gorila vs refugiados (pessoas)

Num passado não muito distante foi notícia o gorila que foi abatido no zoo de Cincinatti depois de ter agarrado uma criança que caiu para o recinto do animal. Ia proteger a criança? Ninguém sabe. Ia matar a criança? Também ninguém sabe. Este acontecimento gerou diversas notícias. Algo mais do que normal. Até porque o tema dá origem a diversas questões. Porque caiu a criança? O que estava a fazer a mãe? Porque o animal foi abatido a não sedado? Deve o animal morrer por causa da falta de atenção de uma mãe? E por aí fora.

Como seria de esperar surgiram diversas vozes que se insurgiram contra a morte do animal. Como seria também de esperar foram escritas diversas notícias sobre o assunto. E isto não é exclusivo de Portugal. É algo mundial. Aconteceu aqui. Em Espanha. E no outro lado do mundo. Mas parece que as pessoas estão proibidas de ter compaixão por um animal que morre não tendo culpa do motivo que origina a sua morte. Parece que as pessoas são seres menores porque revelam interesse pela causa animal. Aliás, mal da pessoa que tem a coragem de dizer que “quanto mais conhece as pessoas, mais gosta de animais”. Ainda bem que já não existe Inquisição senão estas pessoas acabavam todas na fogueira. Malditos aqueles que gostam de animais.

E sempre que uma causa animal é notícia surge sempre alguém que diz: “então e os refugiados que morrem?” Para este tipo de pessoas não existe mais nenhum problema no mundo que não passe pela morte dos refugiados, um drama que infelizmente não é de hoje. Um drama que infelizmente é quase diário. Mas que também tem sido notícia. Que também tem tido destaque mediático. E, muito sinceramente, não percebo esta comparação. Uma pessoa só pode ter compaixão pelos refugiados? Não pode ter por mais causa nenhuma? Muito menos se envolver animais que são vítimas de erros de terceiros.

É quase a mesma coisa do que aquelas pessoas que passam a vida a dizer “existem problemas mais graves do que esses”. Isto é verdade. Mas aplica-se praticamente aos problemas com que todas as pessoas têm de lidar. Tenho os meus problemas. Se existe quem tenha piores? Certamente que sim! Mas isto não me impede, nem pode impedir, de estar preocupado com os meus problemas. Em muitos casos mais do que com os problemas dos outros. Isto é o mais normal que existe. E não significa que as pessoas sejam monstros que não têm compaixão pelos problemas dos outros.

Pessoas que odeiam animais e que gostam de pessoas: vocês também odeiam algumas pessoas e preferem outras, certo? Passa-se o mesmo com alguém que gosta mais de determinados animais do que de determinadas pessoas. Ou serei obrigado a gostar de uma pessoa que tem compaixão pelo drama dos refugiados mas que passa o dia a maltratar as pessoas com quem lida diariamente? E que maltrata animais? É melhor pessoa porque presta atenção ao drama dos refugiados e partilha fotos deste drama nas redes sociais?

Não sei se será pedir muito mas era bom que as pessoas que odeiam animais parassem um pouco para pensar nas comparações que fazem e nas tentativas de colocar tudo no mesmo saco. Uma pessoa que fica indignada com a morte de um animal não é obrigatoriamente uma pessoa que não presta atenção ao drama dos refugiados. Nem é melhor pessoa por estar atenta aos dois dramas. Simplesmente está atenta a diversas realidades. É tão simples quanto isso.

PS - Até porque isto é um efeito bola de neve. Se do gorila saltamos para os refugiados também podemos saltar dos refugiados para a jovem que foi morta (queimada viva) pelos pais porque casou em segredo. E daqui saltamos para aquela que foi morta por várias pessoas porque recusou casar com um homem que tinha o dobro da sua idade. Já para não falar das violações que ocorrem a um ritmo alucinante e das crianças que morrem de fome. Infelizmente os problemas são mais do que muitos. E ninguém é melhor do que ninguém por prestar mais atenção a determinado tema.