Ao longo dos anos que levo como jornalista habituei-me aos mais diversos tipos de entrevistas. Desde as livres, sem tabus até às condicionadas, com temas proibidos, passando ainda pelas encomendadas (desenganem-se aqueles que pensam que estas últimas não existem). Habituei-me a entrevistar pessoas numa conversa a dois (apenas eu e o entrevistado) e a entrevistar pessoas numa conversa a três ou mais (quando a conversa é escutada pelos agentes ou assessores ou agentes e assessores).
E sempre preferi as conversas a dois. São as melhores de todas. Mesmo com temas em que o convidado diz apenas "não tenho nada a dizer sobre isso" ou "não quero falar sobre esse assunto". Algo que, enquanto jornalista, só tenho de respeitar. Até porque se estivesse do outro lado também gostaria de ser respeitado. De resto, não gosto de entrevistar pessoas que não sabem responder a nada sem olhar para o assessor ou agente à espera de autorização para responder a perguntas, em alguns casos, banais. A conversa perde a essência e a naturalidade. É algo formatado e sem piada nenhuma.
Ao longo dos tempos habituei-me também a entrevistar pessoas que têm todo o tempo do mundo para conversar e pessoas que ainda mal chegaram e já estão a dizer que estão atrasadas para ir embora. E também pessoas para quem tenho pouco mais de dez, quinze minutos. Isto normalmente acontece com artistas internacionais. As conversas não costumam ser condicionadas a temas mas o tempo costuma ser contado ao relógio. Algo que o entrevistador sabe previamente e que permite preparar uma conversa para o tempo estipulado.
Além disso, existem conversas e conversas. Não em termos de qualidade mas de disponibilidade. Existem pessoas mais acessíveis e outras com quem é mais complicado agendar uma conversa. Ou porque dão poucas entrevistas ou por outro motivo qualquer. Como é o caso de Cristiano Ronaldo, que não tem por hábito conceder entrevistas com frequência. É algo pontual. Nestes casos, e sabendo que o tempo está (acredito que deverá estar) limitado, é natural que o entrevistador tente sempre esticar um pouco mais uma conversa. Isto é algo que se aprende a fazer de modo a ter mais probabilidade de ser bem sucedido.
E foi isso que aconteceu recentemente ao jogador português que concedeu uma entrevista um pouco mais informal (apesar de ser em torno do futebol) à agência desportiva SNTV. O jornalista foi fazendo perguntas e mais perguntas quando o tempo já tinha acabado. Cristiano Ronaldo, com educação, foi respondendo. Algo do desagrado do(s) assessor(es) que o acompanhavam e que desejavam que a conversa terminasse. Isto acabou por gerar algum desconforto junto do futebolista e esse momento foi gravado (podem ver o vídeo aqui).
"Eu não mando nada. Ele está a fazer-me perguntas", explica Cristiano Ronaldo a quem o acompanha. "Queres que seja bruto com o homem?", pergunta, numa conversa em português. "Vocês é que têm de fazer essa parte. Acaba, acaba", explica em alusão ao momento em que uma conversa deve terminar. "Não vou ser eu a ser estúpido para as pessoas", conclui. Perante as palavras de Cristiano Ronaldo consegue ouvir-se (mal) alguém que lhe dá como conselho levantar-se e acabar com a conversa.
Vamos supor que Cristiano Ronaldo até seguia o conselho da pessoa e começava a levantar-se quando entendia que a conversa tinha acabado. Passava a ser o mau da fita, o arrogante que acaba entrevistas a meio. Ou vamos supor que começa a tratar mal a pessoa que lhe tenta fazer mais perguntas. Mais uma vez é o arrogante que trata mal os jornalistas e que vê a sua imagem posta em causa.
O papel do assessor não é condicionar a conversa. É fazer com que a mesma corra bem. Até porque mal de pessoas como Cristiano Ronaldo se, nesta fase da vida e carreira, não souberem o que responder a uma pergunta, por mais embaraçosa que possa ser. E o papel do assessor não é este triste espectáculo à frente do jornalista que resulta num vídeo que é notícia em todo o mundo. É alertar o jornalista, de forma mais ou menos discreta, de que o seu tempo acabou e que se trata da última pergunta. Este triste espectáculo deve ser o último recurso e em casos extremos, o que não parecia ser o caso, até pelo teor da perguntas: uma sobre o novo treinador, outra sobre Sérgio Ramos, uma sobre a ida de Gerrard para os Estados Unidos e a última sobre o seu contrato.
Existem pessoas que são muito bem remuneradas e que só atrapalham as carreiras das pessoas para quem trabalham. No caso de Cristiano Ronaldo isso não se aplica porque existe uma carreira muito forte que será sempre superior a qualquer assessor. Mas muitos artistas (actores, cantores e por aí fora) menos mediáticos conseguem arruinar carreiras graças às pessoas que os rodeiam e que só querem ganhar dinheiro. Muito mais do que ganhar dinheiro enquanto promovem uma carreira e uma boa imagem, algo que deveria ser uma prioridade.
Ainda assim, e no fundo, estão apenas a fazer o seu trabalho.
ResponderEliminarMas convém que seja bem feito.
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