29.5.14

depois admiram-se

A Inês tinha um sonho. Queria ser florista. Era fascinada pelo mundo das flores e um dos seus grandes prazeres era quando estava dedicada aos arranjos. Assim que começou a trabalhar na área de que gostava dedicou parte do tempo livre ao saber. Queria saber como se faziam certos arranjos. Queria também inovar. Estava sempre à procura de novas ideias que pudessem agradar a quem recorria a si para comprar flores.

A paixão e entrega de Inês eram contagiantes. E, com o passar do tempo, existia um número cada vez maior de pessoas que recorriam a si para comprar flores. Muitas pessoas preferiam os seus arranjos. Apenas os seus. Tanto que, quando não estava, acabavam por não comprar flores. Ficava para outro dia. Para outra ocasião. Até porque, além de Inês, apenas mais uma pessoa conseguia fazer arranjos semelhantes.

Porém, o patrão de Inês também vendia pregos. E entendia que Inês deveria vender pregos e não apenas flores, chegando a passar mais tempo a vender pregos do que flores. Apesar de boa parte dos clientes de flores só escolherem aquele local porque era ela quem arranjava as flores. Existiam dias em que os clientes ainda tentavam comprar flores, mesmo quando Inês e a outra pessoa não estavam. “Quero um arranjo destes”, diziam. “Esse não sei fazer”, respondia a pessoa. “Então pode ser um destes”, insistiam. “Pois, esse também não sei fazer”, era a resposta que ouviam, acabando por deixar de comprar flores.

Mas a verdade é que nem isto interessava ao patrão de Inês, que insistia que ela deveria vender pregos. Algo que não fazia contrariada. Se tinha de vender pregos, vendia. Com o mesmo sorriso dos momentos em que vendia flores. Inês sentia que podia ser mais rentável a vender flores mas vendia pregos porque o patrão é que manda. Mandam sempre.

Esta história é verídica. Só não tem uma Inês. Nem flores nem pregos. Mas, o conteúdo não muda. Trata-se de alguém que é muito bom no que faz. Que rende quando está nessa posição. E que atrai clientes. Mas o patrão acha que deve fazer outras coisas. Estar noutro sítio a fazer outras coisas. E não se importa de perder clientes com essa decisão.

Já trabalhei em diversos locais onde os patrões eram adeptos da rotatividade de funções. Mas, se uma pessoa é boa numa coisa e se isso rende dinheiro ao negócio, qual o motivo para colocar o funcionário a fazer algo diferente onde não é tão bom? Teimosia? Birra? Eu é que sei? Não podes ser melhor do que eu? Depois, admiram-se quando os negócios se tornam menos rentáveis. Quando as pessoas deixam de aparecer. E o final desta história é sempre igual. Quando (nas poucas vezes em que isso acontece) quem está acima do patrão tem conhecimento do ocorrido, a culpa é sempre do pobre coitado do funcionário que está no lugar de alguém com melhores qualificações para uma determinada posição. E que (provavelmente) até preferia estar numa função diferente. Esse será sempre o incompetente que destruiu algo.

Lamento que esta má gestão de recursos humanos passe despercebida a quem manda nas empresas. É certo que existem negócios gigantes em que esta má gestão faz apenas (se é que isso chega a acontecer) uma pequena nódoa negra nas contas. Tão pequena que ninguém repara nela. Mas era bom que alguém perto de quem manda tivesse coragem de dizer que uma determinada área poderia render muito mais se fosse melhor gerida.  

20 comentários:

  1. Tão verdade!!!! Mas tão verdade mesmo..... Acho que os superiores, podiam ver que se a Inês não tem jeito para vender pregos, e não a querem a fazer arranjos, então dêem-lhe liberdade... Sejam honestos e corajosos o suficiente para libertarem a Inês dos pregos, e a possibilidade de ela ir fazer arranjos florais em outro lado. Não transformem a vida da Inês, num inferno a vender prelos, e fiquem maliciosamente à espera que ela o deixe de fazer por vontade própria..............................

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    1. O pior é que muitos dos chefes que fazem este tipo de coisas ainda são vistos como sendo os melhores.

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    2. mesmo... são visto como os melhores superiores... e a Inês, é vista como ineficiente, e é considerada um fardo, porque a acusam todos os dias de não vender pregos condignamente..................

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  2. E todos seriamos tão mais felizes! Um desperdício de gente e de oportunidades...lamentável.

    jinhoooooosssss

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    1. É que é a própria empresa que fica a perder com a situação.

      beijos

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  3. É bom mudar e faz parte! Enquanto que o individuo x esta a fazer o que gosta e é bom, o individuo y faz bem o trabalho mas tá desejoso de mudar e muitas vezes 2 pessoas estão em lugares trocados. Para além disso, a razão mais óbvia é estar a trabalhar na mesma função todos os dias, durante 30 anos, não é produtivo. Acredito que há empregos onde os trabalhadores tem novos desafios diariamente, mas também há aqueles (na sua maioria) em que 80% ou 90% do que fazem é igual todos os santos anos.
    Cada caso é um caso!

    viagemdoceviagem.blogspot.com | Facebook

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    1. Percebo esse ponto de vista e em alguns casos faz sentido existir rotatividade. Por exemplo, acho que um segurança não deve estar muito tempo na mesma empresa. Acho que deve ir mudando de lugar, apesar de manter as funções. Por outro lado, não acho bem que um extraordinário chef deixe de cozinhar e vá para a sala fazer de empregado de mesa porque é chef há 30 anos. Será sempre mais produtivo na cozinha, a fazer aquilo de que gosta, do que numa sala a atender clientes, algo que não é a sua função natural.

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  4. Pois.. infelizmente é o pão nosso de cada dia. Se cada um estivesse a fazer aquilo que realemente está vocacionado para, o que nós já teríamos evoluído...

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    1. O pior é que em muitas empresas sobrepõem-se os gostos pessoais, ignorando as qualidades de cada um.

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  5. No mundo empresarial aquilo que descreves é apenas a ponta do iceberg. Existe tanta coisa óbvia e que simplesmente é ignorada por quem tem direito de alterar, implementar, ditar novas regras. Existem demasiadas empresas a não entender que o principal recurso que têm é o humano e que uma equipa motivada é o caminho para o sucesso. Mas fazer o quê? Não se pode abrir a cabeça à malta...

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    1. O pior é que em muitos casos, os donos das empresas nem têm noção das coisas que se passam. Porque não lhes chegam. E poucos vão ver o que realmente se passa com a empresa, junto das pessoas que lá trabalham.

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  6. A mais pura das verdades, mas penso que se os clientes fossem reclamando tal não teria acontecido, e a situação seria revista e mesmo resolvida.

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    1. Eu sei deste caso porque a pessoa contou-me. Os clientes podem não saber que a pessoa não está ali porque não a deixam estar lá. O que a pessoa pode fazer é demonstrar a sua insatisfação. E isso vai originar, provavelmente, uma guerra.

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  7. Infelizmente, essa história reflete a realidade de muitas empresas.
    Trabalho numa empresa, onde os patrões procuram apenas funcionários para fazerem as tarefas como eles querem. Não imaginam e nem querem saber das competências dos funcionários. Infelizmente, devido à situação do nosso país, sou "obrigada" a aceitar estas condições. A frustração é enorme, no entanto, guardo sempre esperança de que algum dia, encontrarei o tal emprego, que me fará levantar todos os dias motivada e com sorriso na cara.
    Bjocas da Bela

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    1. Uma das coisas que mais me irrita é o medo que tentam passar aos funcionários. Do estilo, tens sorte em ter isto e se não quiseres há quem queira. Não aceito isso.

      beijos

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  8. Vivo com a polivalência (como lhe chamam) todos os dias... Temos que saber fazer de tudo, mesmo que isso prejudique a qualidade de atendimento ao público! Isso, porque ser polivalente está na moda! Mesmo sendo um empresa no ramo do comércio, em que o objectivo final (para além do lucro imediato) é que o cliente fique satisfeito e volte. Não entendo porque raio tenho que aprender a pregar pregos (pegando na tua deixa) se sou muito mais produtiva e perfeita a fazê-los, assim como a minha colega, tem que os fazer, se é muito mais produtiva a vendê-los! Claro que num ramo é útil saber todas as fases do processo até chegar ao consumidor final, no entanto ser constantemente rotativo, acaba por reduzir a qualidade do atendimento. Uma vez que a colega que vende muito bem, não pode estar com os clientes que gostam dela porque nesta altura está noutra secção! E mais, temos neste momento uma consultora externa de recursos humanos que resolveu fazer mudanças de 180º (com o consentimento do patrão, que é isso que me deixa mais abismada ainda) na maneira de funcionar das coisas, sem nunca ter trabalhado neste ramo ou saber sequer a funcionalidade de um 'prego'.

    Mas não vamos falar de trabalho que eu ainda estou de férias o resto da semana :)

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    1. Quando trabalhei numa grande loja de desporto vendia calçado. Era aí que me sentia bem e foi aí que a empresa achou que estaria melhor. A loja tinha bicicletas, roupa, suplementos e muitas outras coisas. Tentei aprender ao máximo para me safar nas outras áreas mas sempre que podia escolhia o meu melhor colega dessa área para acompanhar o cliente. Isso era melhor do que não ter respostas para lhes dar e para as pessoas ficarem com má imagem da loja.

      Boas férias :)

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