3.9.15

amizades inesperadas

Esta semana de fisioterapia tinha tudo para ser apenas mais uma. Não querendo desvalorizar o que lá faço e os novos exercícios, como por exemplo fazer agachamentos apoiado apenas na perna direita ou começar a andar em bicos dos pés, seria apenas mais uma semana de fisioterapia. Mas não está a ser. Tem sido uma semana completamente diferente das restantes. E já lá vão muitas semanas de tratamentos.

Esta semana conheci um amigo inesperado. Um rapaz, cujo nome prefiro não revelar, que tem quase 23 anos e que infelizmente tem problemas. Rapaz esse que acompanha a mãe que está a efectuar tratamentos e que, por causa do filho, costuma ficar no lado dos homens e que costuma dividir o gabinete comigo. E aquilo que poderia ser um problema para outras pessoas é um motivo de alegria para mim.

Terça-feira cheguei à clínica um pouco antes das nove horas. Como é habitual cumprimentei as pessoas e sentei-me à espera da minha vez. Para passar o tempo recorri ao telemóvel. Foi então que reparei no rapaz. Pouco tempo depois sentou-se ao meu lado. Mesmo colado a mim. Não me disse nada. Limitou-se a observar-me. Foi ter com a mãe. Pouco tempo depois voltou. Sentou-se colado a mim. E meteu conversa. Perguntou-me se tinha facebook. Disse que sim. Disse-me o seu nome para o procurar mas sendo um nome comum foi uma missão complicada. Decorou o meu nome e disse à mãe qual era. A mãe explicou-me que gosta de ver imagens e efectuou o pedido de amizade. Desde então que este meu amigo não me larga.

Fala do facebook. Acompanha-me para todo o lado. Toca-me na bochecha e pede-me para fazer a mota (aquele movimento com os lábios que as crianças costumam fazer) e pede-me para encher as bochechas com ar. Além disso falamos de praias, de autocarros, de calor (o meu) e frio (o dele), de dinheiro e de muitas outras coisas. Mete-se com a fisioterapeuta e tira fotos. E também me pede para tirar fotos. Estando comigo no gabinete durante o tratamento, não deixo de achar curiosidade que não me fale da perna nem da tatuagem que tenho na mesma. Na minha ignorância entendo que poderia chamar a sua atenção. Mas prefere brincar comigo, chamar-me malandro e dizer que também é malandro.

Quarta e quinta-feira fui recebido na porta da clínica com um caloroso abraço por parte deste meu amigo. Que também se despede de mim com abraços. Algumas pessoas reparam nisto. Já conversei com um senhor que costuma fazer fisioterapia comigo e abordamos a temática de que não deve ser uma situação fácil de gerir. Ouço também alguns comentários de pessoas que dizem ser uma situação chata. Que o rapaz consegue ser chato. Dizem-me que calhei na rifa. Mas não vejo as coisas assim.

Se ele faz coisas que dispensava fazer? Sim! Não gosto de "andar" de mota e digo-lhe que a dele é muito melhor do que a minha. Mas não recuso fazer-lhe as motas que me pede. Não recuso brincar nem conversar com ele. Não recuso os seus abraços (quem é que não gosta de um abraço apertado, sincero e sem segundas intenções?) nem o afasto. Aceito aqueles minutos e deixo-me levar pelas brincadeiras dele. Passo a ser uma criança igual a ele durante os momentos em que se mete comigo.

Se o podia afastar? Podia. Se o podia ignorar? Podia. Mas o que ganhava com isso? Nada. E não sendo nada de extraordinário, sinto que naqueles breves minutos sou útil ao meu amigo. Sinto-me útil. E recebo abraços apertados como se fosse meu amigo de infância. E bem vistas as coisas, acho que aprendo mais com ele do que ele aprende comigo. Onde as outras pessoas conseguem ver apenas aborrecimento eu vejo uma lição. E momentos de brincadeira. Por isso, obrigado meu amigo.

18 comentários:

  1. Fiquei comovida a ler este texto :,) Deves ser uma excelente pessoa!

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    1. Sou o mais normal que existe. Tenho apenas paciência e tento colocar-me no lugar das pessoas. ;)

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    1. Se o ignorasse ele deixava de existir? Não! Deixava de estar ali? Não. Uma opção era fazer com que se sentisse ainda mais excluído. Outra opção é aproveitar a sua companhia. E esta é muito melhor.

      Não consigo explicar a sensação de chegar à clínica e ele estar à porta à minha espera para me dar um abraço.

      E ouvir a fisioterapeuta contar que lhe perguntaram do que ele gosta e ele responder: gosto do Bruno.

      Enche o coração de qualquer um.

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    2. A tua maneira de ser é muito especial por isso é muito fácil gostar de ti! Esse teu amigo vai sentir a tua falta quando estiveres a 100% e deixares de ir à fisioterapia, por isso... aproveita todos esses encontros, por ele... e por ti!
      Beijinhos

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    3. Não sou nada especial. Sou um no meio de tantos outros. Acho é que devemos perder alguns minutos da nossa vida a pensar em algo mais do que o nosso umbigo.

      Beijos

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  3. Há pessoas especiais que nos fazem sentir especiais, e isso é sempre tão bom de se sentir :)

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    1. É por isso que digo que acho que ganho mais eu do que ele com este convívio :)

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  4. E por tudo isso, que é tanto para esse teu amigo, obrigada por seres como és.
    Continuação das melhoras.

    Abraço, bem merecido.

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  5. Olá, sou mãe de um jovem de 16 anos que é tal como o seu amigo é diferente, o meu menino, que já não é assim tão menino, tem Síndrome de X-Frágil.
    Fiquei tocada por este texto, pois esta situação poderia passar-se com o meu filho (sem determinados comportamentos mais infantis, mas igualmente "chato" por vezes) e é muito bom ver as pessoas a conversar com ele, sem se focarem demais na diferença. Adorei que lhe chame amigo e a sua naturalidade em aceitá-lo como ele é.
    O meu filho ia gostar de si se o conhece-se, eu gosto :-)
    Já agora, e relativamente a outro post, mando-lhe muita força para ultrapassar esses medos malvados que o rodeiam. É perfeitamente compreensível que os tenha, mas acredito se vai ser mais forte que eles e vai voltar a fazer algo que pelo que conta lhe dá muito prazer.
    Mando-lhe um forte abraço, pois um abraço é muito mais recheado de carinho do que um beijo.

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    1. Olá Filomena, tudo bem? Muito mas mesmo muito obrigado pelo teu testemunho (e prefiro que me trates por tu, pode ser?).

      Eu podia ignora-lo. Podia afasta-lo. Podia dizer para não me chatear. Mas o que ganhava com isso? Chego à clínica por volta das 8h45. Tenho a companhia dele até às 9h05/10. Porque não aproveitar? Porque não brincar com ele. Conversar com ele. Só tenho a ganhar com isso.

      Não censuro que não tem paciência para ele. Porque é uma clínica onde as pessoas estão lá porque têm algum problema físico. Caso contrário não estavam ali. Mas se temos de estar ali, porque não aproveitar os momentos. E neste caso, porque não fazer com que este meu amigo se sinta inserido e passe o tempo de uma melhor forma. Enquanto está comigo está a rir e isso chega.

      Como referi, não censuro quem não tem paciência. Mas acho que não custa nada levantar a cabeça e tirar os olhos do nosso umbigo durante alguns minutos.

      Obrigado pela força. Quero acreditar que o pior já passou e que estou na recta final da recuperação. Muito mas muito obrigado :)

      Devolvo o forte abraço e acrescento um beijo.

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  6. A sensibilidade e humanidade não está ao ao alcançe de todos. Parabéns!

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    1. Ainda hoje falava com um fisioterapeuta sobre isso. E dizia-lhe: "o que ganho em não falar com ele e não fazer nada. Até porque o tempo não é muito e estamos ocupados os dois". E o fisioterapeuta falou-me nessa sensibilidade e lamentou que nem toda a gente compreenda essas coisas.

      Obrigado

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  7. Ainda volto só para acrescentar um pequeno nada. Desde que visitei o teu blogue apercebi-me, por pequenas coisas, que eras uma pessoa diferente, quando digo diferente é no sentido de não te limitares ao teu próprio umbigo. Tenho um certo feeling para "adivinhar" pessoas assim - costumo dizer que são pessoas com pessoas dentro, ou seja, não são ocas de sentimentos e sensibilidade - e isto é extremamente gratificante. Se dúvidas houvesse, a tua reacção/comportamento com esse teu amigo tinha-as dissipado.

    Beijinho, uma vez mais.

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    1. Isso deixa-me sem jeito. Porque sou apenas mais um. Não sou melhor do que ninguém. Sou aquilo que sou e isso é do mais normal que pode haver.

      Mas muito obrigado pelas tuas palavras.

      Beijos

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