9.9.14

desabafo de um filho de uma doente oncológica

Com o cancro – não vale a pena andar com rodeios à volta do nome - da minha mãe aprendi que o maldito bicho tem uma coisa boa. Isto pode soar a estúpido. Aliás, até a mim, que estou a escrever isto, soa a ridículo pensar e dizer que o cancro tem uma coisa boa. Mas a verdade é que tem. Porque a doença oncológica da minha mãe ensinou-me a viver. Até posso dizer que aprendi mais a viver nestes meses de luta e esperança de um final feliz do que no resto da minha vida.

Até ao dia em que a minha mãe me contou o que se passava, pensava que sabia filtrar o que é indispensável para a minha vida e aquilo que é lixo. Ou merda, para quem gosta dos nomes verdadeiros. Pensava que sabia dar apenas importância e tempo ao que me acrescenta algo, ignorando tudo o resto. Pensava até que fazia isso na perfeição. Mas, naquele momento percebi que não sabia fazer nada disto.

E percebi porque, a partir daquele momento, aprendi a fazer isso como ninguém. Agora, e peço desculpa pela falta de modéstia, considero-me um mestre da separação das coisas boas/más da vida. Agora, sei valorizar quem amo e quem é importante para mim. Sei pedir desculpa a quem merece. Sei reconhecer as pessoas que merecem a minha atenção. As pessoas que merecem tudo de mim. Não amanhã nem daqui a uma semana mas agora. Neste momento. Neste segundo pois é o único que sei tenho para gastar. E tem de ser gasto da melhor forma possível.

Saber o que é bom e importante para mim permite-me facilmente perceber tudo aquilo que não interessa. E tudo isso deixou de me incomodar. Vai directamente para o sítio onde merece estar: lixo! A doença da minha mãe deu-me um escudo forte demais para a maldade, para a inveja e para tudo aquilo que nada acrescenta. E saber fazer esta separação faz com que a vida seja muito melhor. Melhor aproveitada. Gozada com as pessoas certas sem momentos adiados. E esta foi a lição que aprendi ao longo dos últimos meses e que fez de mim um homem melhor.

32 comentários:

  1. O que se aprende vivendo, e o que se ensina morrendo... :(

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  2. Muito inspirador, este teu texto.
    Aproveita bem esse dom que tens de saber separar tão bem o trigo do joio, e muita força para aproveitar também a vida!

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  3. Ótimo post! E como tem toda a razão!

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  4. No entanto, um discurso egocêntrico. Só dás a quem merece. Olha, grande coisa!

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  5. Creio que infelizmente, é sempre na dor que crescemos!

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  6. É sempre importante crescer como pessoa. Tudo de bom para ti e para a tua mãe.
    Um abraço

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  7. Gostei de te ler no FB e quero dizer-te que tens todo a razão.
    Saber a verdade para quem tem a doença e para quem acompanha a pessoa que a tem, é difícil, dói, mas enganar , protelar, fazer de conta, é o pior. E quando os filhos vivem enganados, a revolta e a indignação são o desfecho que custa a ultrapassar.
    Acompanhei 4 pessoas da minha família. Desde o início que soube o que tinham.Foi duro, mas a coragem e a força para lhes dar ânimo e os acompanhar até ao fim, nunca faltaram.
    Eles só querem carinho e nós aprendemos a ser humildes e a dar importância à vida, aos pequenos e simples momentos.
    E a vida é feita de momentos.
    Admiro-te muito.
    Beijinho

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    1. Um dos piores dias da minha vida foi quando a minha mãe me contou ainda sem ter a certeza absoluta da gravidade da situação. Sentes medo. E agora? Como vai ser? Questionas tudo e aprendes logo a viver e a separar as coisas.

      E assim tem sido.
      Obrigado pelo apoio e pelas palavras :)

      Beijos

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  8. Há coisas que de facto ajudam a relativizar, a perceber o que é REALMENTE importante...

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  9. Lamento ficar a saber da doença da tua mãe.
    Desejo muita energia para a luta que têm de travar.
    Força!
    Apesar de não ter tido a doença em alguém tão próximo, já a tive à minha volta.
    A lição que tirei foi sempre essa, aproveitar a vida!
    Preocupar-me apenas com o que interessa.
    Força para todos!
    Paula
    vidademulheraos40.blogspot.com.

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  10. Que palavras tão certas!!!!.. A vida é Hoje , há que saber valorizar o que nos acrescenta e desligar-mo-nos do que não presta.
    Abraço HSB e a maior força para a tua mãe.

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    1. Agora, o que não presta vai directamente para o lixo.

      Obrigado

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  11. Como eu te compreendo tão bem. É isso mesmo. Existem momentos na vida que servem para nos ajudar a encontrar o (nosso) sentido desta vida. O que queremos fazer e como.

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  12. Compreendo-te...claramente quem passa por uma experiência desse tipo passa a ter noção das suas prioridades e do valor real das "coisas". A minha dúvida é somente esta: será que esse "discernimento" não é apenas temporário?...será que a nossa memória não fica curta e quandos estas fases complicadas passam, não voltamos a cair nos mesmos erros, nas mesmas indefinição, na mesma "fraca visão" do que devem ser as nossas prioridades?

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    1. É uma questão interessante mas não vou deixar que aconteça. Mesmo!

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  13. Tudo, mesmo aquilo que aparentemente é mau, tem uma razão de ser...aliás tudo se enfrenta melhor sabendo dar graças...nos momentos bons e nos momentos maus!!! É tão mais fácil assim...

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  14. Também estou nesse barco e aprendi essa lição com o terrível, doloroso e raro cancro que a minha mãe tem. Aprendi uma outra, a de que temos de viver o dia a dia e não deixar de fazer projetos, embora saibamos que há uma grande possibilidade de não os concretizar, de tudo sair furado. Carpe Diem, sempre. Tudo de bom pra si e pra sua família. Gosto muito dos seus posts e reenviei ao meu pai aquele que escreveu sobre o seu, pois também me identifiquei com tudo o que escreveu. :) Obrigada por passar a palavras sentimentos tão complicados de gerir!

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    1. Peço-te que me trates por tu, pode ser?

      Lá está. É aquela história de não guardar garrafas de vinho à espera do momento certo. E saberás bem o que pretendo dizer. É um orgulho saber que passaste o texto ao teu pai.

      Muito mas muito obrigado pelas tuas palavras.

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  15. Combinado! O meu pai comoveu-se com o teu texto e comentou que o teu pai era um exemplo para ele e que há algo de reconfortante em saber que há mais gente a passar por esta experiência, por muito egoísta que possa parecer... Eu admirei a tua capacidade de transmitir em meia dúzia de linhas tanto do que nos vai na alma, e tão bem! Tenho crescido muito com isto e sim, nada de guardar o vinho, o momento certo é este, aqui e agora, por muito que esteja longe de ser perfeito! Felicidade e inspiração e força!

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    1. Muito mas muito obrigado. Já valeu a pena ter criado o blogue. Não sei o que mais te dizer.

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  16. Já ouvi uma pessoa que teve cancro dizer que o cancro foi a melhor coisa que lhe aconteceu na vida. Precisamente por causa disso que falas. :)
    Além de que o cancro não é o bicho de sete cabeças que toda a gente pinta. Pode ter algumas cabeças, sim e não é fácil superá-lo, mas o cancro tem cura. É verdade que o cancro pode matar, mas até uma constipação mal curada pode matar. Há tantas doenças tão piores que o cancro, que se as pessoas soubessem encaravam tudo de outra forma.
    Quanto ao teu caso em particular, parece-me que estás/estão a enfrentar a doença de forma positiva e isso é meio caminho andado para que corra tudo muito bem. :) Muita força. Estou a torcer pela tua mãe. :)
    beijinho

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    1. Não vou dizer que foi a melhor coisa mas ensinou-me a viver como eu não sabia viver. Muito obrigado :)

      beijos

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