12.9.16

o estigma social das tatuagens

"De há um tempo a esta parte, tenho-me interrogado sobre as razões que levam um ser humano a decorar mais de metade do corpo com tatuagens. Membros inferiores e superiores; nalguns casos extremos, o pescoço e as maçãs do rosto, num desfile de tinta intracutânea que obriga o hospedeiro a andar o ano todo de camisola de alças e corsários, no sentido de rentabilizar o investimento, mesmo correndo o risco de apanhar um resfriado na mudança de estação. Raul Meireles era, não há muito tempo, um quadro vivo da excentricidade, mas hoje arrisca-se a ser vulgarizado se passar uma tarde num shopping. É certo que as tatuagens estão pelo preço da chuva e que é mais seguro ter dois mil ou três mil euros empenhados nas costas e nos tornozelos com imagens de Jesus ou dos filhos do que no banco, mas há limites que foram ultrapassados. Os adolescentes e os jovens adultos têm a atenuante da imaturidade, mas o que me custa a entender é haver tanta mulher entradota a tatuar golfinhos, rosas e figuras tribais em zonas do corpo para onde, em condições normais, não queríamos olhar. Sem dinheiro para um descapotável, as tatuagens são a nova crise da meia-idade"

Começo por dizer que tenho uma tatuagem. E que espero vir a ter mais. Explico também que o texto que deu início a este post é um artigo de opinião de um jornalista. Que olha para uma tatuagem como um investimento. Como referi, tenho uma tatuagem. Que fiz quando tinha os meus 18, 19 anos. E sim, foi um investimento. No sentido que não me foi oferecida. Tive de investir parte do meu dinheiro, e já nem me recordo quando custou, na tatuagem que tenho na perna direita. Mas fiz a tatuagem por mim. E não pela exibição da mesma a terceiros. Não passei a andar o ano inteiro de calções apenas porque tenho uma tatuagem na perna. Aliás, na altura ainda jogava futebol e continuei, como quase sempre, a jogar com as meias de futebol para cima, o que evitava que mostrasse a tatuagem aos outros. E também, segundo a lógica do autor da crónica, evitou que me desse uma mão, neste caso perna, às constipações.

Não sou ninguém para estabelecer os limites das tatuagens. Apenas os meus. No meu corpo sou eu que decido o quê e onde tatuar. E o limite será sempre imposto por mim. Nunca por pessoas que possam achar que o faço por exibicionismo. Por uma qualquer crise. Porque não sei o que fazer ao dinheiro. Ou por outro motivo qualquer. Mas acho piada que estes motivos surjam imediatamente na cabeça de pessoas como o autor desta crónica. Mas que poucos tentem perceber o motivo de uma tatuagem. E o número delas. Porque será que aquela pessoa tem cinco tatuagens? E qual o motivo de cada um daqueles cinco desenhos? Existe ligação entre todos? Significam algo? Porque, por mais que algumas pessoas se espantem, há quem pense detalhadamente naquilo que quer ter no corpo e que, acima de tudo, é especial para si. E não para os outros. Muito menos para aqueles que dão palpites.

O autor da crónica aponta as tatuagens como "a nova crise da meia idade". Não sei se é ou não. Mas assumo que não olho dessa forma para as tatuagens. Curiosamente observo uma crise que não é da meia idade. É uma crise à qual muitas crianças escapam mas que, a partir dos 15/16 anos afecta muitas pessoas. Sendo que consegue ter uma especial incidência em pessoas na casa dos trinta e dos quarenta. E refiro-me às pessoas que sabem tudo sobre os outros. Ou que pensam saber. É a crise do sabichão. Aquela pessoa, que não conheço de lado nenhum, tem dez tatuagens? Sei o motivo de todas. É uma crise e não sabe o que fazer ao dinheiro. Aquela pessoa, que nunca vi, fez isto ou aquilo? Sei o motivo de cada uma das acções. O efeito desta crise é passar boa parte do tempo a tentar perceber e viver a vida dos outros. A dar palpites sobre tudo. E tentar saber coisas que não lhe interessam para nada. E deixando passar momentos que realmente dizem respeito a quem é afectado por esta crise que não se cura com comprimidos, nem com carros descapotáveis ou, muito menos, com tatuagens.

Não fico surpreendido se uma pessoa mais velha olhar de lado para quem decide ter tatuagens no corpo. É uma questão de mentalidade. De diferentes culturas. Até porque no seu tempo provavelmente só pessoas duvidosas é que tinham tatuagens. E provavelmente não teriam o corpo todo tatuado. Seria algo bastante comum entre todos os tatuados. Mas fico espantado quando este estigma tem origem em pessoas que supostamente cresceram lado a lado com as tatuagens. Não espero que toda a gente goste delas. Pessoalmente não gosto de muitas. Mas percebo que as pessoas se tatuem. Para a minha geração é algo completamente normal. É quase como "toda a gente" ter um qualquer aparelho da Apple.

E já agora, sendo que o tema são as tatuagens e o modo como algumas pessoas julgam quem as tem, talvez seja bom ver este vídeo com atenção. Vai valer a pena. Talvez ajude a mudar a opinião de pessoas como autor da crónica.

4 comentários:

  1. Não tenho nenhuma tatuagem (pelo menos ainda não), mas gosto de apreciar as tatuagens em si, existem belissimos trabalhos, imaginar o que poderá estar por trás, que história terá levado à colocação daquela tatuagem?
    Quanto a mim, devo estar na crise da meia idade... é que a minha vontade de fazer uma tatuagem tem aumentado, e até já sei o que quero e onde... Agora é mais algum tempo... para poder exibir o meu investimento :D sendo que onde é, não me poderei constipar... Damn!!! ;)

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  2. Eu depois dos 40 fiz duas tatuagens... E não foi uma crise de meia-idade como o autor daquele texto indica. Perdi dois filhos e esta foi uma das formas que eu encontrei para me ajudar a fazer os meus lutos e sinto-me mais "completa" depois de as fazer. Provavelmente quem olha de fora não consegue perceber a dimensão destes rabiscos na minha vida e na minha história pessoal, mas não as fiz para os outros... Fiz para mim...

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    1. É tão simples como este impressionante relato. E explicar algo tão pessoal e tão intenso a quem acha que é uma crise de meia idade?

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