30.1.17

padaria portuguesa vs pepsi (portugueses de primeira e de segunda)

Recuando um pouco no tempo encontra-se uma polémica que teve como protagonistas a Pepsi, apenas a sueca, e Cristiano Ronaldo. Na altura, e porque Portugal e Suécia disputavam uma vaga para o Mundial de 2014, surgiu uma imagem em que um boneco estava preso à linha do comboio. Imediatamente foi feita uma (normal) associação a Cristiano Ronaldo. Embora o boneco não tivesse o seu nome, as cores do equipamento e o número da camisola faziam uma colagem a Cristiano Ronaldo.

E o que aconteceu? Todos perceberam que era algo sem piada. Mas existiram portugueses que foram mais longe. Existiu um apelo ao boicote à bebida, elevando o nome da Coca Cola. Perdi conta ao número de pessoas que falou da Pepsi como a pior bebida do mundo. “Nunca mais bebo” e “é por isto que gosto mais da Coca Cola” são apenas dois exemplos de coisas que se ouviram. Já para não falar dos comerciantes que já não queriam comercializar a bebida.

Agora é tempo de recuar até à semana passada. Um dos sócios da Padaria Portuguesa deu uma entrevista que se tornou viral devido às suas ideias em relação ao mercado de trabalho. A ideia que fica é a de que o mercado de trabalho seria melhor se as pessoas trabalhassem mais tempo e se fosse mais fácil despedir as mesmas. Outro dos temas da entrevista foi o salário mínimo que parte dos funcionários recebem.

E o que aconteceu? Algumas pessoas acharam que o empresário está cheio de razão. Li algures, por exemplo, que até pagam muito bem. Outras pessoas detestaram aquelas palavras. Acharam absurdo aquele modo de pensar. E tal como aconteceu com a Pepsi, também está a ter lugar um apelo ao boicote à Padaria Portuguesa. Existem pessoas que acham absurdo o lucro que têm em relação ao modo de pensar de um dos sócios.

Comparando um caso com o outro, um boicote com o outro, existem duas situações, dois modos de pensar. Os portugueses que apelaram ao boicote à Pepsi são portugueses de primeira. São patriotas elevados ao expoente máximo. É de gente desta que Portugal necessita. Já aqueles que apelam ao boicote à Padaria Portuguesa são portugueses de segunda. Bem vistas as coisas, são uns filhos-da-puta que só pensam no seu umbigo e que não se conseguem colocar na pele do patrão ou do empresário que arrisca a vida para ser feliz num negócio.

Achei exagerado o boicote à Pepsi. Mas na altura ninguém foi criticado por colocar a Pepsi toda no mesmo copo. A acção foi da responsabilidade da Pepsi sueca mas parecia ser uma campanha mundial. Agora a crítica é no sentido oposto. Malvados aqueles que gostavam que a Padaria Portuguesa tivesse menos clientes após aquele episódio de que muitos não gostaram.

De resto, acho piada às pessoas que olham para os empregados como máquinas que só servem para determinada função. E que devem estar dispostos a trabalhar de sol a sol por meia dúzia de euros. Isto porque o patrão está a arriscar muito. E porque chegará (mesmo nunca chegando) o dia em que o patrão irá distribuir o lucro pelos funcionários. E aqueles funcionários que não toleram isto são vistos como maus empregados. Como pessoas que não se colocam no lugar do patrão.

Se existem maus funcionários? Existem! Muitos. Mas o que espera uma empresa que tem condições para pagar mais mas opta por pagar o mínimo possível aos funcionários? Querem que os funcionários estejam dispostos a dar a vida por uma empresa que conhece pelos números de funcionário? “Não queres? O que não falta são pessoas que gostavam de estar no teu lugar” é um dos muitos argumentos de grandes patrões deste País. E isto, independentemente de se discutir o brio de cada um, é um dos motivos pelos quais as pessoas acabam por não se sentir ligados a uma empresa. Algo que acontece quando são bem tratados e quando sentem que são tratados de forma justa.

A Padaria Portuguesa não será o pior patrão de Portugal. Tal como a Pepsi não era a pior bebida do mundo. A Padaria Portuguesa não é uma pessoa. Tal como a Pepsi não é uma campanha de mau gosto. Tal como um mau patrão não faz com que todos sejam. E um mau funcionário não faz uma classe. Mas é bom que algumas pessoas percebam a realidade do mercado de trabalho português antes de fazer dos funcionários os maus da fita e dos patrões vítimas destes bichos do demo que mal gostam de trabalhar.

4 comentários:

  1. No início deste ano despedi-me por sentir que não respeitavam os funcionários e por terem a mentalidade que temos de trabalhar muito e receber pouco só porque estamos no início de carreira. Felizmente encontrei um novo lugar para trabalhar onde me parecem ter mais respeito e nos dão melhores condições de trabalho. Há patrões e patrões.
    Um beijinho grande*
    Novo blogue! Crazy Cat Lady

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    1. Os patrões não são todos iguais. Nem os maus funcionários. Só que pedem aos funcionários para se colocar no lugar do patrão mas ninguém pede aos patrões para se colocarem no lugar dos empregados.

      Beijos

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  2. Olá :)
    Trazes um tema que daria para encher resmas e resmas de papel! Pano para mangas!
    Quando assisti aos comentários do empresário da Padaria Portuguesa, os tais que deram origem a todo o celeuma, fiquei furiosa e desiludida. Furiosa porque acho que a nossa legislação ainda está muito aquém de defender condições verdadeiramente dignas para os trabalhadores, especialmente para os "da base da pirâmide", aqueles que auferem o salário mínimo, e todas as outras situações de precariedade. Então ouvir alguém a defender uma perspectiva que visa diminuir ainda mais a segurança, a qualidade de vida dos trabalhadores é claro que me enfurece!
    Desiludida sobretudo por estas ideias a serem disseminadas, defendidas por alguém da nossa geração. Há década e meia quando andei a tirar o meu curso e tinha cadeiras como gestão de empresas e liderança e negociação já se defendia é o caminho é dos líderes, não dos patrões à moda antiga, que as únicas situações favoráveis são aquelas "win-win", em que ambos os lados saem favorecidos. Então por alminha de quem se continua a ver gente, e ainda por cima relativamente nova, a defender conceitos pouco evoluídos?!
    A relação laboral é como qualquer outra relação, um tango, em que é preciso dois para dançar: ambos os lados têm deveres e direitos. É preciso é ajustar o fiel da balança, para que os direitos e deveres de ambos sejam equiparáveis, na mesma conta e medida.

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    1. Olá! :)

      É o que temos. E o que mais me irrita é que se tente dar a volta à situação para dizer que afinal existem pessoas que até são boas e os funcionários é que têm má vontade. Porque, por exemplo, não aceitam horas extra que não sejam remuneradas.

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