “Fica aí e não lhe estragues a vida. Ela merece mais do que tu”, ouvia. O tempo ia passando. Até que decidiu ir ao aeroporto. Na esperança de impedir a viagem. Entrou no carro e arrancou de forma brusca. Ligou o rádio, que estava desligado desde a noite passada ela. Uma forma de congelar aquele momento. Assim que o ligou, começou a ouvir o álbum dos Anjos, de que tanto gostam e que tinham ouvido naquela noite especial e ao mesmo tempo trágica. Numa ironia do destino, o rádio tinha sido desligado quando tocava a música Há-de Haver Onde Começar. “Há-de haver onde começar. Há-de haver como ver e respirar. O amor que já é, que está entre nós. Há-de haver tempo p´ra aprender. Há-de haver horas p´ra te pertencer. E mil anos para te amar... Hei-de estar por aqui. Hei-de sempre abraçar-te”, foi o que ouviu. Chorou. E acelerou ainda mais.

Chegou ao aeroporto. Parou o carro na zona das partidas. Ligou os quatro piscas e não se preocupou com a polícia. Começou a correr até ao painel das partidas. Viu a porta de embarque. E desatou a correr. Sem se preocupar com nada nem ninguém. Preocupado apenas com ela passou a correr pelos funcionários que filtram a entrada somente a passageiros. Nesse instante começou a ser perseguido por um deles. Em poucos segundos já eram três atrás dele. E ele continuava a correr. O destino era a porta de embarque com o número 23. Cada vez mais rápido, corria na esperança de impedir a sua partida. 17, 18, 19 foi o que viu enquanto corria.

Até que foi abalroado por um segurança. Rapidamente foi agarrado pelos outros três que o perseguiam há mais tempo. “Larguem-me. Ela não pode embarcar. Não a posso deixar ir embora”, disse aos seguranças. “Só preciso de ir até à porta 23. Depois podem fazer-me o que quiserem”, acrescentou desesperado. Perante o seu olhar, os seguranças acederam ao seu pedido. E lá o deixaram seguir até à porta que desejava. Mais uma corrida. Que parecia de obstáculos tal era a confusão para embarcar na porta 21. E ainda as pessoas que se tinham aglomerado para descobrir o que se passava com aquele jovem que corria que nem um louco.

Pouco tempo depois chegava à porta 23. Já sem fôlego, deparou-se com a porta fechada. Não havia sinal dos passageiros. Nem das funcionárias da companhia aérea. O embarque estava concluído. “Foda-se! Fui tão burro”, gritou em sinal de desespero. Mais do que o desespero, sentia que a tinha perdido. De vez. Não havia volta a dar. E sentia que a culpa era só sua. De joelhos no chão, lágrimas no rosto e mãos na cabeça, foi novamente agarrado pelos seguranças. Que o acompanharam até à saída do aeroporto.     

25 comentários:

  1. Aposto que ela desistiu e também não embarcou! :D (ou pelo menos assim o espero!)

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  2. Essa música dos anjos..... Enfim :'s

    E tal como a SM, espero que ela não tenha embarcado, não porque desistiu mas porque por algum motivo o voo foi cancelado. Gostava que eles embarcassem os dois.
    Aguardo mais desenvolvimentos... (já te disse que estás a dar cabo de mim?)

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    1. Eles têm bom gosto :)

      Vamos ver no que dá. Será que acabou?

      Espero que isso seja um elogio.

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  3. Passaram dois anos. Ela está em Miami, feliz, ao lado de um homem que não hesita na hora de dizer "amo-te"! :)

    Beijinhos Marianos! :)

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    1. Vocês não gostam nada dele. O rapaz pode ser complicado mas tem bom coração. Pelo menos é o que quero que tenha.

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    2. Nada a agradecer, Maria Eu ;)

      HSB, o rapaz pode ter bom coração mas não ama a personagem feminina. E no fundo, é isso que importa nesta história, se se amam ou não. Dizias hoje que as acções de uma pessoa dizem tudo aquilo que precisamos saber sobre ela. E eu concordo. Por isso é que o facto dele ignorar as chamadas dela, as mensagens dela, a dor dela, durante dias e dias seguidos me diz que ele é um nabo e se dissesse a alguém que ama essa mulher devia levar um estaladão na cara (do próprio Amor, ofendido pelo seu nome ser usado em vão :P).

      Precisou de dias e dias para decidir que ia ao aeroporto (!). Não conversou com ela sobre a possibilidade de ir com ela, sobre as desvantagens dela ficar e irem juntos mais tarde quando ele conseguisse uma oportunidade laboral também. Não falaram do ponto da sua relação, do que esperam um do outro, das saudades que tiveram. E não falaram porque não era importante falar. Mas quando se ama, é importante. Queremos dizer tudo e ouvir tudo, queremos amar com palavras também, sonhar juntos, fazer planos. Queremos colar-nos à outra pessoa como se fossemos um só e saber que detalhes a faz feliz. Até aqui ele só descobriu como a fazer triste. E parece gostar da informação porque põe em prática em modo non-stop.

      Ele não dá nada em favor do amor que diz sentir. E ela... não gosta de si mesma. "We accept the love we think we deserve", alguém disse. E eu também concordo com isso.

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    3. Compreendo tudo o que dizes. Mas, na tua perspectiva, ela também não podia ter lutado mais por ele?

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    4. Na minha perspectiva, ela saiu de uma relação muito longa e está a precipitar-se no que acha sentir por ele. Ou seja, a sua mente - vinda de um desgosto na vida real - construiu um caminho de felicidade composto por alguém que lhe fazia palpitar o coração mas a quem ela conhece efectivamente mal. Tudo o que pensa que sente é fruto não da vivência com ele, mas da sua imaginação.

      Apesar desta ressalva, e supondo que realmente o ama: ela já fez mais do que suficiente por ele. Perdoou-lhe a cobardia de anos (por não lhe dizer o que sentia) e a corrida de cama em cama enquanto a amava [eu não consigo explicar como este conceito me choca. O que ele fez é uma traição tão grande ao sentimento que dizia sentir durante todo esse tempo, que me faz pensar que ele não sabe o que é amar alguém e portanto esse amor não *me* interessaria. Mas ela vê as coisas de forma diferente claramente, logo vamos ignorar esta parte], declarou-se logo depois de terminar a relação com o seu ex-namorado e ainda se dispôs a ficar ao seu lado prescindindo para isso de um sonho (profissional) de muito tempo. Como se isso não fosse suficiente para fazer um homem apaixonado rejubilar de alegria, ela ainda teve de se humilhar quando percebeu a reacção assustada dele (perante a responsabilidade de lhe pedir para ficar ou de ir com ela). Em vez de receber um abraço forte e um beijo de cortar a respiração (antes de entrarem em detalhes sobre como resolver aquela situação desafiante), teve de implorar para que ele mostrasse que a queria ao seu lado, que lhe pedisse para ficar. Como ele não estava a reagir às palavras, as emoções dela falaram mais alto, e ele lidou com as lágrimas de forma muito sensível e romântica: deixando-a sozinha à porta de casa, em prantos, sem mais palavras.

      Ora, se ela ainda não tinha percebido que ele era um totó, deveria ter descoberto naquele instante. Mas não, deu-lhe mais uma oportunidade, e em vez de esperar o seu telefonema (ou toque na campaínha) a pedir perdão pelo seu comportamento-de-fuga absolutamente ridículo, foi ela a ligar-lhe (!!). E o que foi que ele fez? Ignorou-a. E o que foi que ela fez? Caiu em si? Percebeu as cenas que estava a fazer por alguém que não a ama? Não: insistiu com mais telefonemas e mais mensagens. E aí sim, ele sentiu-se envergonhado e devolveu-lhe os telefonemas ou tocou-lhe à campainha? Não, ignorou-a mais uma, e outra, e mais uma vez em cima das anteriores. Além de ser cobarde é mal-educado. Excelente combinação.

      OK, está mais do que óbvio que esta mulher não tem amor próprio. Então o que é que ela tinha de fazer mais? Bater-lhe à porta e dizer "Olha, já percebi que tens medo que não dê certo e por isso não queres ficar com a responsabilidade de me pedir para ficar, por isso vim cá -- apesar do teu amor te fazer duvidar de nós e achar que em caso de dúvida o melhor é ignorar-me, aos meus telefonemas e às minhas mensagens antes de conversarmos sobre o assunto -- para te dizer que eu vou ficar de qualquer forma! E assim não tens responsabilidade nenhuma, não precisas agir como homem, não precisas mostrar que não tens medo de tomar atitudes e de viver plenamente, e podes recolher-te na tua insignifância e desfrutar apenas, porque eu estou aqui para agir por nós os dois" ?

      Só falta isso. E eu nem sequer ficaria surpreendida se um homem desses, aí sim, se atirasse nos braços dela. E ela ficasse contente (!) em vez de dizer "Brincadeirinha! Estava só a confirmar que és um banana".

      Enquanto espectadora deste romance, não percebo que encanto a move na direcção do "muita parra e pouca uva" dele, quando já devia ter começado a caminhar na direcção oposta há imenso tempo.

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    5. Já te disse que gosto dos teus comentários e visões sobre o assunto? :)

      Obrigado ABT

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  4. É bom que ela tenha desistido ... Ahah

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  5. Uma historia muito comovente.
    Estava à espera que ela aparecesse por trás...
    vidademulheraos40.blogspot.com.

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  6. História hollywoodesca. Mas está muito boa. Aguardam-se os próximos capítulos!

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  7. Não era bem bem o que estava à espera... mas esta história é "pro" em me trocar as voltas, e talvez por isso esteja tão presa a ela...

    E sim, continuo à espera do próximo capitulo!!!

    Beijinho e Bom Fim de Semana!

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  8. Dois corações dilacerados...agora vai ser a vez dela não atender o telemóvel...está desiludida e magoada...
    Aguarda-se novo capítuo. :-)

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  9. Quando sai o próximo capítulo?

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