Vivemos na época do “quase de borla, idealmente de borla”. Ou seja, quem quer contratar algo exige um serviço de excelência. Por exemplo, na minha área, que é a das palavras, procuram-se pessoas que escrevam textos que estejam praticamente ao nível de um Nobel da literatura. Obras magníficas. É isso que se quer. Mas, por outro lado, existe disposição para pagar um valor simbólico – e escolho esta palavra para ser simpático – que na realidade compra menos palavras do que aquelas com que este texto já conta. Esta é a triste realidade. Que se aplica a quase todas as áreas e não apenas à minha. As pessoas procuram serviços de elevado nível que sejam quase de borla, idealmente de borla.
Esta realidade aplica-se também a quem procura emprego e não apenas a um serviço ocasional. Os patrões querem os melhores trabalhadores do mercado. Mas, estão dispostos a oferecer ordenados ridículos. Sei de casos onde são oferecidos 500 euros a recibos verdes. O que é uma verdadeira fortuna quando comparado com ofertas de 200 euros/mês ou valores ainda mais baixos, como zero euros porque, por outro lado, “vais ganhar experiência e é uma boa oportunidade para ti. É um investimento de carreira”, dizem. E quem trabalha por estes valores não se pode dar ao luxo de revelar descontentamento. “Já viste a quantidade de pessoas que nem emprego têm”, é o que ouvem. “Tu és um(a) sortudo(a)”, reforçam.
Os valores praticados levantam diversas questões. Por exemplo, se são praticados é porque as pessoas aceitam. E está é a dura e crua realidade com a qual concordo e que não pode ser ignorada. Um dos problemas dos mercados de trabalho é que existem pessoas que aceitam fazer bons (ou sem qualquer qualidade) trabalhos quase de borla, idealmente de borla. E isto só irá mudar quando as pessoas deixarem de aceitar ordenados de 200 euros por mês. Porque, enquanto aceitarem estes valores, eles vão ser oferecidos. E amanhã passa para os 150 euros. E se alguém aceitar este novo valor, passará a ser praticado e usado como regra. “Ofereço-te 150 euros por mês. Aceitas?”, “Não!”, “Não faz mal, há quem aceite”. E esta, quer se queira ver ou prefira ignorar, é a realidade dos mercados de trabalho.
E isto está ligado com o medo. Algumas pessoas aceitam receber 200 euros por mês porque não se podem dar ao luxo de dizer que não. Porque a realidade é que esse montante faz toda a diferença na vida da maior parte das famílias portuguesas, mesmo que seja o único rendimento da pessoa. E o medo faz com que digam que sim, mesmo que existam pessoas a dizer que não aceitam e que acabam por ser postos de parte pela recusa. E este medo é aproveitado ao máximo por quem procura um serviço ou um empregado. Medo esse que chega a andar de mãos dadas com a chantagem. Que é feita a muitos trabalhadores. Que estão dispostos a tudo para não perder um emprego. Mesmo que seja de merda e mal remunerado.
E tudo isto é um ciclo sem fim à vista. Cada vez mais conheço histórias de pessoas que estão no meio de tudo o que referi. Que se sentem entre a espada e a parede. Aceito um ordenado de merda ou tenho a coragem de dizer não e arrisco ficar eternamente à espera de algo justo, que poderá nunca chegar? É triste mas é uma realidade da qual poucos conseguem escapar.
Estive três anos e meio a receber entre 150 € a 300 € mensais, sem direito a sub. ferias nem subs. Natal.... Pagava eu gasolina e qualquer outra despesa associada a trabalhar fora. Fui muitas vezes humilhada... Mas tenho duas filhas para criar.
ResponderEliminarUm abraço
Sandra
Lá está, as pessoas acabam por não ter hipótese. E se recusarem, há quem aceite. E isto é um ciclo sem fim.
EliminarBeijos
PS: Trabalhava das 9h às 18h. Era um trabalho que aos olhos de alguns seria muito bom e bem remunerado, mal sabiam eles...
ResponderEliminarSandra
Acho que algumas pessoas têm a ilusão de que certos empregos são muito bem remunerados mas não têm qualquer conhecimento.
EliminarÉ uma pescadinha de rabo na boca...as pessoas desesperam pelo que permitem que isso aconteça. E isso só acontece porque as pessoas permitem e depois outras desesperam...enfim.
ResponderEliminarÉ algo que não tem fim.
EliminarFalando de emprego contratual existem coisas que não entendo, por exemplo: se um patrão não consegue pagar mais que o salário mínimo e quer um bom trabalhador, porque não o contrata a meio tempo? Não se pode achar justo pedir a um bom profissional que trabalhe 40 horas por semana e receba uma miséria. "Áh, mas tenho trabalho, para o dia inteiro" então, se há trabalho, porque não pagar mais?
ResponderEliminarPorque há quem aceite. Infelizmente, é mesmo assim. E a crise é sempre uma boa desculpa. Até para quem não a sente.
EliminarEu ainda não tenho filhos a cargo mas se arrebito cachimbo no meu trabalho estou tramada. Eu e o meu marido trabalhamos no mesmo sitio e já não éa primeira vez que somos prejudicados por isso. Um vir-se embora (por sua vontade ou da empresa) até dava, mas numa empresa tão "familiar" (mas apenas nos maus hábitos) não iriam saber separar as coisas e vinha logo o outro atrás. E a empresa claro que não iria separar as coisas porque até hoje nunca o fez.
ResponderEliminar2 desempregados já não dá. Também comemos e gostamos de ter eletricidade, gás e água em casa.
Somos obrigados a trabalhar lá e continuar à procura de melhor...
Esses casos são ainda mais complicados. Acho que fazem bem em estar empenhados no que fazem, procurando algo melhor.
EliminarAndo a ver se mudo de emprego. Tenho imensa experiência e Licenciatura. E há bem pouco tempo recusei uma oferta, que me queriam fazer ver que era espectacular, onde me queriam pagar 600€. Meu Deus. Eu disse redondamente que não, e principalmente depois de me terem dito que, a empresa em causa tinha milhares de € de volume de negócios. É uma vergonha. Mas é como dizes, enquanto houver malta disposta a baixar as calcinhas, tudo o resto é que se lixa... Mas eu não aceitei. E não me arrependo. Mantenho a fé e a esperança de que ainda há empresas que valorizam os seus recursos humanos. Poucas, mas há. E mal de nós se perdermos toda a esperança... Nesse dia mais vale desistir.
ResponderEliminarSou como tu. E só pondero um valor um pouco mais baixo caso seja um projecto pessoal muito aliciante. Mas não condeno quem não se sente em condições de recusar. Mas a verdade é que enquanto aceitarem, os valores vão continuar a baixar.
EliminarJá conheci pessoas que trabalhavam abaixo dos mínimos de dignidade e nem era para comer, mas sim para terem coisas superfulas. Não condeno, mas fazer de escrava apenas para poder ir a restaurantes caros, fumar e ter roupas de marca? Os novos escravos são pessoas giríssimas, pelo menos, quando saem do trabalho é todo um outro mundo que os espera. (atenção, tenho noção de que é um pequeno nicho, mas existe).
ResponderEliminarÉ claro que existe. Por exemplo, alguns jovens que vivem com os pais pensam apenas no momento. E esse momento, como não têm despesas com casas e afins, é ter dinheiro que pague a roupa e as saídas à noite. Trata-se de um nicho mas existe.
EliminarRevejo-me tanto neste texto. :O
ResponderEliminar