19.2.15

(des)encontros (capítulo seis)


João acabara de se despedir. Encaminhava-se para a porta enquanto pensava que finalmente tinha tido coragem para tomar uma atitude com a qual apenas sonhara e que nunca julgara ser capaz de concretizar. E quando pensava no dia em que dissesse ao chefe que não aturava mais as suas atitudes acreditava que seria consumido imediatamente pelo arrependimento. Porém, caminhava em direcção à porta do escritório com uma sensação de liberdade que não sentia há muito. Mais do que orgulho pessoal pelo que tinha feito, acreditava ter tomado a decisão certa.

Já na rua, lembrou-se de enviar uma mensagem para Jorge, o seu melhor amigo. “Queres ir jantar ou beber um copo logo?”, perguntou. Minutos depois a resposta. “Sabes que dia é hoje? Nunca queres combinar nada durante a semana. O que se passa contigo?”, foi a resposta. “Sei que dia é hoje. E sei que não te costumo convidar para nada durante a semana. Aliás, recuso os convites que me fazes. Mas preciso de falar contigo. Se quiseres jantar, agradeço a companhia”, escreveu. “Chinês do costume, às 20 horas, para recordar os bons velhos tempos enquanto bebemos uma garrafa de Grandjó?”, perguntou Jorge. “Está feito. Até logo. Beijos”, gracejou como era seu hábito.

Durante o resto do dia evitou o contacto com a família. A decisão que tinha tomado a quente, mas da qual estava seguro, fazia com que temesse uma reacção negativa da parte da família. Como tal, decidiu ir para casa. Quando chegou entregou-se à Playstation e ao jogo GTA V. Aliás, jogar mata mata online era a melhor forma para lidar com os momentos em que estava preocupado, chateado ou em que tinha algo a matutar na cabeça. Minutos depois fartou-se e decidiu ir correr na marginal. Vestiu-se, colocou o relógio no pulso e prendeu o iPod shuffle aos calções. Há meses que não mudava as músicas que considerava ideais para correr. Optou pelo modo aleatório e saiu de casa.

Ainda no elevador fazia alguns alongamentos e cantava como se estivesse num local ao qual ninguém tinha acesso. Contudo, a meio da viagem, e sem que se apercebesse, o elevador parou. No momento em que cantava uma das suas músicas preferidas para correr – Fight to Survive, de Stan Bush – deu de caras com o casal do terceiro andar que não evitou rir no momento em que a porta do elevador se abriu. Sem perder a postura, e como se nada fosse, disse boa tarde e informou que o elevador ia descer. E continuou a cantar. De forma mais discreta, mas sem parar. Assim que o elevador parou, despediu-se dos vizinhos e colocou o volume no máximo. Assim que saiu do prédio, colocou a música do início e começou a correr em direcção à marginal.

“I've worked hard every night and day. So I'm prepared to make my way. Mind and body are the perfect team. Now's my chance to live my dream. I'm taking hold of every moment. Given strength by the breath of life. I'm gonna stake my claim. I fight to survive”, era o que cantava a cada passada. Nunca aquelas palavras lhe tinham feito tanto sentido. Há muito que não corria na marginal aquela hora. Já nem se lembrava da sensação de paz que sentia no momento em que a sola dos ténis pisava o chão de forma suave enquanto observava o rio do seu lado direito. As corridas permitiam-lhe abstrair-se do mundo, focando-se apenas nos detalhes que iam do casal que se beijava apaixonadamente no pontão até ao cão que avistava ao longe sem saber como ia reagir à sua passagem. Os mais de sete quilómetros que correu foram passados a pensar na decisão que tinha tomado e no que ia fazer agora.

Ao contrário do que costumava fazer quando acabava de correr, ficou junto ao rio ao olhar para a paisagem. Como se tivesse a certeza de que seria a sua última oportunidade para observar aquela paisagem. Olhava para cada detalhe como se o quisesse gravar para sempre na sua memória. Não encontrava explicação para o que estava a fazer mas sentia-se incapaz de sair dali. Mais de trinta minutos depois, e quando o Sol começava a desaparecer, encaminhou-se para casa ao som de You´re the Best, de Joe Esposito, outra das suas músicas de eleição para correr. “History repeats itself. Try and you’ll succeed. Never doubt that you’re the one. And you can have your dreams You’re the best! Around! Nothing’s gonna ever keep you down. You’re the Best! Around”, era o que ouvia. Curiosamente, também aquela letra nunca lhe tinha feito tanto sentido.

Como tinha tempo aproveitou para fazer algo que não fazia há muito. João encheu a banheira de água quente e por lá ficou até que a mesma começasse a arrefecer. Seguiu-se um duche e estava na hora de ir ter com Jorge ao restaurante onde tinham hábito de jantar pelo menos uma vez por semana há alguns anos. Jeans, a primeira t-shirt que apanhou, Stan Smith e um casaco. Pegou na carteira, nas chaves de casa, do carro e nos óculos escuros. Quando chegou ao carro soltou uma gargalhada por ter os óculos escuros na mão. Já não precisava deles porque a noite já tinha caído mas tinha o hábito de pegar sempre nos seus Komono pretos.

Quando chegou ao restaurante recordou os antigos e regulares jantares com o seu melhor amigo, numa altura em que ambos eram solteiros. Agora, Jorge estava numa relação longa e até já tinha uma filha. Lamentava a ausência daqueles jantares mas nunca se tinha sentido triste com o final dos mesmos pois entendia que faziam parte de um determinado momento da vida de ambos e era normal que não fossem eternos. Mas estar ali fez com que recordasse memórias que lhe eram especiais. “Boa noite! É uma mesa para dois se faz favor”, disse ao mesmo empregado de antigamente que, tal como no passado, o recebeu com um sorriso. “Esqueça. Está ali o meu amigo. Vou sentar-me com ele”, explicou.

Depois de um apertado abraço a Jorge, sentou-se. Instantes depois aproximou-se o empregado da mesa. “Pode trazer dois crepes e  uma garrafa de Grandjó enquanto escolhemos a comida. E coloque outra no congelador que esta não deve ser a única se faz favor”, disse João. “Então? Que se passa contigo? Estás bem?”, perguntou Jorge ao estranhar o comportamento do amigo. “Está tudo bem. Tinha saudades de jantar contigo nestes moldes”, respondeu João. “Vai-te lixar! Conheço-te melhor do que isso. O que se passa?”, insistiu Jorge. “Está tudo ok. Despedi-me”, disse João com a maior naturalidade do mundo.

“Des quê?”, reagiu Jorge com espanto. “Estás a brincar comigo não estás?”, perguntou. “Há muito que te digo que estava farto das merdas do meu chefe. Hoje mandei-o à merda, virei-lhe costas e saí”, explicou João esperando ouvir uma repreensão do amigo. Algo que não aconteceu. “Se achas que foi a melhor decisão, apoio-te ao máximo. E estou aqui para o que precisares”, disse. “Obrigado. Era mesmo só isso que precisava de ouvir”, agradeceu João. “Conheço-te ao ponto de saber que não tomavas essa decisão sem ter algo em mente. O que vais fazer?”, inquiriu. “Por acaso tomei esta decisão a quente mas estou a precisar de umas férias. E este é o momento ideal para as gozar”, explicou.

“Férias?!? Tu?!? Nunca queres ir para lado nenhum”, soltou Jorge. “Mas agora quero”, afirmou João com um sorriso nos lábios. “Uiiiii. Palpita-me que este é o momento em que aquela rapariga que conheceste no outro dia vai fazer parte da conversa. Como é que ela se chama? Carla?”, perguntou Jorge. “Sophia. O nome dela é Sophia e pode ser que venha a fazer parte destas férias. Vou até à Irlanda à procura dela”, explicou João. “Tenho algumas poupanças e vou juntar as férias à tentativa estúpida, e assumo isso, de encontrar a mulher que mexeu comigo como há muito ninguém mexia”, contou. “Esta é aquela parte em que deveria revelar a minha surpresa mas conhecendo-te como conheço, não fico surpreendido e sei que nada nem ninguém te irá convencer do contrário. E tinhas razão”, referiu Jorge. “Como assim? Tinha razão no quê?”, perguntou João. “Uma garrafa de Grandjó não vai chegar”, referiu Jorge.

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