Em Setembro escrevi este texto onde falava da dureza e do impacto da imagem de Aylan Kurdi, o menino sírio que deu à costa morto, tendo sido fotografado numa praia. Essa imagem acabou por fazer daquele pobre menino o símbolo do drama dos migrantes que continuam a morrer na esperança de encontrar uma vida melhor do que aquela que têm no seu país.
Continuo a defender que a foto de Aylan Kurdi tem muita força sobretudo por dois aspectos. O primeiro é o momento. O assunto estava muito quente naquele momento. Praticamente só se falava disso. O segundo aspecto é o próprio menino. Um rapaz branco e bem vestido. Algo que é sinónimo de proximidade para muitas pessoas. Podia ser o filho de alguém, o sobrinho, o primo ou o neto de tantas pessoas que olham para aquela fotografia brutal.
No texto de Setembro peguei numa imagem antiga que consegue ser tão marcante como a de Aylan Kurdi. A imagem é de 1994, da autoria de Kevin Carter e mostra uma criança subnutrida a ser observada por um abutre que parece aguardar pela morte da criança para se alimentar da mesma. A foto ganhou prémios e deu muito que falar. O autor da mesma acabou por se matar e Kong Nyong, o menino da imagem, acabou por morrer anos depois.
Meses depois trago uma nova imagem. Esta actual. Hope (foi o nome escolhido) é um menino nigeriano que foi abandonado por suspeitas de feitiçaria. Com apenas dois anos passou oito meses a viver forçado em restos de comida. Anja Ringgren Loven, uma dinamarquesa a viver em África e fundadora da Fundação para a Educação e Desenvolvimento de Crianças Africanas, encontrou o menino, que tinha vermes no corpo, e acabou por salvar Hope.
Esta imagem (e existem outras com um impacto tão forte como o desta) provavelmente passará despercebida a muitas pessoas. Provavelmente não será tão partilhada nas redes sociais como a de Aylan Kurdi. Tal como poucas pessoas vão saber quem é Anja, qual o trabalho que faz e qual a história desta imagem pois as notícias não são muitas em torno disto.
E poucas pessoas vão olhar para Hope com a sensação de que podia ser um filho, um sobrinho, um primo ou neto de alguém. Vai ser (quase) sempre uma criança que vive num local muito longe de nós. Onde os problemas não nos afectam. Tal como no texto de Setembro, volto a recuperar a temática do texto que anda em torno de que tudo muda quando a imagem tem um menino preto que passa fome num país de nós.
Mas ainda havia dúvidas? E a imagem de Aylan chocou muita gente, no entanto grande parte da população Europeia continua a ser contra os refugiados e que mandá-los de volta (inclusive as crianças) por terem uma religião diferente da "nossa" - está entre aspas porque nem toda a gente tem um religião cristã ou uma religião sequer, mas é a predominante na Europa.
ResponderEliminarClaro que as pessoas não querem saber das crianças negras. Ou das crianças no Médio Oriente que são bombardeadas e mortas com armas nossas. Estão longe, não são como nós (na nossa perspetiva branca), as pessoas não querem saber.
Muitas pessoas são solidárias de ocasião. Dizem coisas porque fica bem quando na realidade pensam o oposto.
EliminarEsta é mesmo uma daquelas fotografias que falam por si. E até tenho ideia que ela está mesmo a correr o mundo, acredito é que, com muita pena minha, o tal fator "timming" de que falas não lhe esteja a dar o mesmo mediatismo que teve a foto de Aylan Kurdi.
ResponderEliminarA foto pode correr o mundo nas redes sociais mas infelizmente não tem o mesmo destaque nas notícias.
EliminarFiquei arrepiada...a consciência dos problemas nunca nos é indiferente. Travamos o pensamento e bloqueamo-lo, queremos levar para longe a realidade que nos apavora e nos angustia...somos uns felizardos sem darmos conta, sem dar valor. Um abraço.
ResponderEliminarTalvez seja esse tal desejo de levar para longe os problemas que nos leva a lidar com afastamento e frieza uma situação como esta que é muito longe de nós.
EliminarAbraço
Só dá vontade de abraça-lo..
ResponderEliminarÉ bom saber que existem pessoas assim. Obrigado!
EliminarChocante. Esta foto Aylan Kurdi, morreu a fugir da guerra. Provavelmente uma pmorte rápida por afogamento. Muito triste sem dúvida. Nas este criança que se vê na foto, é muito mais triste e chocante. Ela foi agonizando durante 8 meses, completamente só numa fase da vida em que as crianças mais precisam de carinho. O seu corpinho é um documento vivo desse sofrimento. Meu Deus como é possível?
ResponderEliminarUm abraço
Mas é um problema que não nos "toca". É uma realidade que não é nossa.
EliminarAbraço
Tem toda a razão! Esta imagem é tão chocante como a outra. Ou mais ainda, porque tem origem numa atitude que culturalmente nos é muito estranha. Mas nós somos humanos e sentimos mais aquilo que está próximo de nós. Aquela imagem do menino deitado na praia criou-me pesadelos, porque me fazia lembrar o meu filho... Somos assim...
ResponderEliminarExiste uma grande proximidade com o Aylan, com o drama de famílias que se colocam num barco na esperança de um futuro melhor. E não há proximidade nenhuma com este "pobre" menino.
EliminarOlá :)
ResponderEliminarSei perfeitamente que o vou dizer é um bocadinho duro, mas é assim que vejo esta questão: Não há crianças mais "preciosas" que outras. O que acontece é que a "questão dos meninos africanos" já foi demasiado explorada pelos media, pelas objectivas, e tornou-se de certa forma tão habitual, uma espécie de cliché que já não choca como deveria. Já devem ter passado quase 30 anos desde a primeira vez que uma ONG usou uma imagem chocante dos meninos subnutridos, numa campanha de publicidade agressiva, que passou nas tv's em horário nobre à hora do jantar, com o objectivo de aumentar a angariação de fundos. Desde esse momento histórico o mesmo recurso foi utilizado ad nauseam, perdendo a sua eficácia, tornando-nos de certa forma imunes, indiferentes, não porque sejamos más pessoas, ou porque a cor tenha influência, mas porque os nossos cérebros possuem a função de desligar da parte consciente, em nome da nossa sobrevivência, o que causa dor e desconforto. E digamos, 30 anos a bater na mesma tecla sem que as ONG's se dêem ao trabalho de comunicar com a mesma intensidade melhorias ou sucessos, apenas a mesma eterna desgraça, é tortura, pura e simples.
Apresentas um ponto de vista muito interessante. E muito obrigado por isso. Mas será que é apenas isso que nos afasta de meninos como este e nos aproxima de dramas como o do Aylan ou como atentados na Europa?
EliminarSó gostava de poder dar um bocadinho de colo a este menino... sei que não é este o foco do teu post mas é a única coisa que consigo pensar.
ResponderEliminar(É um gosto estar de volta! :))
Ainda bem que és assim.
EliminarJá tinha saudades :)
Boa pergunta. Vou tentar responder-te da melhor forma que sei: com absoluta franqueza.
ResponderEliminarAcho que não existe um só factor, mas um conjunto de factores. Pessoalmente sinto o mesmo grau de empatia para com Aylan ou Hope. Talvez no momento inicial o caso Aylan se destaque pelo factor "novidade" pelos motivos que citei anteriormente, afinal é muito recente e novo termos um tão grande número de refugiados em fuga para a Europa. Após o calor do momento, posso afirmar que o grau de empatia é o mesmo: um misto de choque, um desejo de ter poderes para mudar a realidade, um desejo de os confortar, mas com algum distanciamento. O distanciamento é uma defesa no uso da empatia: há milhões de pessoas dignas da nossa compaixão. Não podemos nem aguentamos sentir na alma os males de todas.
Confesso que me senti um pouquinho mais próxima dos atentados em Paris, por exemplo, porque a empatia é um exercício com resultados mais poderosos quantas mais semelhanças encontrarmos. E não se trata de sentir mais compaixão pelos parisienses, é uma sensação diferente, mais do tipo "podia ser eu ou qualquer um dos meus".
Lá está, é a proximidade que nos assusta e que nos comove. O que está longe não aquece nem arrefece.
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