20.10.15

o exemplo de rúben neves

Não sou do Porto. Sou do Benfica. Mas durante muitos anos fui um menino que jogou futebol alimentando o sonho de ser jogador profissional de futebol e, como não podia deixar de ser, de envergar a camisola do clube do meu coração. Fui alimentando este sonho mas não tenho problemas em assumir que não terei feito tudo aquilo que podia para chegar mais longe. E os motivos para isto são os mais diversos.

Recordo-me de complicações quando um clube me quis levar de outro. E não esqueço de que este clube, de que muito gosto e que me conseguiu contratar, cortou-me as pernas quando tive oportunidade de mudar de clube, obrigando ao pagamento de qualquer coisa como 150 contos para que o pudesse fazer. E também não me esqueço de que este clube, que me cortou as pernas (como se diz na gíria do futebol) marimbou-se para mim na altura mais complicada para um jovem jogador que é a transição de júnior para sénior. Acabei por arranjar clube (por mim) mas depois queriam que fosse emprestado para esse clube. Algo que recusei, acabando por me transferir.

Este é apenas um exemplo de algo que me fez perder algum encanto por este mundo. Pelo menos seu lado mais sério. A isto junto treinadores que não percebiam nada de futebol e que favoreciam amigos em detrimento de jogadores de qualidade. E enquanto miúdo vi jogadores mais velhos com lugares cativos em clubes fazendo com que se perdessem jovens jogadores que acabam por se fartar das injustiças. E enquanto miúdo que sonhava ser jogador profissional fui perdendo encanto quando descobria que até nos clubes mais pequenos se davam oportunidades a estrangeiros sem valor e que ganhavam muito mais do que os jovens portugueses.

Fiz caminhadas à chuva para não faltar a treinos. Os meus pais fizeram muitos sacrifícios para me acompanhar (sem interferir pois nem sequer gostavam de conversas com treinadores) nos jogos e para que pudesse estar presente em todos os treinos. Os meus pais pagaram muitos tratamentos. Ajudaram muitos colegas meus. Dei o máximo na lama e a jogar com equipamentos ensopados porque não existiam equipamentos para mudar ao intervalo. Raramente joguei na relva. Raramente ganhei dinheiro para jogar. Fiz dezenas e às vezes centenas de quilómetros para treinar e jogar. E dei sempre o máximo. Sempre motivado e com um sorriso nos lábios.

Apenas as injustiças fizeram com que o meu sonho se fosse perdendo sem grandes mágoas nem lamentos. E isto que acabei de escrever acredito que é facilmente reconhecido por largos milhares de jovens jogadores que têm um sonho semelhante ao meu. Jogadores que ouvem treinadores dizer que são a última opção, que ouvem que têm de nascer mais dez vezes para jogar e que assistem a muitas outras injustiças como a aposta em jogadores sem qualidade mas que garantem comissões a alguém. Apenas para dar um exemplo que todos facilmente compreendem pelo mediatismo, o que seria de Bernardo Silva, um jogador que tem meio mundo atrás de si, se ficasse mais dois ou três anos a jogar em divisões inferiores ou nem isso? Provavelmente acabava, como tantos outros, por se perder passando ao lado da carreira que está a construir.

Comecei este texto por dizer que não sou do Porto. Mas é com orgulho que vejo Rúben Neves, um jovem português de apenas 18 anos, capitanear os azuis e brancos passando a ser o mais jovem capitão do Porto nas competições europeias. E sinto orgulho porque sei que isto é um exemplo de motivação para milhares de jovens que estão a dar tudo para que um dia possam envergar a camisola e capitanear a equipa do seu coração. E nesse sentido, Rúben Neves é um exemplo de que vale a pena acreditar que é possível. Dou este exemplo por causa da braçadeira de capitão e porque é um jogador que joga com regularidade mas podia falar de Nelson Semedo e Gonçalo Guedes, dois jovens que brilham no clube do meu coração, ou de William Carvalho, que também já faz parte do leque de capitães do Sporting e que vem sendo opção desde que Leonardo Jardim teve coragem de apostar em si.

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