7.9.15

e se fosse um preto magrinho? preocupava?

É impossível esquecer a imagem de Aylan Kurdi, o menino sírio de três anos que morreu afogado e cujo corpo foi fotografado numa praia. Já aqui abordei o tema no sentido do poder das redes sociais e também na divulgação ou não da imagem. E quanto a isto pouco tenho a acrescentar pois considero que a fotógrafa fez o seu trabalho (por mais difícil que possa ter sido) quando captou aquele triste momento. Quando se trata deste tema, não existe uma foto mais ilustrativa da triste realidade dos migrantes que fogem de uma triste realidade acabando, em alguns casos, por morrer nas águas onde procuraram salvação.

Nos últimos dias deparei-me com outra temática relacionada com a imagem e com os eventuais motivos pelos quais as pessoas se sentem mais chocadas com aquela imagem e não com outras. E, indo directo ao assunto, a questão é (e foi assim que ouvi): “e se fosse um menino preto (negro) magrinho que passa fome? A imagem chocava tanto? As pessoas revoltavam-se?”, é a questão que já vi/ouvi ser debatida. E esta foto (de 1994) ilustra bem a questão que tem sido debatida por algumas pessoas. Esta foto de Kevin Carter, conquistou um Pullitzer. Na altura o fotógrafo foi bastante criticado por fotografar o menino e o abutre que aguarda a sua morte para se alimentar dos restos mortais da criança.


Ou seja, existe uma teoria (defendida por diversas pessoas) que existe uma proximidade na imagem de Aylan Kurdi que não existe nesta. Porque se trata de um menino branco, bem vestido e que as pessoas tendem a ver como um filho, primo, sobrinho ou neto. Uma associação que poucos ou nenhuns fazem em relação à foto da criança sudanesa que parece não aguentar mais do que breves minutos. Que faz parte de uma realidade que pouco diz a muitos.

É certo que não podemos comparar 1994 a 2015 no que diz respeito à velocidade com que a informação viaja e é partilhada nas redes sociais e mesmo nos sites informativos. Mas a questão da comparação das duas tristes realidades dá que pensar. E quando ouço debates em torno deste tema acabo por concordar com as pessoas que defendem que a diferença de realidades (ou as diferentes crianças) acaba num julgamento diferente. Ou seja, o drama de Aylan Kurdi é o drama de todos enquanto o drama de Kong Nyong (é o nome do menino da imagem) não é de ninguém. Ou é de poucos. E pensar nisto consegue ser tão triste como ter que olhar para as duas imagens.

A título de curiosidade, existem alguns dados relevantes que unem as duas imagens. O mais triste de todos é que nem Aylan nem Kong estão cá para contar a sua história. Depois, Nilufer Demir, que fotografou Aylan Kurdi não está a ser alvo de grande críticas pela imagem que captou. Não sei se irá (acredito que sim) vencer algum prémio com esta imagem. Por sua vez, Kevin Carter, que fotografou Kong Nyong, recebeu um importante prémio com a imagem. Mas foi severamente criticado por captar aquele momento. Segundo ouvi, e acredito que seja verdade, Kevin Carter afastou o abutre e salvou a criança depois da fotografia. Kong acabou por morrer em 2007 vítima de “febres”, revelou o seu pai. Já Kevin Carter também acabou por se matar com apenas 33 anos.

A foto de Aylan tem levantado diversas questões. Como por exemplo quais os motivos pelos quais não se acaba com a guerra na Síria. Existem aqueles que questionam o porquê de receber refugiados quando não ajudamos os nossos que passam por dificuldades. Questiona-se quem vai dar o dinheiro para ajudar os refugiados. O debate que tenho ouvido e que motivou este texto levanta uma questão igualmente importante: até que ponto nos associamos a um drama pela proximidade que a foto transmite ao mesmo tempo que não nos importamos com problemas de uma realidade que não revemos numa imagem igualmente chocante. E tudo isto dá muito que pensar.

14 comentários:

  1. http://stonesrm.blogspot.pt/2015/09/migrantes-ajudar-sim-integrar-nao.html

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    1. Gostei muito de ler o teu texto. Apresentas tudo muito bem e falas de tudo igualmente bem, sobretudo com uma perspectiva pessoal.

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    2. Obrigado pelo elogio...
      Vê o que achas do restante blog, se achares que tem algum nível partilha p.f.
      Um abraço

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  2. Eu fui uma das pessoas que falou nisso, no início não me apercebi o porquê de tanta consternação mas depois li um artigo no jornal Público e fez-se luz, o que choca é que o menino podia ser filho de um amigo, nosso filho, primo, neto.

    http://a-lingua-afiada.blogspot.pt/2015/09/a-imagem-do-menino-sirio.html

    A imagem choca mas já vi imagens mais chocantes de crianças subnutridas, cheias de moscas a definhar um dia de cada vez numa morte certa e lenta.
    Nos últimos dias tenho lido bastante informação sobre o assunto e não tenho tanta certeza se os podemos consideras refugiados ou apenas migrantes. Também não gosto de saber que recusam comida da cruz vermelha e que exigem chegar a países como Alemanha e Inglaterra. Na minha humilde opinião, já que tenho a sorte de nunca ter estado em ambiente de guerra, imagino que alguém que fuja da guerra apenas queira abrigo num local seguro e não se presta a grandes exigências.
    Em Portugal muita gente está preocupada com a vinda dos refugiados, mas eu tenho sérias dúvidas que eles queiram vir para cá.

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    1. A cada minuto surgem novas questões. Umas absurdas (na minha maneira de pensar) e outras válidas. Aquilo que referes da Cruz Vermelha também dá que pensar. Vamos ver como será o futuro.

      E realmente existem imagens mais fortes (ou igualmente fortes) a que não se liga nenhuma.

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  3. Tantas perguntas! E todas válidas!
    Acho que o ajudar o próximo se deve fazer, seja o menino negro, o sírio ou o vizinho... apenas acho que se deve ajudar quem precisa, na medida em que se pode ajudar...
    Quanto aos "nossos" ditos pobrezinhos... há os que realmente o são por muito infortúnio, há o que os são porque querem (nomeadamente sem abrigo por opção), e há os que o são porque se puseram a jeito... Estes últimos, para mim, são aqueles que agora passam muitas dificuldades porque quiseram viver acima das suas possibilidades, com créditos em cima de créditos, para a casa, o carro, os moveis, a televisão e por aí fora... e que agora são coitadinhos... Sem falar também nos pobres, de espirito...

    E vou ficar por aqui, com a ideia inacabada... porque realmente ia dar mesmo muito pano para mangas...

    Bjs

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    1. Existem muitas questões e todas elas davam belos debates e pano para mangas.

      Beijos

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  4. exactamente como no filme A time to kill, "and now imagine she's white", lembram-se?

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    1. Quem não se lembrar pode ver aqui.

      https://www.youtube.com/watch?v=4lnRK8QpC14

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  5. O menino negro nunca tem tanto impacto porque as pessoas são ainda muito racistas,mesmo que não queiram admitir. (Aconselho a ver o filme Crash- no limite,2004).
    As roupas e o facto de ser branco originam naturalmente a sensação de que podia ser alguém próximo.
    E também há o factor geogŕafico. A mesma situacão,aqui ao lado em Espanha ou na China,faz normalmente diferença.
    Esta situaçâo dos refugiados ainda vai no ínicio e não me parece fácil de resolver. Além de que ninguém estâ a pensar a longo prazo. É o habitual empurrar com a barriga. E não vai dar grande resultado...
    Mata Hari

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    1. Um grande filme. As pessoas não tendem a olhar para certas realidades como suas. Talvez seja a tal proximidade de que falam.

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  6. Sem dúvida que dá muito que pensar, e tanto num caso como no outro é horrível só de pensar que estas situação são mesmo reais e acontecem a todo o momento, enquanto andamos atarefados com o nosso dia a dia que consideramos tão importante e stressante. É lamentável que algo assim continue a acontecer.

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    1. As pessoas acabam por se associar aquilo que consideram mais próximo e tendem a ignorar aquilo com que não se identificam.

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