19.11.13

eu e os outros

Cada vez mais me convenço que a maior parte das pessoas não sabe olhar para o “eu” em função do “outro.” Muita gente olha apenas para o seu umbigo. Analisa somente o eu, como se esse eu vivesse sozinho no mundo. Como se fosse uma pessoa isolada dos restantes milhões de quem são praticamente iguais. Levando essa análise ao ridículo e à falta de coerência. Ou, dito por outras palavras, é apenas mais uma das evidentes facetas da grave crise de valores que atravessamos.

Para muitas pessoas, o eu é uma entidade divinal acima de tudo o resto. Eu posso tudo. Eu digo o que quero. Eu sei tudo. Eu não tenho dúvidas sobre nada. Eu posso falar da vida de todas as pessoas. Eu é que mando. Eu é que sou o maior. Eu sou uma estrela. Se não fosse eu, ninguém sabia nada de nada. Eu sou intocável. Eu sou inquestionável. Não há nada de nada que me passe ao lado. Eu sou a razão de tudo.

Para essas mesmas pessoas, ou outros são seres inferiores. Os outros não podem nada. Os outros não podem dizer nada. Os outros nada sabem. Os outros não têm dúvidas porque são burros. Ou outos obedecem-me. Os outros são inferiores. Os outros não brilham. Os outros sabem o pouco que sabem porque eu ensino. Os outros não são intocáveis. Os outros são questionáveis. Os outros são duvidosos. Os outros são falsos. Tudo passa ao lado dos outros. Os outros nunca têm razão.

E quando os outros fazem o mesmo do que eu, são burros. São parvos. São ridículos. São uma cambada de atrasados mentais que nada sabem desta coisa chamada vida. Não têm piada. São patéticos. Não sabem nada de nada e só atiram palpites para o ar. Os outros pensam que sabem tudo mas nada sabem. Porque eu não deixo que saibam o que quer que seja. Mas eu, que faço o mesmo do que os outros, não sou burro. Sou uma divindade intelectual seguida por outros quase tão espertos como eu. Os outros, que se aglomeram, são burros. Os que seguem o “eu” são aspirantes a intelectuais.

Em traços gerais, esta é a linha de pensamento de muitos “eus”. Que se julgam diferentes dos demais quando a ocorrência o justifica. Até porque é muito mais fácil eu ser um “eu” diferente dos outros. É muito mais fácil esconder aquilo que sou atrás de um conjunto de características duvidosas que acredito serem especiais. Mas que na realidade não passam de ilusões. De ilusões meramente ridículas.

Esta triste realidade é algo que sempre me fará confusão. Não entendo como é que alguém consegue odiar aquilo que é. Como é que alguém consegue criticar aquilo que faz. Como é que alguém acha que sabe tudo sobre todos mas que não aceita que ninguém possa saber nada sobre si. Já falei aqui por diversas vezes da crise de valores que vivemos. E esta é, a meu ver, uma das facetas mais visíveis e preocupantes desta crise. A falta de discernimento que muitas pessoas têm em analisar-se num contexto global.

2 comentários:

  1. Acredito que por vezes devemos e temos que ser um bocadito egocêntricos.
    Mas quando os egos são demasiado insuflados, a coisa não corre bem.
    É o pensamento:"Tudo eu, tudo eu, tudo eu...." Então e os outros???

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