29.10.20

a "estupidez" de ter de usar máscara ao ar livre

Por mais que tente, não irei perceber como é que o uso de uma máscara ao ar livre (em casos específicos) pode gerar tanta indignação. Como é que isto pode indignar ao ponto de haver quem grite que estão a dar cabo dos nossos direitos. Percebia isto caso fosse uma obrigação numa altura em que Portugal não lidasse com nenhuma pandemia.

Posto isto, ontem fui dar uma corrida pela minha zona. A primeira desde que o uso de máscara ao ar livre (quando em situações em que não é possível manter a distância social) passou a ser obrigatória. E devo dizer que acabei a corrida feliz. Foi o dia em que vi mais pessoas a usar máscara. Foi o dia em que vi pessoas com maiores cuidados. A desviarem-se de outras para uma distância de segurança. E fiquei satisfeito pois acho que isto é bom para todos.

Até que hoje me deparo com as imagens da multidão que decidiu ir ver as ondas gigantes da Nazaré. Um espéctaculo de grande beleza que já tive oportunidade de ver a nível pessoal e também profissional. Nada tenho contra quem lá quer ir. Acho que fazem muito bem. Mas creio que não custa nada terem o máximo de precaução. Vi imagens de pessoas a monte, sem máscara.

São comportamentos destes que nos colocam em risco. São comportamentos destes que nos levam a bater recordes no número de casos diários. São comportamentos destes que levam a que seja impossível circular entre concelhos durante alguns dias. São comportamentos destes que podem vir a fazer com que muitos passem o Natal sozinhos. E também com que fiquemos (novamente) fechados em casa, sem rendimentos com ou rendimentos reduzidos. E obrigados a fechar negócios que eram o sonho de uma vida.

Não sou apologista do medo. Aliás, acho que devemos fazer o possível para manter uma vida normal, não descurando coisas básicas que nos protegem. Não gosto de olhar para um caso errado (por exemplo, a multidão da Nazaré) e justificá-lo com outro erro (por exemplo, o comportamento das pessoas no Grande Prémio de Fórmula 1). Mas acho que todos ficamos mais descansados com um gesto simples: uso de máscara. E quem passa por situações de risco, daquelas em que fica com o coração nas mãos, agradece o facto de usar máscara e ter testes negativos.

27.10.20

esta coisa do "não és minha, não és de mais ninguém"

 Com uma frequência muito maior do que a desejada, todos nós lidamos com notícias que envolvem crimes passionais. Escrevo este texto depois de saber que um homem matou a ex-companheira, de quem estava separado há uma semana, com tiros de caçadeira. Depois, ter-se-á tentado matar com a mesma arma, mas sem sucesso. O que não deixa de ser curioso...

Na semana passada, foi um homem, emigrante na Suíça e de férias em Portugal com a namorada, que deu mais de dez facadas à namorada em pleno hotel. Tudo por causa de uma crise de ciúmes. Poderia passar mais uns largos minutos a recuperar histórias, mas estas duas, que nunca deveriam ter acontecido, chegam para falar do que me leva a escrever este texto.

E basicamente, nunca percebi o que leva alguém a matar outra pessoa. Tudo por causa de ciúmes. Ou mesmo de uma traição. Acaba-se uma vida e estragam-se mais umas quantas porque alguém não quer continuar numa relação? Porque teve um caso com outra pessoa? Porque se fartou de uma relação tóxica? Se pegar na minha primeira questão, já não vivia ninguém neste planeta. Afinal, quem nunca lidou com um desgosto amoroso?

É uma tristeza que em 2020 ainda existam notícias destas. Que não são exclusivas de Portugal. São, infelizmente, prática comum em muitos países. E, ao contrário do que muitos pensam, também existem homens que são vítimas. Tendemos a olhar para este problema como sendo algo contra as mulheres, mas é uma triste realidade que atinge homens e mulheres. E não importa quem sofre mais com isto: se eles ou elas. O que interessa é que isto acabe. De vez.

A verdade é que lidamos com tantas notícias destas que acredito que isto acaba por assustar ainda mais todas as pessoas que são vítimas de violência doméstica e que fazem parte de relações tóxicas. Olham para estas notícias e acreditam que lhes irá acontecer o mesmo caso tentem acabar a relação. E provavelmente vão passar uma vida, ou mais uns largos anos, num sofrimento silencioso que ninguém merece.

É bom que as pessoas percebam, de uma vez por todas, que não são donos de ninguém. Eles não são donos das mulheres. Elas devem perceber que não são inferiores a eles e que não precisam deles para serem felizes. Se são infelizes, mudem de vida. Ninguém é dono de ninguém. E a violência nunca será solução para nenhuma relação.

16.10.20

será que vai mesmo #ficartudobem?

Recordo-me dos primeiros tempos da pandemia. Dos emotivos vídeos que chegavam de Itália, com pessoas a partilharem música para a vizinhança. Dos aplausos que homenageavam estes e aqueles. Dos aplausos. E até das bonitas bandeiras, quase sempre pintadas por crianças, em que se podia ler algo como vai ficar tudo bem. Mais se seis meses depois de o vírus ter chegado a Portugal, pergunto: será que vai mesmo ficar tudo bem?

Já estivemos fechados em casa. Já ficamos sem empregos. Já fomos obrigados a fechar negócios que eram o sonho de uma vida. Trabalhamos de casa. Estamos com horário reduzido e vencimento cortado. Vamos acumulando dívidas. Vivemos com receio de sermos infectados ou de infectarmos alguém. Já choramos a morte de pessoas por causa desta doença. Já fomos privados de dizer um último adeus a alguém especial por causa desta doença. Mas parece que não pensamos em nada disto.

O #vaificartudobem deu lugar ao #queropossoemando e ao #façoaquiloquebementender. Agora, que se lixe (mas com f) a solidariedade. Que se lixem (igualmente com f) os pedidos que nos fazem. Usar máscara ao ar livre, quando estou junto de outras pessoas? Era o que mais faltava. Ninguém manda em mim. Instalar uma aplicação que não tem qualquer problema para nós? Nada disso! Ninguém me espia, dizem aqueles que têm todas as redes sociais e mais algumas instaladas nos smartphones.

Se nos dizem para fazer, recusamos. Refilamos e falamos mal de tudo e de todos. Se deixam ao nosso critério é porque não sabem mandar nada e só atrapalham. Se dizem para não fazermos algo, fazemos. É a triste realidade em que vivemos num dia em que voltamos a bater o recorde de número de infectados em Portugal.

Bem sei que esta doença não é o maior bicho papão com que temos de viver. Mas tem vários problemas associados. Que temos conseguido evitar até ao momento. Estou a falar de hospitais entupidos de doentes. De pessoas (mais debilitadas) acamadas que necessitam de cama e ventilador durante muito tempo, fazendo com que (em casos extremos) se tenha de escolher entre quem vive e quem morre. Sendo o critério (frio) sempre o mesmo: o mais novo, por mais irresponsável que tenha sido.

Estão a pedir (obrigar) para usar máscara ao ar livre. Estão a pedir (obrigar) a instalar uma simples aplicação. E como não tenho memória curta, tenho presente na memória que ao meu pai foi pedido (obrigado) que fosse para uma guerra que não era sua. E não havia espaço para lamentos nem nada do género. Era calar, ir, sobreviver e tentar voltar sem mazelas físicas ou psicológicas.

Por isso, esqueçam lá essa coisa do #vaificartudobem. É giro para usar nas redes sociais e para pendurar na varanda lá de casa. Na realidade, continuamos a ser umas "bestas" com olhos centrados no nosso umbigo.

14.10.20

ninguém está livre da covid-19. e do suicídio?

Ao longo dos últimos meses, e com uma incidência cada vez maior, todos temos ouvido palavras como: "ninguém está livre da covid-19". E concordo totalmente com esta ideia. Não é preciso muito, ou grandes desleixos, para que uma pessoa possa apanhar o vírus que mudou a forma como olhamos para o mundo e como vivemos.

Por outro lado, nunca ouço ninguém dizer que ninguém está livre do suicídio. E se penso desta forma em relação ao coronavírus, também defendo este modo de pensar em relação à decisão de colocar um ponto final na própria vida. E é disto que me recordo sempre, assim que me deparo com a notícia de que alguém optou pelo suicídio. Como aconteceu agora com Tony Lemos, que todos associamos de imediato aos Santamaria.

Se há coisa que me assusta é entrar numa espiral depressiva que acabe com o pior cenário de todos. E acredito que ninguém está livre deste perigo. Que é dos piores de todos. Porque as pessoas tendem a isolar-se e a esconder aquilo por que estão a passar. E tudo vai ficando cada vez pior, a ponto de se acreditar que a única, e melhor, solução passa por colocar um ponto final na vida. Por mais bela que seja e por mais episódios bonitos que estejam a ser escritos.

Por isso, passo por aqui para deixar um apelo a todos. Estejam atentos a todos os que vos rodeiam. Não descurem qualquer sinal de alerta. Não tenham vergonha de perguntar se está tudo bem. Não tenham receio de que a pessoa fique chateada com vocês por insistirem na pergunta. Se é verdade que pode não ser nada, é igualmente verdade que podem estar a salvar alguém. Podem ser os responsáveis por impedir uma triste história que acaba com palavras fofinhas no Instagram a questionar: "como foste capaz de fazer isto" ou "ninguém imaginava".

6.10.20

afinal, quem é que poupa dinheiro com o teletrabalho?

 Estou em teletrabalho há largos meses. Há mais de seis. E este texto não é um lamento em relação a esse cenário. Porque, verdade seja dita, prefiro estar a trabalhar no conforto do meu lar do que estar a fazer 80 quilómetros diários de carro. Sem esquecer, e aquilo que é mais importante, que posso estar perto da minha filha. Mesmo tendo em conta que não lhe posso dedicar toda a atenção durante o horário de expediente.

Apesar disto, já dei por mim a pensar na realidade do teletrabalho. Afinal, quem é que poupa dinheiro com este cenário? Os trabalhadores? Os patrões? Ambos? Já vi algumas reportagens sobre este tema. Todas elas centradas no trabalhador. Numa delas, uma pessoa dizia, por exemplo, que estava a poupar dinheiro porque não almoçava fora diariamente. Pensei: será que não come em casa as refeições que deixou de fazer fora?

Vou pegar no meu exemplo. Como referi, faço 80 quilómetros por dia. Esta é uma poupança para mim. O carro tem menos desgaste e não passo tempo no trânsito. Podia incluir o valor do combustível, mas é algo que não se aplica no meu caso. Mas mesmo tendo isso em conta, esta é a verdadeira poupança para mim. A partir daqui é um misto de cenários.

Por exemplo, gasto muito mais electricidade, água e gás. A minha profissão obriga-me a ter a televisão ligada durante o trabalho. Tenho o meu computador sempre ligado. Quando, em condições normais, tanto eu como a minha mulher estávamos a sair de casa entre as 7/8 da manhã e chegávamos ao final da dia. Durante essas horas, a casa não tinha qualquer despesa.

Também passei a comprar mais comida para ter em casa. Mesmo levando marmita quatro dias por semana para o trabalho, dou por mim a gastar mais dinheiro no supermercado do que normal. Poupo também os 8 euros semanais que me custava o único almoço que fazia fora. E os cêntimos do café que bebia (quatro vezes por semana) no Pingo Doce, com desconto do cartão cliente.

É certo que tenho algumas poupanças, mas não tantas como às vezes parecem querer mostrar. Por outro lado, dos patrões não se fala. E aquilo que eu gasto em electricidade, água e desgaste de computador, é o que eles poupam. Multiplicando por um número grande de trabalhadores. E disto ainda não vi ninguém falar. Volto a dizer, isto não é uma crítica a ninguém. É apenas uma constatação de factos.