26.1.15

existem dois tipos de pessoas

Um cenário hipotético. Um pessoa vai ter com um grupo de dez pessoas e diz algo como: “nem imaginam o que acabei de ver. O António, que é casado com a Maria, está ali no café xpto, aos beijos à Carla, que é casado com o Xavier, que por sua vez é o melhor amigo do António. Que vergonha”, diz a essas dez pessoas. Que por sua vez estão situadas a cerca de cem metros do café em questão onde está a ter lugar o tal escândalo amoroso.

Perante este cenário existem dois tipos de pessoas. O grupo maior, constituído por nove pessoas, vai acreditar no que acabou de ouvir. Esse grupo não vai questionar nada. Vai disparatar imediatamente. “Aquele gajo sempre teve ar de cabrão”, dizem uns. “E a Carla sempre andou metida com outros homens”, acusam outros. “Que pouca vergonha”, dizem em uníssono. Mas, estas nove pessoas não ficam por aqui. Pelo menos, na sua maior parte. Começam a ligar a outras pessoas a contar aquilo que acabaram de ouvir. Chegam mesmo a dizer que viram quando na realidade é algo que lhes foi contado por uma pessoa. De boato em boato, passados poucos minutos, Maria e Xavier estão a receber mensagens e telefonemas a alertar para o caso amoroso. “Conto-te isto para o teu bem”, é a forma como acabam as mensagens. “Tens a certeza?”, perguntam ambos. “Absoluta”, reforçam.

Depois, do tal grupo de dez pessoas existe uma, apenas uma, que duvida daquilo que alguém acabou de dizer. E que percebe que está apenas a cem metros do local onde os amantes estão aos beijos. E que decide ir até ao local para ver aquilo que foi contado pelos seus próprios olhos. Quando lá chega vê um casal aos beijos. Duas pessoas que aparentemente são parecidas com António e com Carla mas que, se beijam como duas pessoas que nada têm a esconder. Até que os beijos acabam e se levantam para ir embora. As pessoas que aparentavam ser António e Carla são na realidade um outro casal de namorados que estava no café.

Esta pessoa, a única que tomou esta decisão, decide voltar ao local onde estava com as outras nove. Quando lá chega, ainda lá estão. “Não era o António nem a Carla. Era um casal de namorados com parecenças físicas com ambos”, diz. “Quem te disse?”, perguntam os nove. “Ninguém me contou, Fui ver com os meus olhos”, afirma. “Não pode ser. Estás enganado. A não sei quantas (pessoa que espalhou o boato) não ia mentir”, respondem aqueles que optaram por não confirmar a história. “Lá estás tu a defender aqueles sem-vergonha. O que eles estão a fazer é uma vergonha e a Maria e o Xavier merecem saber a verdade. Fica-te mal estar a tentar encobrir o que estão a fazer”, disparam aqueles não foram ver o que se estava a passar mas que acreditaram naquilo que lhes foi contado.

Ciente que não teria sucesso perante aquele grupo, a única pessoa que se deu ao trabalho de descobrir a veracidade (ou não) do boato, entra em contacto com Maria e Xavier, informando que tudo não passa de um mal entendido motivado por um boato infundado. Explica que foi confirmar quem eram as pessoas e que percebeu que não eram António nem Carla. Por sua vez, Maria e Xavier tentam acreditar naquela versão. Querem acreditar que é verdade mas não param de pensar nas mensagens que continuam a receber de pessoas a quem os outros nove já contaram o boato. E ficam sempre na dúvida em acreditar na única pessoa que conta a verdade.

Trata-se de um cenário inventado (apesar de conhecer quem já tenha espalhado boatos destes com o objectivo de provocar o caos)  mas que reflecte a forma como as pessoas lidam com a informação que lhes é dada a conhecer. Gosto de acreditar na inteligência das pessoas e na capacidade pessoal de filtrar tudo aquilo que lhes é dito. Mas a realidade é que as pessoas tendem a questionar a verdade que lhes é contada pelo veículo dessa verdade ao mesmo tempo que aceitam, sem qualquer hesitação, ser meras marionetas de quem tem como único objectivo espalhar o mal, mesmo que esse mal tenha por base mentiras que estão a ser oferecidas como verdades inquestionáveis.

As pessoas não pensam naquilo que têm em frente aos olhos. Ninguém se importa de ser usado por alguém que só quer espalhar uma realidade falsa que desconhece por completo. As pessoas aceitam fazer figuras ridículas a mando de outros. Aceitam ser o alimento da burrice alheia. Mas, essas mesmas pessoas, quando se deparam com a verdade, têm uma gigantesca dificuldade em aceitar esses factos. É pena que assim seja. Mas também é um facto que cada qual escolhe aquilo no que quer acreditar.

18 comentários:

  1. "Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo." ;)

    Sílvia Vasconcelos

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  2. E não existem pessoas nesse grupo, que não queiram saber se é verdade ou mentira, uma x que ninguém tem nada a ver com isso???? Tipo não ouvem, não se levantam e perguntem viemos para beber café ou para saber da vida do António e da Carla?
    Adelaide

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    1. Podia ter dividido em três grupos. Nesse caso, essa pessoa seria mais uma solitária. Mas aqui, o tema foi aleatório. É o funcionamento da coisa em si.

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  3. Tens toda a razão, e assim se conseguem destruir muitas relações, sem qualquer lógica ou fundamento.

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    1. Conheço uma que já teve problemas mas o objectivo deste texto não é o amor. É a forma como as pessoas lidam com as coisas que ouvem.

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  4. Não somos mais que um rebanho de ovelhas, e aquela que tenta fazer as coisas de outra forma é um lobo mau.

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  5. Uma vez, eu estava num restaurante a almoçar, quando me liga uma amiga minha para me dizer que estava nesse momento a ver o meu namorado (agora marido) com outra mulher. Ela disse-me que tinha a certeza que era ela e que lamentava ter que me dizer isso. Estava ela a dizer-me isto e o meu namorado sentado à minha frente. Não sei se viu alguém que lhe pareceu ele ou se resolveu inventar, mas a verdade é que me disse algo que não era verdade. Nunca lhe falei nisso, nem ela a mim. Enfim...

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    1. Um belo exemplo do que as pessoas conseguem fazer. Agora, se o teu namorado não estivesse contigo nesse momento. Como ias reagir?

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    2. Pois, aí está uma boa questão. Por muito que acreditasse nele, fica sempre aquela dúvida. E as pessoas que espalham esses rumores nunca pensam nisso...

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    3. A mim aconteceu-me uma coisa do género, mas não tinha a ver com relações. Uma colega minha veio dizer-me que tinha ouvido o meu patrão dizer que me ia despedir. Fiquei, durante algum tempo, cheia de medo que fosse verdade. E não foi. Ele não me despediu, aliás continuo com o mesmo emprego e o mesmo patrão ainda hoje. Não sei o que ela ouviu, mas foi certamente algo que, fora do contexto, faz as pessoas pensar coisas que não são verdade. Pensando bem, eu deveria ter visto isso na altura, mas era mais nova e impressionável...

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    4. Anónimo
      É o problema deste tipo de coisas. E aqui o amor foi um tema acessório.

      Jessie
      É pena que algumas pessoas não tenham capacidade para analisar as coisas e não percebam o impacto das suas acções.

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  6. Há alguns anos atrás ( muitos) andava eu no liceu, e o gerente de conta da minha mãe, ligou-lhe para lhe dizer que eu estava no banco...e eu estava.... ao lado dela!

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  7. Há muitos anos que digo isto "o que os meus olhos vêem e os meus ouvidos escutam, a minha boca não fala".
    Eu poderia ver a minha melhor amiga ou amigo com alguém, aos beijos, que não diria nunca nada.
    E olha que já vi muita coisa.
    Beijinho

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    1. Essa gestão depende de cada pessoa e das relações. O grave é vender mentiras como certezas.

      Beijos

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  8. Vender mentiras este tipo de mentiras, nem pensar.
    E se digo alguma coisa, uso o "parece-me" , "se não estou em erro", "acho que, mas não tenho a certeza" mas para outros assuntos de menor importância, porque estes, não me meto neles.
    Ninguém sabe o que lhe pode cair em cima.
    Beijinho

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