22.10.15

entrevista com manel cruz

Lancei no blogue o desafio de encontrar a melhor música portuguesa de sempre. A eleição foi da inteira responsabilidade de quem por aqui passa e depois de três etapas de votação destacou-se o tema Ouvi Dizer, dos Ornatos Violeta, editado em 1999, que faz parte do álbum O Monstro Precisa de Amigos. Depois de partilhar o vídeo da música vencedora fui à procura de Manel Cruz, o vocalista dos Ornatos Violeta e o responsável pela letra do tema que ainda hoje apaixona pessoas das mais diferentes gerações.

E foi numa agradável conversa que fiquei a saber como surgiu Ouvi Dizer, que nem é um dos temas preferidos daquele que considero ser um dos melhores talentos nacionais da sua geração. Quais serão os motivos do sucesso de Ouvi Dizer? E porque será que os Ornatos Violeta são um das bandas de culto da música portuguesa mesmo tendo apenas dois álbuns editados? Isto e muito mais numa entrevista que partilho aqui. Por fim, será que os Ornatos Violeta podem vier a ter um novo álbum?


homem sem blogue - Qual a sensação de ver uma música tua eleita como o melhor tema português de sempre?
Manel Cruz - (Risos) É fixe! É bom! Embora as coisas sejam relativas é bom que alguém ache isso (risos).

Esta eleição aconteceu no blogue mas Ouvi Dizer consta sempre nas listas das melhores músicas portuguesas de sempre. Quando a música foi feita deu para perceber que teria este impacto?
Não, de maneira nenhuma. É uma coisa muito difícil de prever e nunca pensei nas coisas dessa maneira. Aliás, as músicas de que mais gosto nunca foram eleitas (risos). Normalmente são músicas que têm determinadas características mas normalmente não são as de que mais gosto.

Para-me Agora é uma das tuas músicas preferidas dos Ornatos Violeta. Mesmo não sendo aquela de que mais gostas é justo dizer que Ouvi Dizer é o tema mais marcante da tua carreira?
Sim. Talvez seja a mais marcante, tal como Capitão Romance. Mas esta talvez tenha sido a mais mediática.

Recuando no tempo. Ainda te recordas o que originou este tema?
Sim. Como é visível na música é uma dor de corno (risos). Um amor espatifado. Não me lembro exactamente do dia em que a fiz mas recordo-me de estar a fazê-la e de mostra-la, ainda sem letra, só com música e melodia ao Kinörm [membro dos Ornatos Violeta]. Era tocada à guitarra, com outra onda mas recordo esse momento.

Há algum motivo especial por detrás da participação de Victor Espadinha?
Foi quase uma questão de humor. Por causa de fazer parte daquele universo Joe Dassin e aquela maneira de declamar com muito ênfase e algo kitsch a que nós achávamos graça. Num ensaio surgiu a ideia de ter alguém a dizer o poema. O Kinörm sugeriu o Victor Espadinha e achámos todos muita graça ao confronto entre o universo da música e a forma da poesia mais enfatizada.

Quais as explicações para que Ouvi Dizer seja uma música tão marcante para tantas pessoas de diferentes gerações?
Não sei. Não consigo identificar isso até porque posso ter uma interpretação pessoal. Tem um formato mais comercial. É uma música algo épica. A letra comunica aquele sentimento de uma forma muito directa e apaixonada. Depois é um ciclo vicioso em que as coisas começam a passar e acabam por ficar. Acima de tudo compreendo a força da música. Se calhar até é uma das razões pelas quais me enjoei um bocado da música. E talvez a forma inflamada como canto e como é tocada. A meu ver não é tão rica de uma perspectiva artística. Se calhar é mais redondinha. Mas é difícil estar a tentar perceber os motivos pelos quais uma coisa fica no goto das pessoas. É complicado.

E em relação aos Ornatos? Tiveram apenas dois álbuns mas são uma banda de culto para diversas gerações...
Acredito que acima de tudo é pela música. A música é comunicação e de alguma forma aconteceu isso e a nossa música comunicou com as pessoas. Não existia uma estratégia de marketing nem tivemos uma grande campanha. Foi o tempo que nos fez chegar onde estamos. Acho que passa por aí, pela comunicação das letras e das músicas e identificação com o que passa.


Ouvi Dizer faz parte do álbum O Monstro Precisa de Amigos que já foi eleito (eleição da rádio Antena3) o melhor das três décadas da música portuguesa. Qual a significado?
É muito bom. Como artista gosto de me sentir sempre fresco e de me refrescar. Não gosto de riscar o passado mas gosto de o deixar onde está. Estas coisas são muito boas e gratificantes e perpetuam algo que já passou. Como artista não dou mais importância do que ser gratificante e pelo gosto de ver algo que fizemos ser reconhecido e ter significado para as pessoas. Fica-se por aí. Porque o meu impulso é arrumar o passado e concentrar-me no presente e no futuro para sentir que continuo com uma forte dinâmica de criatividade. Mas evidentemente que seria mentiroso se não dissesse que sinto felicidade de que aquilo que fiz tem importância para as pessoas.

Este reconhecimento levou pressão para outros projectos musicais? As pessoas tendem a comparar e a exigir algo ainda melhor?
Absolutamente nenhuma. Acredito que o que faço é sempre melhor mesmo que não seja tão mediático. E não comparo o meu presente com o passado. Comparo mais depressa o presente com o futuro. Ou seja, comparo o que estou a fazer com o que queria e pretendo fazer. Para mim o mediatismo não atesta a qualidade do que se faz. Atesta sim o fenómeno social que acho que já não me pertence nem está nas minhas mãos. Vejo tanta coisa mediática de que não gosto e que nem compreendo. Não digo que não tenha valor mas não me compete avaliar e não consigo estabelecer uma ligação entre a parte mediática e a estética. São coisas que acontecem devido a muitos fenómenos. Aquilo a que as pessoas se ligam do meu passado e aquilo que faço no presente são coisas distintas. É quase como uma outra vida e isso não me faz confusão nenhuma.

Em 2012 achavas impossível que os Ornatos Violeta fizessem um novo álbum. Manténs a opinião?
Nada é impossível no universo científico (risos). Mas acho que as coisas têm que ter uma pertinência e uma razão ligadas à nossa vontade criativa. Ainda que existam muitas coisas na vida que nos levam a fazer algo, como a necessidade de sobreviver e ganhar dinheiro. Isto seria perfeitamente legítimo, como outra coisa qualquer. Mas acho que todas as pessoas lutam para ter prazer no que fazem. Por isso, acho que faremos um álbum se for pertinente artisticamente, algo que acho difícil porque temos as nossas vidas e cada um de nós tem projectos e coisas que deseja fazer. Se fosse para fazer um álbum agora acho que nos iríamos juntar para nos deixarmos ir numa corrente que não é propriamente aquela do que queremos fazer.

Estiveste a dar concertos. O que se segue?
Estive a tocar ao longo do último ano. Fiz um apanhado das músicas que fiz e de outras em que estive envolvido inseridas num pacote com algumas coisas novas. Neste momento estou num interregno de música ao vivo. Vou gravar as coisas novas que fiz mas ainda não sei para quê. Se vou fazer um disco ou partilhar na net. Irei continuar sempre a fazer coisas.

O meu agradecimento ao Manel Cruz pela disponibilidade e simpatia durante a conversa. E um agradecimento especial à Turbina (muito obrigado Pedro) por tornar esta conversa possível e também pela cedência das fotografias que dizem respeito à ultima digressão de Manel Cruz.

11 comentários:

  1. Um dia ajudei na preparação do mini catering para o concerto do Manel Cruz (nos Foge Foge), assisti a um pouco do concerto num teatro onde estava a estagiar, mas na altura não liguei, pouco tempo depois puderam-me a ouvir Ornatos e reconheci a voz, desde então que sou fã de Manel Cruz e aquela tarde a preparar umas tostas e algo mais que achei tão "nada a ver com o meu estágio" passou a ser um orgulho ter preparado algo para alguém tão gigante, assim como a tarde que passei a afixar os cartazes do concerto. Ainda tenho um em casa.

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    1. Aí está uma bela história para ser contada e com diversas ilações a reter. Obrigado pela partilha.

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    2. É uma daquelas histórias, cheia de histórias e que vai ficar

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  2. O meu Moço é tipo o fã nº(ainda antes de um) do Manel Cruz. Eu não sou dessas pessoas de idolatrar e querer autógrafos, mas ele é.

    A muito custo lá consegui entrar em contacto com ele para lhe pedir uma surpresinha para o Moço, mas ele (simpático que foi, respondeu) mas com uma nega por falta de tempo. Eu entendo, mas entristeci, pois sei o significado que teria para o meu rapaz...

    HSB, se fores menino para me ajudares a fazer uma surpresa ao Moço e me arranjares um aurógrafo personalizado do Manel faço-te um altar blogueiro, juro :)

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    1. Oi, tudo bem?

      Se quiseres envia-me um email e tento ajudar como puder.

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  3. Não acredito que ainda não tinha lido esta entrevista... Sou fã do Manel Cruz! E das músicas dele, pois claro. ;)

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  4. Eu para ser sincero já não me lembro qual era a surpresa...mas se for um autógrafo é só arranjarmos de passares em qualquer sítio...
    Manel Cruz

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