Ontem tinha tudo para ser apenas mais uma segunda-feira. Mais um dia de trabalho com uma reportagem fora da redacção. Mas não foi. Quando cheguei ao trabalho cruzei-me com o fotógrafo e amigo que ia fazer o trabalho comigo. “Já sabes? O nosso Hugo morreu!”, diz-me. “Como? Não pode!”, reagi. “Sim, morreu. Foi uma pneumonia atípica”, explicou-me.
E foi assim que fiquei a saber da morte de Hugo Correia, um dos mais talentosos fotojornalistas que Portugal conheceu nas últimas décadas. Uma pessoa humilde, inteligente e que conseguia animar e fazer rir a pessoa mais sisuda que possa existir. Partiu cedo demais. Ficou muito para fotografar na sua vida. Muito por viver. Muito por fazer. Como disse um outro amigo meu: “este ano está a ser fodido para os bons.” E está mesmo!
Quando soube da notícia fui imediatamente consumido pelos clichés que não o são. Pelos murros no estômago que a vida nos dá. Que a vida é curta demais para não ser vivida. Que a nossa existência acaba de um momento para o outro. E que tudo isto nos deve obrigar a viver ao máximo dedicando a menor das atenções a tudo e a todos que não passam de uma pequena merda que nos tenta atrapalhar, distrair e/ou aborrecer. A verdade é que 90% dos nossos problemas não merecem a atenção que lhes damos. E cada vez mais tento ter isto presente na minha vida. Diariamente e não apenas quando as notícias são más.
O dia foi passando. Cheguei a casa mais tarde do que o normal. Ligo a televisão e na SIC Radical está a dar um episódio de Chefe Misterioso (versão do Canadá). Para quem não sabe o que é, trata-se de um programa em que os chefes fingem ser trabalhadores e passam dias a executar diversas funções das grandes empresas de modo a conhecer o trabalhadores, aquilo que pensam da empresa e a própria realidade da empresa que é impossível de conhecer num gabinete de luxo onde tudo e todos não passam de números.
Este episódio era sobre uma empresa de transportes. E a chefe esteve com uma pessoa responsável por conduzir um metro, com um funcionário que reparava, por exemplo, as cadeiras que as pessoas estragam, com uma funcionária da limpeza e também com outra mulher que trabalhava de noite e que tinha por missão limpar os autocarros, abastecer os mesmos e verificar os níveis dos líquidos. E foi esta última que me emocionou mais.
A determinado momento a chefe pergunta-lhe porque trabalha de noite. “Porque vivo com três familiares, os meus pais e uma avó, todos com mais de setenta anos e todos doentes. Preciso dos dias para ir ao médico com eles e para cuidar deles”, explicou. Curiosamente, tanto a mãe da chefe como daquela empregada eram esquizofrénicas. A conversa continuou e a funcionária, sempre de sorriso estampado no rosto e brilho nos olhos, disse que gostava de voltar a estudar e que gostava de subir na carreira. “Porque não estudas?”, perguntou a chefe (que finge ser uma funcionária). E a resposta foi algo do género. “Não tenho tempo para sonhar”, disse. E voltou a sorrir. “Há vidas muito piores do que a minha”, acrescentou.
Mais uma vez fui consumido por tantos clichés que, mais uma vez, não o são. Admiro estas pessoas que têm vidas realmente complicadas. Pessoas que dizem com naturalidade não ter tempo para sonhar. Pessoas que vivem ao máximo com o pouco que têm. E que sabem relativizar tudo aquilo que nada lhes acrescenta à vida. Cada vez mais tenho a noção de que é assim que se deve viver. Com aquilo que temos. Agradecendo o que temos. Lutando pelo nosso melhor. E sem prestar atenção a tudo o que é acessório.
todo o teu texto é um murro no estômago... e um lembrete do que realmente se deve dar importância... Dos principios básicos que às vezes são esquecidos com a correria do dia a dia que normalmente nem nos leva a lado nenhum...
ResponderEliminarQue os lembretes sejam constantes na vida das pessoas.
EliminarSem dúvida, costumo dizer que a vida custa a todos, mas sem dúvida que custa mais a uns do que a outros.
ResponderEliminarE não, não temos todos as mesmas oportunidades.
Haja alegria e casal garcia :-)
É isso mesmo :)
Eliminarconcordo inteiramente com as suas palavras e se me deixar, subcrevo-as integralmente. Anda meio mundo a lixar outro meio só com a ambição de terem mais , e mais e mais...há muita falta de humildade
ResponderEliminarPrefiro ser tratado por tu, pode ser?
EliminarExiste muita falta de humildade.
O teu último parágrafo? É por aí, o caminho é mesmo esse, só pode, só deve ser esse.
ResponderEliminarO mundo pequenininho de quem se compraz em prejudicar o Outro, que fica feliz quando humilha, magoa, destrói- sim, por vezes tem esse poder - esses só merecem pena, o tal sentimento pior que se pode ter por alguém.
O murro no estômago não é cliché, é isso mesmo que sentimos sempre que a vida nos prega partidas, aquelas que nunca esperamos e que, afinal, também nos batem à porta.
A morte não é uma inevitabilidade? Mas é, e será sempre - particularmente em alguns casos - motivo de espanto, de estranheza.
Saibamos viver cada momento, cada segundo, esse é o segredo.
Saibamos viver cada momento com o que é nosso e não a pensar no que é dos outros.
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