24.11.15

puta de doença

O cancro é uma puta de uma doença. Que não escolhe idades. Que rouba vidas e sonhos a crianças. Que faz com que os mais velhos percebam que afinal não estão tão prontos para a sua partida como imaginavam e diziam estar. Que mete muito medo. Sobretudo a quem tem de lidar com ele. Quem tem de travar a luta de uma vida. E também, de uma forma diferente, a todos os que rodeiam a pessoa que luta pela vida, muitas vezes numa batalha desigual e com armas diferentes.

Quando se sabe que alguém tem cancro, como aconteceu agora com Sofia Ribeiro, existem diversas reacções. “Coitado(a)”, é uma das mais populares entre as pessoas que rodeiam. Existe compaixão por todas as pessoas que têm de lutar contra o cancro. “Nem quero imaginar o que está a viver”, é outra das reacções que as pessoas costumam ter. E estas são provavelmente as reacções que acontecem em maior número.

Felizmente nunca tive cancro. Mas já disse coitado ou coitada em diversas ocasiões. Por pena e compaixão das pessoas. Porque ninguém deve ser obrigado a entrar numa luta destas. Muito menos crianças que mal nasceram e pessoas tão jovens que mal tiveram tempo para sonhar em condições. Por outro lado, não posso dizer que sei o que está a viver quem luta contra o cancro, porque nunca o vivi. Mas tive um caso, o da minha mãe, bem perto de mim. Por isso sei o que é viver com medo de perder alguém que amo por causa desta puta desta doença.

Hoje, quando li que Sofia Ribeiro luta contra o cancro da mama recordei-me do momento em que a minha mãe disse que suspeitava que tinha algo. Recordo-me de estar sentado no hospital à espera que a minha mãe saísse do consultório e revelasse o que tinha. Recordo-me da satisfação por saber que podia ser operada e que não existia risco de se espalhar pelo corpo. E recordo-me disto não me tranquilizar.

Isto para dizer que vivi com muito medo de perder a minha mãe. Medo que roubava noites de sono. Que impedia que fosse possível concentrar-me no que quer que fosse. Que fazia com que temesse cada chamada telefónica da minha mãe por não saber o que poderia ouvir. Medo das horas, que pareceram dias, que durou a operação. Impotência para lidar com as sessões de quimioterapia que a deixaram fraca. E muita alegria quando tudo ficou resolvido.

Acredito também que o medo que senti, e que sentem todos aqueles que rodeiam um doente oncológico, é ainda mais agudo na própria pessoa. Pois certamente têm medo de morrer. Certamente receiam deixar tanta coisa por fazer e tantos sonhos por realizar. Certamente temem não ter forças para combater a doença ou não ter armas iguais para lutar contra ela. E de certeza que tirando a voz do médico não existe mais ninguém, por mais simpático e motivador que seja, que consegue tranquilizar um doente oncológico.

E de uma coisa estou certo pois foi isso que aprendi com a doença da minha mãe. O pior que se pode fazer a um doente oncológico é ter pena dele e trata-lo como um coitadinho. Porque isso vai assustar ainda mais a pessoa. As pessoas precisam ser animadas. Precisam de mensagens positivas. Precisam de que todos tentem fazer com que se esqueça da doença. Quero acreditar até que uma parte da cura passa mesmo por aí. E isto é algo que nenhum comprimido consegue oferecer. Tem de partir das pessoas.

4 comentários:

  1. Infelizmente esta puta de doença tem sido fatal para todos os membros da minha família que a tiveram. Ainda ontem levou mais uma pessoa que apesar de não ser familiar, era muito próxima, a melhor amiga da minha mãe e no mês passado o meu sogro, 3 meses depois do diagnóstico.
    Ainda bem que cada vez são mais os casos de sucesso, de remissão, pois ajuda a guardar a esperança viva.
    Lembro-me da tua aflição quando a tua mãe foi atingida por este monstro pernicioso, lembro-me do momento em que ficaste aliviado e anunciaste que ela tinha ganho a luta.
    Tens razão, também acho que os doentes não gostam de ser apelidados de coitados, até porque não o são. Coitado é aquele que é vítima...e eu só vejo é lutadores por entre os doentes oncológicos, guerreiros e guerreiras que só merecem o nosso apoio e a nossa admiração, nunca a pena.

    http://thelusofrenchie.blogspot.pt

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    1. Infelizmente alguns familiares morreram. Felizmente, a minha mãe sobreviveu. Acho que o pior que se pode fazer a um doente destes é fazer com que não se esqueça de que é doente. O objectivo deve ser, por mais complicado que seja, o oposto.

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  2. Felizmente também nunca passei por isso, e é verdade que essa é uma das coisas que nos sai da boca sem pensar, mas imagino que seja muito complicado e duro para quem passa por isso.

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    1. Muitas pessoas não fazem a maior parte das coisas por maldade.

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