31.10.12

O meu mundo redondo e feito de gomos #2

Hoje é dia de futebol. Mas, para mim a bola não vai rolar. A perna, lesionada no último jogo, ainda não deixa. Hoje, o futebol é só de língua. Que, por sua vez, tem ligação aos meus dedos, que teimam em passar tudo o que sinto para o computar. No último gomo, falei da surpresa com que fui convidado a mudar de clube, para o maior do concelho. Hoje, as peripécias continuam.

No meio das feras
Tinha acabado de chegar ao Amora, o maior clube do concelho. Aquele onde todos queriam estar. Porquê? Porque permitia disputar o campeonato nacional. Cheguei. Conquistei o meu espaço sem incomodar nenhuma das feras que já lá habitavam e, para meu espanto, cheguei a ser capitão logo num dos jogos da pré-época.

Outro nível de dureza
A chegada ao Amora significou o aumento da dureza nos jogos. A intensidade era outra. Os jogos eram mais rápidos. Mais duros e sem espaço para aqueles que têm medo de meter o pé. Como sempre fui um jogador durinho, sentia-me como peixe na água.

A alegria dos pais
Disputar o campeonato nacional concedeu aos meus pais uma experiência única. Ouvir o relato dos meus jogos na rádio. O que eles vibravam com aquilo. Eu, nunca soube o que isso é porque nunca ouvi nenhum dos meus jogos. Mas ficava contente quando o meu pai me dizia, orgulhoso, que tinha sido eleito o melhor em campo. Isso e quando pessoas que o desconheciam falavam bem de mim. Eu, nunca liguei a essas coisas mas ficava contente por ver o sorriso que provocava nos meus pais.

Duelos particulares
Ao longo dos anos joguei quase sempre contra as mesmas equipas. Isso fez com que tivesse alguns duelos com avançados. Um deles hoje joga na primeira divisão e já representou a selecção nacional. É com orgulho que o vejo marcar golos actualmente mas posso dizer que nunca marcou um golo a uma equipa onde joguei. Outro dos avançados que melhor recordo jogava no Almada. Não o esqueço pelos duelos que travamos e por um episódio especial. Num certo jogo passamos os 90 minutos a dar pancada um no outro. Eu nele, quando tentava passar por mim. Ele em mim, em lances de bola parada ou quando eu tentava sair a jogar. Até que há uma altura em que ele passa a mão numa ferida e limpa o sangue no meu braço. Acho que foi a pior coisa que me fizeram e nunca esqueci. À parte disto, adorava (ainda adoro) um bom duelo no futebol.

Massagem ao ego
Um dos momentos que mais me elevaram a auto estima foi quando fui eleito o melhor em campo, pelo jornal O Jogo, num encontro contra o Sporting. Perdemos 1-0. Fomos roubados pelo árbitro e fizemos um grande jogo. Ainda tenho o recorte guardado.

Batalha campal
O pior jogo que tive foi contra o Vitória de Setúbal, na Amora. Faltava pouco para acabar o jogo quando sofremos o golo da derrota. Nessa altura, um jogador deles começou a insultar mulheres que assistiam ao jogo. Os insultos por parte do adversário, muitas vezes com origem no treinador foram uma constante ao longo do jogo. Para azar dele, insultou a mãe do jogador mais indisciplinado da nossa equipa. Ainda o jogo não tinha acabado e esse jogador já tinha levado um pontapé nas costas, dado pelo jogador ofendido. O árbitro viu mas optou por fingir que não tinha visto. Como medo, acabou logo o jogo. E, assim que apitou, o campo foi invadido pelas centenas de pessoas que estavam a assistir. Recordo-me que poucos foram os jogadores do Vitória de Setúbal que conseguiram chegar ao balneário. Os outros, levaram muita porrada. Eu, limitava-me a olhar para as minhas costas para não me acontecer nada. Até que vi a minha mãe chorar. A partir daí só descansei quando a retirei do local.

A expulsão mais patética
Ao longo dos anos foi expulso algumas vezes. Felizmente, em poucas ocasiões. A mais patética ainda hoje me faz rir apesar de ninguém acreditar no que realmente se passou. Por norma, sempre fui o marcador dos livres nas equipas onde joguei. Num certo jogo, em que já tinha amarelo decidi falar com o árbitro. Deviam faltar uns cinco minutos para o intervalo. Falta a nosso favor e amarelo para o adversário. Com a bola na mão, viro-me para o árbitro e digo estas palavras: “Já que vai anotar o amarelo, pode dizer-me quantos minutos faltam para o intervalo?” Ele, raivoso, vira-se para mim e diz: “Que está aqui a fazer?” e dá-me cartão amarelo. O que ele não se lembrou é que já tinha um cartão e expulsou-me ainda na primeira parte. Até hoje ninguém acredita nisto. Toda a gente pensa que chamei nomes ao árbitro.

Burrice
Não me arrependo do que fiz, mas é daquelas coisas que aconselho toda a gente a não fazer. Durante mais de meia época joguei com uma rotura muscular na coxa direita. Treinava limitado durante a semana e jogava com dores ao fim-de-semana. E ainda tinha um acordo com o treinador. Aos 2 ou 3-0 para nós, era substituído para descansar. O pior é que esse momento demorava a chegar e eu acabava por fazer o jogo todo. Quando digo que aconselho a que ninguém faça isto é porque as mazelas ficam no corpo e muitas vezes não se ouve um obrigado. Aliás, leva-se um pontapé no rabo.

Colegas malucos
O futebol fez-me conhecer muitas pessoas diferentes. Fiz amigos para a vida, uns mais malucos do que outros. Recordo apenas dois casos. Um jogador da minha equipa gostava de levar alfinetes para os jogos para picar os avançados e outro, que foi meu adversário mas que foi da minha turma na escola, cortava as unhas aos bicos antes dos jogos.

Coisa que só se faz uma vez
Sendo defesa, por norma ia para a barreira quando havia um livre contra a minha equipa. Neste tipo de lances, há sempre um ou dois adversários que se colocam na barreira. E, nessa altura vale tudo. Não é como nos jogos da televisão em que ninguém faz nada. Baixam-se as meias com as chuteiras, puxam-se os calções para baixo ou para cima e dão-se palmadas na cabeça. Eu sempre soube que era assim. Mas, um dia ousei ir para a barreira de um livre a favor da minha equipa. Sofri tanto que nunca mais repeti a experiência.

Mato-te!
Amora – Sesimbra sempre foram jogos muito intensos. Recordo-me de um que acabou empatado 0-0. Houve de tudo! Lances perigosos, golos perdidos, luta a meio campo e muita pancada. Recordo-me de um jogador deles que passou o jogo a dar pancada como se não houvesse amanhã. No final do jogo veio ter comigo, sorridente, como se fosse o meu melhor amigo. Recusei-me a cumprimenta-lo dizendo-lhe que tinha passado o jogo todo a dar pancada. Furioso, virou-se para mim, passou a mão pelo pescoço e disse-me: “vou-te matar!”

Nessa noite fui sair à noite. Fui para uma discoteca. Por acaso fui para Sesimbra. Por acaso, encontrei o rapaz que horas antes revelou a vontade de me matar. Ele viu-me. Veio ter comigo. E… o que aconteceu fica para a semana…

15 comentários:

  1. Gostei muito da primeira edição, portanto foi com algum entusiasmo que li a segunda! :) Há momentos bastante bons, dá para ver claramente o teu gosto pelo futebol - aliás, é com isso que te aproximas do leitor (pelo menos falo por mim).

    http://seeumandassenomundo.blogspot.pt/

    ResponderEliminar
  2. É bom de sentir a emoção com que vives essa parte da tua vida. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quando escrevo estas coisas, parece que estou a reviver o que já aconteceu :)

      Eliminar
  3. Respostas
    1. Nesta edição há alguns momentos que não me deram vontade de sorrir :)

      Eliminar
  4. Ohhh! Isso não se faz...acabar com suspense:) Já ia embalada. Mas pelo menos não te aconteceu nada de mal já que estás aqui para nos contares as peripécias! Gosto muito desta tua partilha. Essa paixão nota-se à distância!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tens razão mas foi um momento tenso! Obrigado. É uma das coisas mais importantes da minha vida.

      Eliminar
  5. Sabes, quando era pequena e subia às árvores e dava pancada nos rapazes , por vezes tinha imensa pena de não ser um deles ... essa parte do mundo masculino faz-me falta ...

    ResponderEliminar
  6. Já adorei futebol. Comprava o jornal desportivo todos os dias, passava o dia a falar de futebol com amigos e colegas, sendo mulher, era estranho para muitos mas depois habituaram-se. Alguns até chegaram à conclusão de que sabia do que falava. Moro de frente para o estádio do Amora, por isso foi com alguma curiosidade que li o post. Alturas houve em que ia para o estádio fazer os trabalhos de casa, enquanto os séniores treinavam. Adorava aquele espaço. Não fazia ideia de todas peripécias que se passam nos jogos, o episódio relatado do sangue da ferida do adversário é nojento, e os alfinetes bom, no minimo hilário!

    ResponderEliminar
  7. ... pediu-te desculpa e pagou-te um copo? :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sempre soube que o futebol era um desporto de paixões mas nunca o imaginei tão violento... há pessoas com muito mau perder

      Eliminar