29 de Abril. Aproximadamente 21 horas. Sinto uma sensação muito estranha, sem qualquer dor, na perna direita, enquanto jogava futsal. Horas depois, já no hospital, o diagnóstico revela o pior cenário possível: uma ruptura total do tendão de Aquiles. Seguiu-se uma semana, já com gesso na perna, à espera de operação. Sou avisado que dia 4 de Maio tenho de estar no hospital bem cedo. Tenho a ilusão de ser operado nesse dia. Algo que não acontece. No dia seguinte não prometem mas acabam por me operar. E no dia depois desse regresso a casa, novamente com gesso na perna.
Seguiram-se seis semanas, com uma consulta pelo meio, a desejar ver-me livre do gesso. A desejar começar a usar a bota walker que me permitia caminhar sem muletas e com o tendão protegido. Além disso retirar o gesso significava uma liberdade diferente em coisas tão simples como tomar banho. E ainda dar início à fisioterapia. Quando esse momento chegou foi a minha primeira grande alegria. Inicialmente, por uma questão de equilíbrio e adaptação à bota, fui aconselhado a usar a bota auxiliado por muletas. Acabei por perder o medo e passei a andar só com a bota. Mais um momento de alegria.
Seguiram-se pequenos passos como começar a pedalar. Começar a fazer força no pé. Até que fui desafiado pela minha fisioterapeuta a passar a ir para a fisioterapia com ténis mas auxiliado com muletas. Mais uma vez o objectivo era fazer força no pé. Coxeava muito mas assim fiz. Mais um momento de alegria. Tal como a autorização para conduzir, apenas de casa até à clínica (uma das coisas que mais desejava para que o meu pai não tivesse que estar sempre dependente dos meus horários), com uma distância considerável para outros carros e sem grande velocidade, tudo isto para evitar movimentos bruscos com o pé. Uma travagem brusca poderia correr mal e ser bastante dolorosa para o pé/tendão. Voltar a conduzir foi mais um momento de liberdade bastante saboroso. Nunca tinha valorizado tanto a condução. Nem mesmo quando tirei a carta.
E assim tem sido a minha vida. Um pequeno passo a cada dia. E quando têm de ser dados. Sem qualquer pressa. Dou o melhor na fisioterapia e fico à espera das palavras da fisioterapeuta. Esta semana acreditava que a minha alegria ia ficar pelo início dos agachamentos e outro exercício em que fico em bicos de pés e depois apoiado nos calcanhares e ainda pelo novo ângulo na bota walker. E isto já era motivo de alegria para mim. Era mais um pequeno passo dado na minha evolução rumo à recuperação total.
Até que ontem, ouço algo como isto, da boca da minha fisioterapeuta. "Bruno, vamos começar a andar na rua sem a bota, ok? Mas para já com uma muleta. É melhor. E para aqui vens sem nada. Porque já reparei que aqui coxeias menos sem a muleta", disse-me. Expliquei que o coxeio por medo e por defesa. Pois quando ando perto de um espelho e noto que estou a coxear altero logo o andar sem qualquer dor. Numa altura em que vou na sessão 37 (de 60) da fisioterapia ouvi aquilo que mais queria. A autorização para andar na rua com dois ténis e sem a bota, que muito útil foi ao longo de semanas e que fez de mim um pequeno robocop para quem toda a gente olha a tentar adivinhar o que se passa: será que ele anda sempre assim? Será algo provisório? Dúvida que normalmente apenas as crianças esclarecem.
Por isso, está na altura de dizer adeus à bota. Adeus à minha fiel companheira das últimas semanas. O único objecto – ao longo de todo este tempo – que me fez sentir seguro. Com a bota sentia que o tendão estava totalmente protegido. Era o efeito psicológico ideal. Agora serei obrigado a enfrentar novos medos relacionados com coisas tão simples como subir escadas. Mas também serei obrigado a acabar gradualmente com o coxear. Acabou-se o calça a bota, descalça a bota e calça o ténis para conduzir. Descalça o ténis e calça a bota para andar e por aí fora. Isto porque a bota tem cinco tiras com velcro e ainda tem um sistema de ar que torna a bota mais confortável.
Hoje é o dia em que deixo de usar bota. É o dia em que vou começar a lutar contra novos medos. Que vão ter de ser vencidos um a um, como tantos outros até agora. Acima de tudo é um dia feliz. A recuperação total ainda vai longe mas este passo faz com que pareça que está já ali ao dobrar da esquina. Agora, vou só ali cantar (e dançar) esta música. "Because I'm happy. Clap along if you feel like a room without a roof. Because I'm happy. Clap along if you feel like happiness is the truth. Because I'm happy. Clap along if you know what happiness is to you. Because I'm happy. Clap along if you feel like that's what you wanna do".