Alexandra tinha saído do consultório
há aproximadamente meia hora. Mas não tinha rumado até casa.
Continuava a deambular pelo jardim situado nas proximidades da
clínica. Local onde tinha brincado, em pequena, algumas vezes com o
seu pai nos dias em que a mãe tinha consulta. Irrequieta, não
aguentava mais de dez minutos quieta e o jardim era a única solução
que o pai encontrava. Apesar daquele espaço lhe trazer boas
memórias, não se lembrava de nenhuma. Só pensava nas palavras da
ginecologista.
Enquanto os alertas da médica ecoavam
na sua cabeça pensava se estaria tudo bem consigo. Melhor,
acreditava que tudo estava mal consigo. Desde tenra idade que
Alexandra tinha a mania das doenças. Ao mínimo sintoma imaginava o
final do mundo e da sua vida da forma mais trágica e cruel possível.
Neste caso, o pânico era a dobrar. Temia por si e sobretudo pelo
bebé. “E agora? O que vai ser de nós”, dizia vezes sem conta num tom de voz
mais alto do que imaginava, o que fazia com que as pessoas do jardim
olhassem para a mulher que não parava quieta enquanto falava
sozinha.
Quase três horas depois do final da
consulta chegou a casa. Assim que entrou, deu de caras com Miguel que
olhava para si de forma assustada. “Será que se nota que tenho
algum problema?”, pensou Alexandra, num dos típicos momentos em
que era controlada pela mania das doenças. “Só agora? Já estava
a ficar preocupado contigo. Está tudo bem?”, perguntou Miguel. “Só
agora! Como assim?”, respondeu, não tendo a mínima noção de que
a consulta já tinha terminado há muito. “Sim, a consulta
não era às três? Já passa das seis. Estava preocupado”, disse.
Alexandra ficou mais aliviada e para
esconder a sua mania das doenças optou por improvisar e mentir para
se justificar. “Aquilo atrasou muito. Já estava farta de esperar.
E a consulta foi muito demorada. Levei um raspanete porque não ia lá
há muito”, referiu. “E está tudo bem com vocês?”, insistiu
Miguel. “Sim. Mas como andava desleixada com as idas à
ginecologista vou ter de fazer umas análises complementares. Amanhã
trato disso”, disse Alexandra.
Miguel respirou de alívio. Já
Alexandra, fazia os possíveis para esconder a sua
faceta que dava a entender que tudo estaria mal. O resto do dia foi
passado assim. Com Alexandra noutro planeta onde só existem doenças
e mais doenças. Miguel dormiu praticamente a noite toda com a mão
apoiada na barriga da namorada. Alexandra estava sempre a acordar por
causa dos nervos e da ansiedade. Pouco passava das seis da
manhã quando Miguel acordou com barulhos que ouvia.
Era Alexandra que já se despachava
para fazer as análises. “Que estás a fazer a esta hora?”,
perguntou Miguel. “Estou a despachar-me para ir para a clínica.
Sabes que abre às oito e quero ser das primeiras para me despachar”,
justificou. Miguel riu-se. “Mas ainda nem são sete horas e a
clínica fica a dez minutos daqui”, acrescentou enquanto olhava
para o relógio. “Anda deitar-te mais um pouco hipocondríaca. Ou
deves pensar que não sei que estás toda nervosa com medo de que
algo esteja mal”, disse. “Parvo!”, foi o que Alexandra disse
enquanto atirava uma almofada para cima do namorado.
Vinte minutos depois da sete e
Alexandra já estava à porta do posto. Tinha sido a primeira a
chegar. Poucos minutos depois chegavam duas velhotas. “Bom dia
menina! Também está com medo de que venha muita gente?”,
perguntou uma dela. “Bom dia! É verdade. Quero despachar-me porque
vai ser um dia muito comprido para mim”, respondeu, mentindo. “É
pouco comum ver aqui meninas da sua idade a esta hora. Nós já somos
clientes da casa, não é Alzira?”, disse, provocando um sorriso
geral. “Daqui a pouco devem chegar mais pessoas mas tudo da nossa
idade”, acrescentou. E assim foi.
Às oito já estava mais de uma dezena
pessoas mais velhas à porta da clínica. Alexandra era a única da
sua faixa etária. Mas dava-se por contente. Ia ser a primeira a ser
atendida e isso era o que mais queria. Meia hora depois estava
despachada. “Quando é que os resultados chegam?”, perguntou.
“Assim que chegarem recebe uma mensagem para os vir levantar mas
deve ser coisa de três dias, no máximo”, disse a funcionária.
As horas foram passando. Os nervos não
se alteravam. “O que será que tenho? Nunca mais mandam a maldita
mensagem”, disse para os seus botões, no próprio dia que tinha
ido à clínica. O tempo foi passando. Nada mudava. Os mesmos nervos.
As mesmas questões. Até que ao segundo dia o telemóvel tocou.
“Chegaram os resultados dos seus exames. Pode passar na clínica
para levantar os mesmos. Obrigado”, foi o que leu. Depois, foi a
correr para a clínica.
Apesar de ter a mania das doenças,
Alexandra era incapaz de ver os resultados dos exames e análises que
fazia. Nem sequer tinha coragem de tentar ver se os valores estavam
dentro do que é normal. Assim que saiu da clínica, ligou para a
ginecologista. “Já tenho os resultados. Quando posso marcar a
consulta?”, perguntou. “Foste rápida Xaninha. Ainda bem! Tive
uma desistência e tenho vaga daqui a duas horas. Podes vir?”,
disse. “Claro que sim. Até já.” Desligou o telemóvel
foi logo para a clínica. Quando faltava uma hora e meia para a
consulta.
“Já por aqui?”, perguntou a
assistente. “Estava perto e não tinha nada para fazer”,
respondeu, mentindo novamente. Até que chegou a sua vez. “Pode
entrar agora”, foi o que ouviu. O seu coração batia mais rápido
do que nunca. “Olá Xaninha! Tudo bem? Senta-te e mostra lá os
resultados daquilo que te pedi”, acrescentou a médica. Num gesto
extremamente rápido, Alexandra entregou o envelope à médica. Fitou
os seus olhos enquanto fazia figas com as mãos escondidas do olhar
da sua ginecologista.
“Ora bem. Deixa cá ver”, disse a
médica com aquele ar característico dos médicos que observam
resultados de exames à frente dos pacientes enquanto arrastam a voz. Alexandra respirava
fundo. “Está tudo bem”, foi o que ouvi da médica, para seu
alívio. “Mas a partir de agora não aceito desleixo nenhum.
Combinado?”, perguntou. “Claro que sim. Pode ficar descansada”,
disse Alexandra. À saída, fala com a Carla que te irá dizer quando
tens de vir cá novamente. Alexandra assim o fez. Mas nem se lembra
de o ter feito.
Já na rua, ligou a Miguel. “Já tive
consulta e está tudo bem comigo e com o bebé”, disse com um
enorme sorriso no rosto. “Ainda bem. Sei que deves ter ficado
bastante nervosa. Agora relaxas. Até já, amo-te muito”, referiu
Miguel. Mas Alexandra não relaxava. A dúvida que a consumia agora
era outra. “Menino ou menina? Queria uma menina”, era aquilo em
que pensava.
Chiça, que agora até aquele nervoso miudinho no estômago deu, mas ainda bem que "acabou" em bem!
ResponderEliminarAnsiosamente à espera da continuação...
Parabéns Bruno, és um senhor da escrita!
Obrigado pelo imerecido elogio. É bom saber que gostas :)
EliminarComo sempre, muito bom ;)
ResponderEliminarMuito obrigado meu amigo ;)
EliminarPublicas um capitulo de quanto em quanto tempo?
ResponderEliminarObrigado por mais um capitulo...
Quando o trabalho deixa, é um por semana. Sempre à quinta-feira. Dia em que é escrito, minutos antes de ser publicado.
EliminarObrigado pela simpatia.