6.6.16

a geração dos setecentos

Já utilizei o blogue para criticar alguns programas de televisão que considero nada acrescentarem aos canais onde são emitidos. Mas também gosto de elogiar aquilo que considero ser bem feito. E ontem deparei-me com uma reportagem que considero bastante interessante. E que falava sobre o desemprego dos licenciados.

Vi uma jovem que tendo um mestrado estava a estagiar e a ganhar pouco mais do que o ordenado mínimo. Uma mulher que apagava dados do curriculum de modo a tentar conseguir entrevistas de emprego. Mulher essa, se não estou em erro, que fazia limpezas para ter dinheiro. E um rapaz que entre o tempo em que a reportagem foi feita e emitida acabou por saber que não lhe renovavam o contrato de trabalho e que passaria a desempregado.

Reportagens destas colocam o dedo na ferida. Numa ferida a que as pessoas preferem não prestar atenção. Porque envolve formação e anos de estudo, a estratégia das empresas para rodar os colaboradores de modo a poupar dinheiro, os ordenados que são oferecidos e muitas outras coisas. A geração daqueles que começam agora a conhecer o mercado de trabalho tem tudo para ser uma espécie de geração dos setecentos. Que é mais ou menos o número de euros que levam para casa ao final do mês. E que continuam a levar para casa passado algum tempo.

E isto dá para muitos debates. A começar pelo valor. Porquê setecentos euros? Porque há quem aceite este dinheiro. E enquanto assim for irá continuar a ser pago este valor. “Não queres? Há quem queira. O que não falta são candidatos”, dizem. E as pessoas aceitam. Aqueles que batem o pé a estes valores chegam a casa com os “valores morais” mas sem trabalho e sem ordenado. Depois podem discutir-se as qualificações dos empregados. Existem aqueles que são muito bons na teoria mas que nada valem na prática. Existem os que são muito bons na prática mas que na teoria deixam um pouco a desejar. Acredito que os segundos “desenrascam-se” melhor do que os primeiros mas acredito também que aqueles que contratam querem uma mistura perfeita (e barata) de ambos.

Não sei para onde isto caminha. Mas não evito sorrir quando ouço alguém dizer que as pessoas devem estudar cada vez mais porque isso dá conhecimento e valorização. Isto na teoria é perfeito e muito correcto. Na prática não acontece. “Desculpe mas o senhor tem qualificações a mais para o que procuramos e para o que queremos pagar”, dizem. A valorização pessoal não está em causa mas raramente anda de mãos dadas com a valorização monetária, aquela que todas as pessoas ambicionam.

E é pena olhar para o mercado profissional e não perceber qual o destino, ou a próxima paragem, do mesmo. Olho para a minha área e quase que choro. Despedimentos atrás de despedimentos. Ordenados baixos. Exigências extremamente elevadas. Olho para outras áreas e vejo o mesmo. Por mais que as pessoas se reinventem. Por mais que tentem algo novo. O mercado de trabalho é uma selva que devora quase todos. É certo que sempre foi assim. Mas antigamente era uma selva com valores mais elevados. Agora é uma selva barata que mastiga e cospe a maioria dos jovens dos setecentos euros.

10 comentários:

  1. Excelente texto Bruno. Há que louvar quem põe o dedo no ferida e concordo contigo. Não sei para onde isto caminha...

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  2. Qualquer pessoa que estudou não tem qualificações a mais, o que existe é necessidade a mais e abuso demais, isso sim.
    Terminei o secundário e não entrei na faculdade no curso que quis, fui trabalhar dois meses depois de ter completado os 18 anos e até hoje 21 anos depois), estive do desemprego duas vezes, uma voluntária e outra involuntariamente (porque decidi ser mãe colidiu com os interesses da empresa que me acolhera durante 10 anos).Um processo de despedimento colectivo e um "castigo" para pressionar e lá me vim embora, contrariada.
    Não tenho "estudos" quase nenhuns, já estive a ganhar um excelente vencimento e hoje em dia, com dois filhos, tenho de me sujeitar a uns míseros trocos para poder estar no mercado de trabalho. Sim, trocos, gasto cerca de metade do meu ordenado para ir trabalhar, a mais de 35km de casa e sem transportes alternativos. Gasto além de dinheiro, tempo precioso que poderia dedicar aos meus filhos, tempo que sinto escapar-me, que me foge por entre esta vida de pressas.
    A podridão do sistema permite que os "grandes" decidam que setecentos euros é até um bom vencimento, seja para o mais qualificado como para o menos, nem importa. O que importa é que o sistema permite. E a necessidade do povo, voltando ao inicio, assim o alimenta.
    E é tão triste.

    (mais uma vez, desculpa o testamento)

    Mimos ;)

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    1. Obrigado pelo testamento ;)

      Isto é uma bola de neve. Se pagam valores de merda é porque há quem os aceite. E quem os aceita define o valor de mercado. Se dois não querem mas uma dúzia aceita sem hesitar e até aceita menos para ficar com o emprego só vai estar a lixar o mercado.

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  3. Olá :)
    Tocaste num tema que me é muito caro. Do muito que poderia dizer sobre este, escolho dizer o seguinte: acredito que a solução passa por vários caminhos, um deles sendo a forma como nós (sociedade) encaramos a educação. A educação tem sido vista como um caminho para um destino laboral, o que a meu ver é errado. Deveria estar mais ligada à formação da pessoa enquanto tal e não somente enquanto futuro trabalhador em determinada especialização. Talvez contribuísse para que tivéssemos uma sociedade de pessoas altamente educadas em todos os estratos.
    Em seguida há que valorizar e nivelar a importância de todos os trabalhos, tanto a nível de salário como de estatuto. Porque se fossemos todos engenheiros estaríamos bem tramados, não?! Precisamos de todos, e temos que nos despir do preconceito contra muitos empregos. Esta coisa dos "senhores doutores" e do status é, a meu ver, muito terceiro mundista.
    Se efectuássemos estas mudanças não haveria qualquer problema em alguém descobrir que tremendamente feliz a fazer limpezas, nem a sentir-se diminuído por tal mesmo com um doutoramento.

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    1. Há muito que olho para a formação como valorização pessoal. Porque na realidade é isso mesmo.

      Até porque a maioria das empresas não valorizam nada. Até dizem que é valorização a mais.

      E o que me incomoda é, por exemplo, ir a uma empresa que ganha milhões ao ano e saber que a oferta passa por 500 euros a recibos verdes. E saber que estão lá diversos candidatos loucos para ganhar aqueles 500 euros quando todos deviam perguntar: "está a gozar comigo?".

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    2. Acredita que não é só a ti que incomoda! É revoltante que seja legal oferecer um salário que não é de todo suficiente para uma pessoa ser independente e ter uma vida condigna.
      E eu que gosto de pensar nas possíveis soluções, não vislumbro mudanças enquanto não se reformular por completo as políticas salariais, apoiadas numa legislação inequívoca. É uma iniciativa que terá que partir do governo e dos legisladores, porque se depender das empresas e dos trabalhadores que por vários motivos aceitam parcas remunerações, isto nunca terá fim.

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    3. Por muito que custe dizer isto, os jovens devem tentar a sua sorte lá fora.

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  4. Uma selva que está a tornar-se demasiado próxima e real. Acabo este ano a minha licenciatura na área da saúde (Cardiopneumologia), este ano fiz estágios em diversos hospitais e todos dizem o mesmo: "precisamos de mais gente" mas abrir concursos público para contratar não acontece.
    E depois, saber que uma empregada doméstica ganha tanto ou mais ao fim do mês do que um técnico de saúde ou enfermeiro é muito desmotivador. Não digo que não mereçam o ordenado que ganham, mas quem trabalha em saúde merece mais!
    E enquanto o nosso país se recusar a dar valor aos licenciados que forma existem muitos por aí que nos querem e que dão valor à nossa educação.
    Gostava muito de encontrar um bom trabalho aqui numa área que goste, mas não me vou prender com ilusões, se não há aqui o passo seguinte é fazer as malas e seguir viagem o destino é o que oferecer melhores condições de vida e de trabalho.

    B

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    1. Por muito que me custe, tenho de concordar com a tua aposta no estrangeiro. É triste mas é o melhor.

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